segunda-feira, 18 de março de 2019

Teoria económica e imperialismo


*por Prabhat Patnaik [*] 


Cartonn da revista 'Punch'. A teoria económica burguesa /mainstream, /
que ocupa a posição hegemónica no mundo acadêmico de hoje, é
frequentemente criticada por ser "irreal", ao proceder baseada em
suposições que obviamente não correspondem à realidade. Contudo, esta
crítica, apesar de válida, não capta a real intenção da teoria, que é a
de servir como camuflagem ao imperialismo. O conteúdo teórico da
economia burguesa /mainstream / avança um conjunto de proposições sobre
o funcionamento do capitalismo que nega qualquer necessidade e portanto
qualquer papel ao imperialismo no desenvolvimento capitalista. Dado que
o imperialismo é, de facto, um elemento crucial ao funcionamento do
capitalismo, essas proposições são, por óbvio, "irreais", mas destacar
seu carácter "irreal" não basta. Este carácter "irreal" tem um
propósito, e este facto não pode ser ignorado.
Dizer que a economia burguesa serve ao imperialismo não equivale a
sugerir que todos os economistas burgueses desempenham deliberadamente
este papel. Quando um determinado discurso ganha valor de face, muitos
economistas insuspeitos, de modo inocente, se mantém dentro de seus
limites, por razões profissionais e de carreira. Como um determinado
discurso ganha valor de face e como aqueles que desafiam seus limites
são penalizados profissionalmente, são tópicos pertinentes à sociologia
da vida académica, e não serão discutidos aqui. Devo cingir-me à
ilustração da minha proposição de que a economia serve para camuflar o
imperialismo, e o farei recorrendo a apenas duas teorias-padrão.
A primeira é a "teoria do crescimento", isto é, a teoria que se ocupa do
que determina o crescimento duma economia capitalista no longo prazo. A
posição mais habitualmente defendida, que foi desenvolvida com rigor por
Robert Solow, do MIT (Massachusetts Institute of Technology) e que
ganhou um Prémio Nobel pelo trabalho, o qual foi recentemente utilizada
por Thomas Piketty (a propósito, nem Solow nem Piketty podem ser
considerados ideologicamente de direita, de forma alguma), é que o
crescimento duma economia capitalista, no longo prazo, é determinado
pela taxa de crescimento de sua força de trabalho. É claro que quando a
taxa natural de crescimento da força de trabalho é de, digamos, 3% ao
ano e a produtividade do trabalho a uma razão capital-produto dada
cresce a 2% ao ano devido ao progresso tecnológico (isto é, cada
trabalhador hoje equivalerá a 1,02 trabalhador no próximo ano), a taxa
de crescimento desta economia no longo prazo, de acordo com esta teoria,
equivalerá a 5%. Resumidamente, a taxa de crescimento da economia
equivalerá à taxa de crescimento da força de trabalho, não em unidades
naturais, mas em "unidades de eficiência". Mas isto é apenas uma
variação sobre o tema; o ponto básico é que a teoria burguesa
/mainstream / predominante, que é ensinada assiduamente em quase todas
as universidades do mundo, considera que o crescimento económico, sob o
capitalismo, é limitado pela disponibilidade de mão-de-obra.
Ocorre que esta é uma proposição notavelmente bizarra, uma vez que ao
longo da sua história o capitalismo deslocou milhões de pessoas através
do globo para satisfazer as necessidades de acumulação de capital. Vinte
milhões de escravos foram embarcados à força para cruzar o Oceano
Atlântico, de África ao assim chamado "Novo Mundo", para trabalhar em
minas e em /plantations. / E depois que o tráfico de escravos chegou ao
fim, 50 milhões de chineses e indianos (de acordo com uma estimativa)
foram transportados, como /coolies/
<https://pt.wikipedia.org/wiki/Coolie> ou sob servidão por contrato, até
a Primeira Guerra Mundial, a lugares distantes como Fiji, as Ilhas
Maurício ou as Índias Ocidentais, novamente para trabalhar em minas e
/plantations, / de forma a satisfazer as necessidades do capital
metropolitano.
Quando se observa que o capital desenraizou, desta forma brutal, milhões
de pessoas para suprir suas necessidades de mão-de-obra, dizer que a
acumulação de capital simplesmente se ajusta com mansidão à
disponibilidade de mão-de-obra interna é incrivelmente absurdo. Ainda
assim, é o que a teoria económica /mainstream / defende. É claro que se
a teoria propusesse que a acumulação de capital seria limitada pela
disponibilidade de mão-de-obra se o capitalismo tivesse que se arranjar
somente com a força de trabalho interna, e que teria portanto
forçosamente de percorrer o globo em busca de trabalhadores e
desenraizasse um grande contingente de pessoas para satisfazer as
necessidades de trabalho humano, isto é, se se tratasse de uma teoria
/ex ante / utilizada para prover uma explicação do imperialismo (como um
meio de superar uma escassez de mão-de-obra /ex ante / ), estaríamos a
tratar de algo bem diferente. Independentemente de se concordar ou não
com uma teoria dessas como uma explicação central para o imperialismo,
tratar-se-ia ao menos de um esforço teórico honesto. Na verdade, o
conhecido marxista austríaco Otto Bauer propôs precisamente esta teoria
do imperialismo, que foi criticada por Rosa Luxemburgo.
Mas isto */não / * é o que a teoria económica /mainstream / propõe. Ela
diz que a acumulação de capital não é limitada /ex ante / pela
disponibilidade de mão-de-obra, e sim /ex post; seu propósito não é
demonstrar a necessidade do fenómeno observável do imperialismo devido
ao factor que ela enfatiza, nomeadamente a escassez de mão-de-obra, mas
sim explicar o ritmo real da acumulação de capital em termos da
disponibilidade de mão-de-obra interna sem qualquer referência ao
imperialismo. /
A bem da verdade, há teorias recentes dentro da economia burguesa
/mainstream / que falam na superação da escassez de mão-de-obra através
do estabelecimento de uma taxa apropriada de progresso tecnológico, de
tal maneira que a taxa de crescimento da economia capitalista não mais
seja limitada pela disponibilidade de mão-de-obra. Contudo, tais teorias
ignoram completamente o imenso alcance global do capital e a sua
tendência a deslocar milhões de pessoas através do globo de forma a
atender suas necessidades. Em síntese, a teoria /mainstream / do
crescimento, ao enxergar invariavelmente o capitalismo como um sistema
fechado e auto-contido, serve para obscurecer o fenómeno do
imperialismo. E essa obscuridade caracteriza a economia /mainstream /
como um todo.
A segunda ilustração deste ponto diz respeito à teoria do comércio, que
propaga assiduamente a ideia de que o comércio internacional é sempre
benéfico a todos os países. Esta visão é sustentada oficialmente por
agências como a OMC (Organização Mundial do Comércio), que desejam impor
o livre comércio por toda parte. Entretanto, toda a experiência de
economias coloniais, como a Índia, fornece ampla evidência na direcção
contrária. A abertura comercial foi a causa da "desindustrialização" que
lançou milhões de tecelões e outros artesãos ao desemprego, graças à
importação de manufacturas baratas da metrópole capitalista. Os
trabalhadores assim deslocados foram atirados aos campos, o que elevou o
custo da terra, baixou os rendimentos do trabalho e deprimiu os
ingressos de grande parte da população (exceptuando-se, claro, os
proprietários da terra que, ao contrário, se beneficiaram do processo);
esta foi a génese da pobreza de massas nessas economias. Ainda assim,
estudantes em todo o mundo, incluindo-se os que vivem nesses países,
aprendem teorias que propagam as virtudes do livre comércio, ignorando a
própria experiência.
Como a teoria /mainstream / realiza a façanha de "demonstrar" as
virtudes do livre comércio? Ela o faz simplesmente por assumir que todos
os "factores de produção" encontram-se plenamente utilizados em cada
economia, tanto antes quanto depois da abertura comercial. Se tomamos
esta suposição como um dado, naturalmente não há espaço para qualquer
"desindustrialização", uma vez que os artesãos deslocados serão, por
definição, completamente reabsorvidos pelo sector exportador em vez de
permanecer desempregados ou subempregados. O facto de que o sector
exportador numa economia colonial (ou, de modo geral, em qualquer
economia do Terceiro Mundo ainda hoje) consiste em /commodities /
primárias cuja produção não pode ser elevada arbitrariamente devido à
disponibilidade limitada de terras e que portanto os novos desempregados
simplesmente congestionarão o mercado de trabalho em detrimento de
todos, é tido como inexistente. Com efeito, toda a acachapante evidência
histórica da desindustrialização é tratada como se jamais houvesse
ocorrido! E essa teoria obviamente tendenciosa, derivada de suposições
deliberadamente construídas, é passada adiante como se sabedoria
económica fosse.
A vacuidade da teoria económica burguesa /mainstream / tornou-se óbvia a
todos os que se engajaram na luta anticolonial, de Naoroji
<https://en.wikipedia.org/wiki/Dadabhai_Naoroji> e Romesh Dutt
<https://en.wikipedia.org/wiki/Romesh_Chunder_Dutt> a Gandhi e a
esquerda. Como resultado, logo após a descolonização houve um esforço,
na Índia e em toda parte, para dizer a verdade sobre as experiências
históricas desses países, e sobre a vacuidade da economia /mainstream, /
aos seus estudantes universitários. Lamentavelmente, este não é mais o
caso. No esforço de emular as universidades estrangeiras mais bem
conceituadas, ostensivamente com o fito de atingir uma melhor qualidade
de ensino, todos as instituições de ensino superior destes países
propagam tais teorias económicas burguesas do /mainstream / que servem
para obscurecer o fenómeno do imperialismo aos seus estudantes.
A hegemonia intelectual desempenha um papel crucial no /modus operandi /
do imperialismo; a predominância da teoria económica burguesa
/mainstream / é um elemento-chave desta hegemonia intelectual.
17/Março/2019
*[*] Economista, indiano, ver Wikipedia
<http://en.wikipedia.org/wiki/Prabhat_Patnaik>
O original encontra-se em
peoplesdemocracy.in/2019/0317_pd/economics-and-imperialism
<https://peoplesdemocracy.in/2019/0317_pd/economics-and-imperialism>
Tradução de LL. *

18/3/2019

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