sábado, 30 de março de 2019

Wikileaks: como o DoJ preparou a Lava Jato e cooptou a Justiça brasileira



 por Luis Nassif

Já havia elementos suficientes mostrando a preparação da Lava Jato pelo
Departamento de Justiça dos Estados Unidos. O encontro da AJUFE
despertou pesquisadores, que localizaram um telegrama, no Wikileaks, que
descreve com previsão como começou a Lava Jato.


O próximo evento da AJUFE (Associação dos Juízes Federais), financiado
pelo Departamento de Justiça dos Estados Unidos
<https://jornalggn.com.br/justica/governo-americano-vai-bancar-seminario-para-a-associacao-dos-juizes-federais/>,
é uma continuação do Projeto Pontes, que transformou definitivamente a
Justiça e o Ministério Público Federal em instrumentos de disputas
geopolíticas.

Já havia elementos suficientes mostrando a preparação da Lava Jato pelo
Departamento de Justiça dos Estados Unidos. O encontro da AJUFE
despertou pesquisadores, que localizaram um telegrama, no Wikileaks
<https://wikileaks.org/plusd/cables/09BRASILIA1282_a.html>, que descreve
com previsão como começou a Lava Jato.


De 4 a 9 de outubro de 2009, foi montado seminário similar no Rio de
Janeiro, com o título “Crimes financeiros”, bancado pelo DoJ, com a
participação de juízes e procuradores de cada um dos 26 estados
brasileiros e do Distrito Federal, mais de 50 policiais federais e mais
de 30 procuradores, juizes e policiais estaduais. Participaram também
membros do México, Costa Rica, Panamá, Argentina, Uruguai e Paraguai.Foi
um seminário de uma semana, sob o álibi genérico de combate ao terrorismo.

Foi o primeiro evento do Projeto Pontes, cuja missão era consolidar o
treinamento das polícias para a aplicação da lei bilateral. Cuidou-se de
concentrar em trabalhos práticos, evitando os temas teóricos – que,
aliás, poderiam enveredar por aspectos legais da cooperação.

Segundo a nota do Wikileaks, em geral as autoridades brasileiras
preferiam termos mais genéricos, como “crimes transnacionais”, evitando
qualquer referência ao terrorismo. Naquele ano, a conduta mudou. No
telegrama da Wikileaks, anota-se o fato de que, ao contrário das
reuniões com o Ministério das Relações Exteriores e da Justiça, onde se
evitava o termo terrorismo, o público da conferência estava claramente
interessado no tema.

Terrorismo, aliás, a palavra-chave para a cooperação internacional e,
especialmente, para a parceria entre juízes e procuradores brasileiros
com as áreas de segurança do governo americano – leia-se DHS e CIA.

O treinamento foi amplo e prático, incluindo a preparação de
testemunhas. Nas conclusões do seminário estava a necessidade de, no
futuro, as investigações se basearem em forças tarefas, como maneira
mais efetiva “de combater o terrorismo no Brasil”.

Segundo as avaliações do telegrama, o seminário demonstrou claramente
que os juízes federais, promotores e outros profissionais da lei estavam
menos preocupados com o campo minado político e “genuinamente
interessados em aprender como melhor envolver o processo judicial na
luta contra o terrorismo”.

Os dois conferencistas mencionados no telegrama foram o Ministro da
Justiça Gilson Diap e o juiz paranaense Sérgio Moro. Dipp participou por
desinformação; Moro por estar plenamente integrado ao Departamento de
Justiça, por conta da parceria no caso Banestado. Nos debates, o tema
principal versou sobre as sugestões dos brasileiros sobre como trabalhar
melhor com os EUA.

Entre as diversas solicitações, pedia-se treinamento especial sobre a
coleta de provas, interrogatórios e entrevistas, habilidades em
tribunais e o modelo de força tarefa proativa, com a colaboração entre
procuradores e as forças de segurança. Saía-se do campo estritamente
penal, para o campo geopolítico.

Pediram conselhos, também, para mudar o código penal. Os americanos
defenderam mudanças recentes no código, como a exigência do exame direto
das testemunhas pela promotoria e pela defesa, não pelo juiz, e o uso de
depoimentos ao vivo, em vez de declarações escritas. No entanto, dizia o
telegrama, os brasileiros confessaram não saber como utilizar as novas
ferramentas, mostrando-se ansiosos para aprender.

Os especialistas americanos notaram que o fato da lavagem de dinheiro já
estar na alçada dos tribunais federais tornava mais eficaz o combate à
corrupção de alto nível. “Consequentemente”, diz o telegrama, “há uma
necessidade contínua de fornecer treinamento prático a juízes federais e
estaduais brasileiros, promotores e agentes da lei com relação ao
financiamento ilícito de condutas criminosas”.

Sugeriu-se a preparação de um projeto piloto. Os locais ideais, dizia o
telegrama seriam São Paulo, Campo Grande e Curitiba. Apresentou-se o
desenho do piloto: “Forças-tarefa podem ser formadas e uma investigação
real usada como base para o treinamento, que evoluiria sequencialmente
da investigação até a apresentação e a conclusão do caso no tribunal”,
diz o telegrama, corroborando a palestra de Kenneth Blanco, do DoJ, no
Atlantic Council. ”Isso daria aos brasileiros uma experiência real de
trabalho em uma força-tarefa proativa de financiamento ilícito de longo
prazo e permitiria o acesso a especialistas dos EUA para orientação e
apoio contínuos”.

A conclusão final do encontro é que o Projeto Pontes deveria continuar a
reunir as forças de segurança americanas e brasileiras em diferentes
locais, “para construir nossos relacionamentos e trocar boas práticas”.
E concluía que, “para os esforços de combate ao terrorismo, esperamos
usar a abertura que esta conferência proporcionou para direcionar o
treinamento de forças-tarefa de financiamento ilícito em um grande
centro urbano”.

Nos anos seguintes, DHS, DoJ e CIA forneceram informalmente os elementos
centrais que permitiram ao juiz Sérgio Moro, a partir de Curitiba,
conduzir uma denúncia de corrupção ocorrida no Rio de Janeiro, tendo
como personagens centrais pessoas de Brasília e São Paulo. Conferiu a
juízes e procuradores o “abra-te Sésamo”, a informação provinda dos
serviços de espionagem eletrônica americano, que lhes garantiu poder,
glória e um protagonismo político inédito.

A consequência foi a destruição de parte relevante da economia
brasileira, desmonte do sistema político e das instituições
democráticas, permitindo à Lava Jato se tornar sócia do poder, através
de seu aliado Jair Bolsonaro. E jamais apareceu um terrorista de verdade
para justificar a parceria. O então Ministro da Justiça Alexandre Moraes
precisou inventar terroristas de Internet.

É inacreditável que um evento tão ostensivo como este tenha passado
despercebido do governo Lula, na época, cego pelo sucesso que marcou seu
último ano de governo.

In
JORNAL GGN
https://jornalggn.com.br/justica/como-o-doj-preparou-a-lava-jato-e-cooptou-a-justica-brasileira-por-luis-nassif/
29/3/2019

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