terça-feira, 16 de abril de 2019

Assembleia dos “Coletes Amarelos”: «Será necessário sair do capitalismo»



Rémy Herrera

O movimento dos “Coletes Amarelos” em França prossegue a mobilização.
Mas avança igualmente em formas de organização: as assembleias, e as
“Assembleias das assembleias.”
Na segunda, realizada no início de Abril, aprovou um conjunto de
posições e orientações com um claro cunho progressista. Que constituem,
além do mais, um encorajador indício da sua autonomia de decisão, da sua
vontade de avançar, e da sua capacidade de resistir tanto à repressão
como às tentativas de divisão e de manipulação a partir do seu interior.

O “Acto 21″ dos “Coletes Amarelos” ocorreu, como desde há quase cinco
meses, num sábado, 6 de Abril. Mas em paralelo, de 5 a 7, realizou-se em
Saint-Nazaire, Loire-Atlantique, um acontecimento que irá certamente
influenciar as próximas lutas no país: a segunda Assembleia das
assembleias de coletes amarelos. É o ponto central do movimento. A
primeira teve lugar em Meuse, Commercy no final de Janeiro e tinha já
reunido 70 delegações; quase 200 vieram desta vez a Saint-Nazaire, ou
seja, cerca de 800 delegados presentes (dois representantes mais dois
observadores por delegação). E sem contar os voluntários, jornalistas,
curiosos … Estes delegados tinham sido mandatados por cerca de 10 000
coletes amarelos, mobilizados em centenas de locais de luta: rotundas,
praças ou portagens mas também, quando as forças da ordem os
desalojaram, em muitos lugares muito mais excêntricos e menos visíveis
(até mesmo em alojamentos de acaso). Em toda a França, a resistência.

Havia, aparentemente, uma “ameaça contra ordem pública”. Foi este o
pretexto invocado pelo maire de Saint-Nazaire (David Samzun,
“socialista”, como se define ainda) para justificar a sua recusa em
ceder um espaço aos organizadores. Os eleitos das comunas vizinhas
fizeram o mesmo e, finalmente, nenhuma sala foi colocada à sua
disposição. Então os coletes amarelos encontraram-se todos na “sua
Casa”: a “Casa do povo”, antiga agência do Polo Emprego (Pôle Emploi)
que ocupam juntamente com os camaradas sindicalistas desde Novembro
passado. A “requisição cidadã” na pura tradição histórica dos clubes de
sans culottes de 1789, das bolsas de trabalho dos operários do início do
século XX, das fábricas em greve da Frente Popular de 1936. Alguns
trabalhos de arranjo e muita solidariedade permitiram-lhes reunir-se
para se encontrarem, para se darem coragem. Para debater e lutar melhor.
E se organizar.

Essa reunião tinha sido inicialmente agendada para os últimos dias de
Março, mas as dificuldades materiais para fazer face às despesas quando
o mês chega ao fim para a maioria dos participantes - somadas às da
logística - levaram a atrasá-la alguns dias; no início do mês, uma vez
recebido o salário (ou mesada), aqueles que não nadam em ouro respiram
um pouco melhor. Alguns queriam comparecer, mas a afluência obrigou os
organizadores a fechar as inscrições. Outros, mais numerosos ainda, não
puderam vir porque não podiam pagar a viagem. Contar com a generosidade
de amigos, cujos meios são irrisórios. Contar com as suas próprias
forças. Mas em 1864, o primeiro considerando dos estatutos da Associação
Internacional dos Trabalhadores não dizia, “a emancipação da classe
operária deve ser obra dos próprios trabalhadores”? Quando se é colete
amarelo, não se tem medo de lama, da chuva nem dos bolsos vazios.

No decurso dos três dias as discussões foram sérias. Muitas vezes
difíceis, tumultuosas, caóticas …à imagem da mobilização empreendida em
meados de novembro, revelaram a determinação dos coletes amarelos, a sua
oposição resoluta e tenaz a esta sociedade de desigualdades e injustiças
que o Presidente Macron simboliza, a sua condenação unânime da violência
das repressões policiais de que são vítimas, da sua obstinada vontade de
colocar no coração do movimento a democracia directa, de pensar e
reinventar formas autênticas desta última, a partir da base, sem líder
autoproclamado ou chefe recuperado, de encontrar o “equilíbrio entre
espontaneidade e organização”. É o coletivo que vem em primeiro lugar,
na “horizontalidade”. E a manutenção da unidade de um movimento que se
reúne contra os riscos de divisão e fragmentação, que une um povo apesar
de todas as suas diferenças (de percepções políticas, por vezes de
origens sociais), que continua a beneficiar também de uma boa imagem e
um forte apoio na opinião pública, que faz as lutas avançar.

Visíveis na Internet, os debates foram organizados em grupos de trabalho
temáticos: os modos de acção do movimento, a comunicação interna e
externa, a formulação das reivindicações, os pontos de convergência com
os sindicatos e outros colectivos, o futuro da mobilização…Finalmente, a
sessão plenária apresentou as sínteses das discussões das comissões
(preparadas à noite …) e um texto final. Um texto particularmente
lúcido, e radical. Um texto que será submetido mais tarde a votação
pelas várias assembleias locais de coletes amarelos. O que diz este texto?

Coisas essenciais, na realidade. Diz que as reivindicações devem ser
concentradas em aumentos salariais, das pensões de reforma e dos mínimos
sociais, com uma atenção especial para os nove milhões de pessoas que
vivem abaixo do limiar da pobreza Diz que é necessário fortalecer os
serviços públicos para todos. Eis o que é já fundamental.

Este texto diz “não” à violência imposta por uma minoria de
privilegiados contra todo um povo; Diz “sim” à anulação das penas
impostas a presos e condenados do movimento dos coletes amarelos. “As
violências policiais são um acto de intimidação política, procuram
aterroriza-nos para nos impedir de agir. A repressão judicial vem em
seguida para sufocar o movimento. (…) Aquilo que vivemos hoje é o
quotidiano dos bairros populares desde há décadas “.

Diz ainda da sua rejeição da “fraude do Grande Debate nacional” desejado
e manipulado pelo presidente Macron, tal como da sua recusa em
participar nas eleições europeias no próximo mês: “a rua une-nos, as
eleições dividem-nos”. “É na luta que a Europa dos povos será
construída. (…) É através de uma luta coordenada contra os nossos
exploradores comuns que lançaremos as bases de um entendimento fraternal
entre os povos da Europa e de outros lugares “.

E neste 7 de Abril, ao apelo da Assembleia das assembleias dos coletes
amarelos de Saint-Nazaire diz também e sobretudo que “melhorar as nossas
condições de vida, (…) reconstruir os nossos direitos e liberdades, (…)
fazer desaparecer as formas de desigualdades, de injustiças, de
discriminações “, para que finalmente a “solidariedade e a dignidade”
cheguem, será necessário mudar de sistema: “conscientes de que temos de
lutar contra um sistema global, consideramos que será necessário sair do
capitalismo “. E para isso, “colocar o conjunto dos cidadãos em ordem de
batalha contra este sistema”.

Quanto à mensagem dirigida aos ecologistas, é de uma limitação total, e
tão progressista. Irão eles ouvi-la? Será necessário que o façam. Uma
vez a emergência ambiental está aí, torna-se indispensável é a
convergência do combate pela ecologia com as lutas pelo progresso
social. É «a mesma lógica da exploração infinita do capitalismo que
destrói os seres humanos e a vida sobre a Terra. A fim de proteger o
meio ambiente, é necessário mudar um sistema que é prejudicial aos seres
humanos e ao meio ambiente». Isto, para quem tinha dúvidas sobre a
orientação à esquerda do movimento
Não foi fácil fazer emergir tais orientações e formulações. Alguns
acharam-nas prematuras. Outros temem que o movimento se dogmatize, se
doutrine, se endureça demais. É claro que ainda estamos muito longe de
uma saída do sistema capitalista. Mas já é importante saber aquilo que
precisamos de combater. Porque estes coletes amarelos, reunidos na
multidão e no burburinho desta Casa do povo “pela a honra dos
trabalhadores e por um mundo melhor”, compreenderam claramente e
expressaram muito claramente, eles pelo menos, aquilo que mais ninguém
ou quase ninguém no seio das nossas altas lideranças partidárias e
sindicais, entre os nossos artistas comprometidos ou nossos grandes
intelectuais, compreende ou exprime. Sim, para se esperar construir um
“mundo de liberdade, igualdade e fraternidade”, será necessário sair do
capitalismo. Seguramente. Sem isso, nada é possível. É por aqui que
começa qualquer programa de verdadeira alternativa. Porque os coletes
amarelos, levantados contra o insuportável, não se deixarão mais
enganar. O século XXI não será o fim da história; será o começo de uma
nova civilização. Pós-capitalista.

In
O DIÁRIO-INFO
https://www.odiario.info/assembleia-dos-coletes-amarelos-sera-necessario/
16/4/2019

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