terça-feira, 9 de abril de 2019

O enorme poder político e mediático do sector bancário em Espanha



Vicenç Navarro


Este artigo fala do poder do capital bancário em Espanha. Terá
certamente particularidades. Mas o que refere pode, com mais ou menos
diferenças secundárias, encontrar-se em muitos outros países. E o que
têm em comum chama-se capitalismo monopolista de Estado.

O sector bancário em Espanha tem um enorme poder político e mediático
que limita de forma muito marcante o desenvolvimento democrático do
país. Um indicador da excessiva influência que exerce sobre o Estado
espanhol é o seu tamanho desproporcionado, sendo o sector bancário
espanhol um dos maiores (em termos proporcionais) dos existentes na
União Europeia, com um enorme predomínio da banca privada e um
escassíssimo desenvolvimento da banca pública. A Espanha é um dos
países, não só da UE mas também da OCDE (o clube dos países mais ricos
do mundo), onde a banca pública está menos desenvolvida.

Outro indicador da influência política e mediática da banca é que o
órgão estatal que deveria regulá-la, o Banco da Espanha, é, na
realidade, um grande lobby da banca privada. Isso transforma essa
instituição em uma das principais promotoras de políticas públicas
neoliberais, isto é, das reformas laborais que deterioraram sobremaneira
a qualidade do mercado de trabalho espanhol, e dos cortes na despesa
social pública que prejudicaram enormemente o bem-estar da população em
geral, e o das classes populares em particular.

*O Banco da Espanha promove políticas públicas que estão a prejudicar as
classes populares*

A sua mais recente manobra segundo o projecto neoliberal não só foi
opor-se ao necessário aumento do salário mínimo (SMI), mas também ao
aumento dos salários, cuja redução forçou as famílias espanholas a
endividar-se muito (optimizando, assim , os lucros bancários baseados na
expansão do referido endividamento). Esta queda nos salários, além da
dívida, teve um impacto muito negativo sobre a procura doméstica, motor
fundamental do crescimento económico, o que explica por que os
investimentos bancários se vêm desviando para actividades especulativas
(como no sector imobiliário) que geraram mais lucros do que os
investimentos nos sectores da economia produtiva (onde são produzidos
bens e serviços). Assim, a combinação dessa queda nos investimentos com
a redução da procura doméstica teve um efeito extremamente negativo
sobre a referida economia produtiva. Foram precisamente esses
investimentos especulativos (como a maioria dos investimentos
imobiliários) que criaram as bolhas, cuja explosão levou à enorme crise
financeira, resolvida com base em subsídios públicos à banca (que,
segundo um balanço do Banco de Espanha publicado em Novembro de 2018,
foram de cerca de 55.000 milhões de euros), dos quais 42.000 se
calculava já então que não seriam devolvidos ao erário público. O
comportamento do sector bancário é o principal responsável pela crise
financeira que chegou a expulsar do mercado de trabalho 3,6 milhões de
pessoas na Espanha.
*
A banca recebe um tratamento preferencial por parte do Estado*

Outra das consequências da excessiva influência política da banca foi o
tratamento preferencial que recebe por parte do Estado. Para além do
enorme subsídio que acabei de mencionar (o mais elevado da UE), tem um
tratamento fiscal especial, uma vez que é um dos sectores com maiores
lucros e com a menor carga fiscal dentro da UE. E quando o governo
espanhol propôs um imposto para recuperar parte do dinheiro que a banca
recebia do Estado, a resposta desta foi opor uma grande resistência,
mobilizando os sectores do Estado, historicamente próximos dela, como o
corpo judicial, para deter e impedir a aplicação de tal imposto. Esta
proposta, que tinha sido sugerida na altura pelo Fundo Monetário
Internacional (FMI), foi definida como “extremista” por porta-vozes do
sector bancário, que atribuíram tal proposta à influência do Podemos,
também definido como “extremista”, “populista “,”desastroso para o país”
e mais uma longa série de insultos. Os media que transmitiram tais
insultos não informaram que esse imposto havia sido aplicado
(inclusivamente em níveis mais altos) por parte de muitos países da UE,
incluindo o governo conservador britânico. Como resultado de tal
oposição, o governo de Sánchez, que tinha sido a favor de tal imposto,
finalmente distanciou-se dele.
*
A grande influência mediática da banca*

A banca exerce uma grande influência sobre os partidos políticos e os
meios de comunicação, configurando o quadro dentro do qual o debate
político ocorre. Daí o grande domínio do pensamento neoliberal na vida
política e mediática do país. Todos os partidos políticos (excepto
Podemos) pediram empréstimos à banca e todos eles (excepto Podemos e
ERC) estão endividados, como também o estão todos os principais meios de
comunicação. E é por detrás desse endividamento que a banca exerce a sua
grande influência. Uma consequência disso é a escassíssima liberdade de
imprensa e a falta de pluralidade mediática nos meios de comunicação
(seja na rádio, imprensa ou televisão) neste país. A discriminação
contra partidos ou autores de pensamento crítico atinge níveis
desconhecidos nos países da UE. Hoje quase não há media de esquerda em
Espanha, e há milhares de casos que o atestam.

A dificuldade das vozes críticas do establishment político mediático do
país para aceder aos media
Conheço bem essa situação, porque me atinge. Um caso em que fui vítima
de tal discriminação (entre muitos outros) é o recentemente citado por
Alberto Garzón num excelente twit em que desenvolveu as conexões entre o
Banco Santander, o sector judiciário, o diário El Pais, a sua editora e
um livro que ia ser publicado por essa editora, escrito por Juan Torres,
o mesmo Alberto Garzón e eu, em que criticávamos o argumento neoliberal
utilizado pelo governo Zapatero, e mais tarde pelo governo Rajoy para
justificar a imposição de políticas neoliberais (reforma laboral e
cortes), argumentando que não havia alternativas àquelas que eles
aplicaram. O livro mostrava, com números e dados, que havia. Apesar de
ter assinado um contrato para publicar o livro (e quando estava prestes
a sair), a editora decidiu rescindi-lo, como resultado de que os autores
não quisemos fazer as alterações de última hora pedidas pela editora,
alterações que tinham o objectivo de eliminar críticas (documentadas) ao
sector bancário em geral e ao Banco Santander em particular (que havia
sido um dos promotores da ortodoxia neoliberal). Ao recusar-nos a
fazê-lo, a editora do El País, em resposta às pressões do Banco
Santander, decidiu não publicar o livro, tendo nós que procurar
rapidamente outra editora, com menor capacidade de distribuição. No
entanto, o livro foi um grande êxito editorial, com dez edições em
apenas dois anos, tornando-se o livro de referência do 15M. A
mobilização popular conseguiu o que a banca tentara vetar. Não há dúvida
de que há autores vetados, e lamento ser um deles. Não verão artigos
meus em nenhum dos principais jornais. E não creio que isso se deva a
não ter méritos académicos ou intelectuais para aparecer neles.

*Um exemplo entre outros: o Banco de Santander*

Este banco tem à sua disposição muitos políticos e jornalistas que
contribuem, estes últimos, para promover as políticas públicas
realizadas e impostas pelos primeiros. Tal banco tem tido uma relação
muito privilegiada com os governos do PSOE, e como Alberto Garzón
assinala no seu tweet, muito especialmente com a vice-presidente
Fernandez de la Vega (que telefonou a um dirigente desse banco para
tranquilizar o sr. Botín em relação às investigações que estavam sendo
realizadas, em resultado da venda de produtos financeiros para evitar o
pagamento de 2.600 milhões de euros em impostos). Essa prática havia
sido detectada no decorrer de outra investigação iniciada após uma
denúncia do empresário especulador Ruiz-Mateos. Mas nada aconteceu. A
sua influência abrange também o mundo universitário, exercendo um grande
poder na configuração da evolução e promoção do pensamento econômico
dominante. A grande maioria das revistas “científicas” na área econômica
é financiada pela grande banca de Espanha.

E todos os grandes grupos de media estão endividados. Quatro grupos de
comunicação, que controlam 94% do share do mercado de televisão
(Corporação de Rádio e Televisão Espanhola -CRTVE-, Mediaset, Atresmedia
e Corporació Catalana de Mitjans Audiovisuals -CCMA-) estão endividados.
O mesmo acontece, por sua vez, na rádio, em que quatro cadeias controlam
97% da quota de mercado de rádio (COPE, Onda Cero Rac1 e Cadena SER),
todas elas endividadas. E o mesmo acontece com os cinco principais
jornais (El País, El Mundo, La Vanguardia, ABC e El Periódico), todos
eles endividados. Daí a enorme capacidade de mobilização ideológica da
banca, porque cada um desses meios está consciente de que precisa dos
bancos para sua própria sobrevivência. E aí está o problema. A
democracia no nosso país exige que esse vínculo seja quebrado.

/Fonte:
https://blogs.publico.es/vicenc-navarro/2019/04/03/el-enorme-poder-politico-y-mediatico-de-la-banca-en-espana//

*Gostaste do que leste?*

In
O Diário.info
https://www.odiario.info/o-enorme-poder-politico-e-mediatico/
9/4/2019

Nenhum comentário:

Postar um comentário