domingo, 21 de abril de 2019

O golpe de 2016: a porta para o desastre





    Em artigo enviado com exclusividade para o Brasil de Fato, a
    ex-presidenta da República analisa o Brasil de hoje

Dilma Rousseff


Agência Brasil/Arquivo

Faz três anos, hoje, que a Câmara dos Deputados, comandada por um
deputado condenado por corrupção, aprovou a abertura de um processo de
impeachment contra mim, sem que houvesse crime de responsabilidade que
justificasse tal decisão. Aquela votação em plenário foi um dos momentos
mais infames da história brasileira. Envergonhou o Brasil diante de si
mesmo e perante o mundo.

A sistemática sabotagem do meu governo foi determinante para o
rompimento da normalidade institucional. Foi iniciada com pedidos de
recontagem de votos, dias após a eleição de 2014, e com um pedido de
impeachment, já em março, com apenas três meses de governo.

A construção do golpe se deu no Congresso, na mídia, em segmentos do
Judiciário e no mercado financeiro. Compartilhavam os interesses dos
derrotados nas urnas e agiam em sincronia para inviabilizar o governo.

O principal objetivo do golpe foi o enquadramento do Brasil na agenda
neoliberal, que, por quatro eleições presidenciais consecutivas havia
sido derrotada nas urnas. Para tanto, uma das primeiras ações dos
interessados no golpe foi a formação de uma oposição selvagem no
Congresso. Seu objetivo era impedir o governo recém-reeleito de
governar, criando uma grave crise fiscal. Para isto, lançaram mão de
pautas-bomba que aumentavam gastos e reduziam receitas. Impediam também,
de forma sistemática, a aprovação de projetos cruciais para a
estabilidade econômica do país. E, nos primeiros seis meses de governo,
apresentaram 15 pedidos de impeachment.

O ano de 2015 foi aquele em que ganhou corpo essa oposição que atuava na
base do “quanto pior, melhor”, e que, insensível para as graves
consequências da sua ação para com o povo e o país, inviabilizava a
própria realização de novos investimentos privados e públicos, ao impor
a instabilidade como norma. Uma crise política desta dimensão paralisou
e lançou o país na recessão.

Foi essa verdadeira sabotagem interna que tornou praticamente
impossível, naquele momento, atenuar sobre o Brasil os efeitos da crise
mundial caracterizada pela queda do preço das commodities, pela redução
do crescimento da China, pela disparada do dólar devido ao fim da
expansão monetária praticada pelos EUA e, aqui dentro, pelos efeitos da
seca sobre o custo da energia.

O golpe foi o episódio inaugural de um processo devastador que já dura
três anos. Teve, para seu desenlace e os atos subsequentes, a
estratégica contribuição do sistema punitivista de justiça, a Lava Jato,
que sob o argumento de alvejar a corrupção, feriu a Constituição de
1988, atingiu o Estado Democrático de Direito e impôs a justiça do
inimigo como regra.

A relação mídia-Lava Jato permitiu que a imprensa se transformasse na 4ª
instância do Judiciário, só tratando de condenar sem direito de defesa.
A lógica política dessa relação está focada na destruição e
criminalização do PT – em especial de Lula – e, para isso, utilizaram
vazamentos às vésperas das eleições, delações sem provas, desrespeito ao
devido processo legal e ao direito de defesa.

O efeito colateral dessa trama foi a destruição dos partidos do centro e
da centro-direita, que se curvaram à tentação golpista. Foi isso que
permitiu a limpeza do terreno partidário tão necessária para que
vicejasse a ultradireita bolsonarista, como uma planta solitária, na
eleição de 2018. No entanto, a arma final e decisiva foi a condenação, a
prisão e a interdição da candidatura de Lula à presidência a fim de
garantir a eleição de Bolsonaro. A ida do juiz Sérgio Moro para o
Ministério da Justiça é a constrangedora prova desse dispositivo.

Por isso, o que aconteceu há três anos explica e é causa do que está
acontecendo hoje. Há razões mais do que suficientes para que a história
registre o 17 de abril de 2016 como o dia da infâmia. Foi quando o
desastre se desencadeou; se desencadeou ao barrar os projetos dos
governos do PT que tinham elevado dezenas de milhões de pessoas pobres à
condição de cidadãos, com direitos e com acesso a serviços públicos, ao
trabalho formal, à renda, à educação para os filhos, a médico, casa
própria e remédios. Interromperam  programas estratégicos para a  defesa
da soberania e para o desenvolvimento nacional, projetos que colocaram o
Brasil entre as seis nações mais ricas do mundo e retiraram o país do
vergonhoso mapa da fome da ONU.

O golpe resultou numa calamidade econômica e social sem precedentes para
o Brasil e, em seguida, na eleição de Bolsonaro. Direitos históricos do
povo estão sendo aniquilados. Avanços civilizatórios alcançados no
período democrático que sucedeu à ditadura militar vão sendo
dilapidados. Conquistas fundamentais obtidas nos governos do PT passaram
a ser revogadas. Este processo radicalizou-se com um governo
agressivamente neoliberal na economia e perversamente ultraconservador
nos costumes. Um governo com uma inequívoca índole neofascista.

O governo Bolsonaro continua se apoiando na grande mentira midiática
fundamento do golpe: a de que o Brasil estava quebrado quando os
golpistas de Temer assumiram o governo. Esta falsificação dos fatos
continua sendo brandida pela mídia e usada maliciosamente para
justificar a recuperação que nunca veio e os empregos que não voltaram.
Nem vão vir, enquanto durar a agenda neoliberal. A verdade é que o
Brasil nunca esteve sequer perto de quebrar, durante o meu governo.

Um país só está quebrado quando não pode pagar seus débitos
internacionais. Isto, por exemplo, aconteceu no governo FHC, quando o
Brasil teve de apelar ao FMI para fazer frente ao seu endividamento
externo e sua  falta de reservas. Em 2005, o presidente Lula quitou
inteiramente a nossa dívida com o FMI e, depois disso, nossas reservas
cresceram, atingindo 380 bilhões de dólares e tornando-nos credores
internacionais.

Situação muito diferente do que acontece hoje, infelizmente, na
Argentina de Macri, submetida mais uma vez às absurdas exigências do FMI

A mídia, por sua vez, não parou de construir a lenda de que o governo
federal  estava quebrado e os gastos públicos descontrolados. Só faria
sentido dizer que o governo federal estava quebrado se não conseguisse
pagar suas próprias contas com tributos ou com a contratação de dívidas.
Isso não ocorreu no meu governo. O Brasil continuou a arrecadar tributos
e a emitir dívida, mantendo a capacidade de pagar suas próprias contas.

É bom lembrar que a dívida pública permaneceu em queda todos os anos,
desde 2003, e atingiu o menor patamar  histórico, no início de 2014,
antes do “quanto pior, melhor” dos tucanos e dos demais golpistas. Mas,
em 2015, a dívida pública subiu. Ainda assim, mesmo com o aumento, a
dívida permaneceu abaixo da registrada nas maiores economias
desenvolvidas e em desenvolvimento. O problema nunca foi  o tamanho da
dívida. Mas, sim, o seu custo, que permanece entre os mais altos do
mundo, em razão das taxas de juros e dos /spreads/ abusivos praticados
no Brasil, pelo sistema financeiro nacional. O que, aliás, explica seus
lucros estratosféricos, mesmo quando o país passa por uma crise.

A mídia insiste, até hoje, em dizer que o meu governo perdeu o controle
sobre os gastos, o que também não é verdade. O fato é que que a
arrecadação caiu mais rápido do que os gastos. Os gastos cresceram, mas
não em função do aumento da folha de salário dos funcionários, que
permaneceu constante. É importante ressaltar que o que cresceu foi o
valor das transferências sociais – como Bolsa Família e aposentadorias
–, o que cresceu foi a oferta de serviços aos cidadãos – em especial
saúde e educação. Todos esses dispêndios são fundamentais para resgatar
injustiças históricas, reduzir desigualdades sociais e desenvolver o país.

A verdade é que os gastos do governo nunca estiveram descontrolados. Ao
contrário, até caíram em termos reais. O que houve foi uma rápida
redução das receitas, devido à paralisia que um processo de impeachment
provoca nos investidores, que passaram a não ter segurança para criar
novos negócios, abrir novas plantas e ampliar investimentos, deprimindo
assim a economia e a arrecadação.

O governo Bolsonaro está ampliando um legado de retrocessos do governo
Temer, mantendo e até aprofundando a absurda emenda do teto dos gastos,
que reduz os investimentos em educação e na saúde; a reforma
trabalhista, que abriu portas para a exploração mais brutal e para a
leniência com o trabalho análogo à escravidão; a venda de blocos do
pré-sal; a redução do Bolsa Família; a extinção para os mais pobres do
Minha Casa Minha Vida e do Aqui Tem Farmácia Popular e a redução do Mais
Médicos; a destruição dos principais programas educacionais e a
dilapidação da Amazônia e do meio ambiente.

Culmina, agora, com a tentativa de  privatização (capitalização
individual) da previdência social, com a emenda 06, artigo 201—A, e a
retirada das regras da  previdência da Constituição, com o artigo 201, o
que permitiria mudanças legais, que não exigem três quintos do Congresso
para aprovação.  As mudanças que o governo quer fazer reforçam
privilégios de uns poucos e sacrificam os aposentados de baixa renda, as
mulheres, os trabalhadores rurais e urbanos, bem como aqueles que
recebem o BPC.

Do “quanto pior, melhor” à prisão de Lula, do dia 17 de abril de 2016 –
dia da  aceitação do impeachment pela Câmara, ao dia 7 de abril de 2018
– dia da prisão de Lula, o caminho para o Estado de exceção foi sendo
pavimentado e as mentiras e falsidades da mídia tiveram um papel
fundamental.

Mesmo os que se opõem a Lula mas prezam a democracia se constrangem com
o escândalo da sua prisão e condenação ilegal, e já perceberam que ele é
um prisioneiro político. Um inocente condenado sem crime, e por isso sem
provas.

Lula sintetiza a luta pela democracia em nosso país. Lutar por sua
liberdade plena significa enfrentar o aparato neofascista – militar,
judicial e midiático – que está destruindo a democracia. Lula é a voz da
resistência e carrega o  estandarte da luta democrática. Mesmo preso, é
o maior inimigo do neofascismo que nos ameaça.

Lula mostrou ao povo brasileiro, em cada gesto seu que se tornou
público, que é possível resistir mesmo nas piores condições. A sua força
moral nos fortalece, a sua garra nos anima, a sua integridade nos faz
lutar por sua liberdade, que representa também as liberdades
democráticas para todos os brasileiros.

In
BRASIL DE FATO
https://www.brasildefato.com.br/2019/04/17/o-golpe-de-2016-a-porta-para-o-desastre-por-dilma-rousseff/
17/4/2019

Nenhum comentário:

Postar um comentário