domingo, 14 de abril de 2019





  Sem socorro

Janio de Freitas
Folha de S. Paulo

    Iniciativa para difusão de assistência médica país afora, Mais
    Médicos definha

 
Atos que têm os efeitos de crimes, mas ficam para sempre impunes, são
comuns e nem sequer cobrados aos seus autores —muitos dos prefeitos,
governadores e, sobretudo, presidentes. Essa é uma das falhas que
comprometem a moralidade do regime democrático.

Um dos desatinos de Donald Trump, por exemplo, é a separação de filhos e
pais presos


por entrada ilegal nos Estados Unidos.

Tem causado mortes, transtornos psíquicos e males físicos em crianças
retidas nos abrigos desconhecidos pelos familiares, inclusive em áreas
desérticas, como já descoberto pela imprensa americana. Trump não é e
não se imagina que venha a ser cobrado, da maneira adequada, por tal
ação contra a vida de milhares de crianças



Um ato dessa equivalência criminal está produzindo seus efeitos,
imediatos e vitais, sobre parte da população brasileira. Por motivos
óbvios, o ato não teve a honra da inclusão, pela Presidência, no alegado
cumprimento de promessas para os cem e os sem dias do governo Bolsonaro.


Não se sabe, nem o governo sabe, a quanto soma a grande multidão dos que
têm morrido ou sofrido
porque lhes retiraram os médicos. Sem qualquer medida preventiva, sem
informação sobre as populações atingidas, sem se importar com as
consequências.

A *Folha* já relatou o desamparo médico em que caíram municípios
inteiros, mesmo no rico estado de São Paulo. O recente depoimento da
médica Ananda Conde

a Fabiano Maisonnave, também na *Folha*, é como um grito de desespero.
Em 15 dias na Amazônia, região de Maturacá, fez 190 atendimentos
clínicos, seis partos, exames de pré-natal, atendimentos de emergência
por mordidas de animais, acidentes, violência, alcoolismo.

Mas em dois meses no Mais Médicos, sua aspiração profissional, Ananda
decidiu desligar-se
,
por falta de tudo, inclusive de recebimento do salário. Uma informação
sua, como complemento: “Nos ianomâmi”, que ocupam extensa área, “todos
os 16 médicos eram cubanos, e foram embora”. Retirados por decisão
de Bolsonaro, pelo motivo só de serem cubanos.

Desde o início do programa Mais Médicos

viu-se o que se pressentia: médicos brasileiros, mesmo recém-formados,
não se interessavam por trabalhar no interior, ainda que em cidades ou
regiões aprazíveis. O programa jamais conseguiu preencher a quota de
brasileiros. Dos inscritos para substituir, com melhores condições, os
cubanos devolvidos, 15% nem se apresentaram nos postos designados. De lá
para cá, a substituição nunca se completou e a constante é o abandono.
Ao governo, ou não importa, ou quer que assim seja.

O ato irresponsável e perverso de Bolsonaro foi antecedido por medida
equivalente de Michel Temer. Em seus dois últimos anos no Planalto,
Temer cortou do programa Farmácia Popular
,
de remédios gratuitos e outros com desconto especial, o necessário para
o atendimento a 7 milhões de usuários. Um quarto dos registrados como
dependentes da ajuda para tratar-se.

Quem faça contra uma só pessoa algo caracterizável como privação de
socorro, está incurso no Código Penal e sujeito a pena de prisão.

Governantes movidos pelos motivos mais idiotas e torpes fazem o mesmo
contra milhões. Impunes, sob aplausos originários da imbecilidade e da
baixeza.

Primeira iniciativa verdadeira para difusão de assistência médica país
afora, o Mais Médicos definha. E milhões são outra vez deixados ao
padecimento físico e à morte evitável. A Michel Temer e Jair Bolsonaro
não adianta que lavem as mãos.


In
FOLHA DE S. PAULO
https://www1.folha.uol.com.br/colunas/janiodefreitas/2019/04/sem-socorro.shtml
14/4/2019

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