domingo, 20 de outubro de 2019

A greve como máquina para ver o mundo*




António Santos

Mesmo nos EUA de Trump a classe operária organiza-se e luta. 50 mil
trabalhadores da General Motors, em 48 fábricas de automóveis, em dez
estados dos EUA, entraram na quinta semana de greve. É a mais longa
greve da indústria desde 1970. As suas reivindicações são idênticas às
de todos os explorados do mundo: melhores salários, horários humanos,
contratos seguros.

50 mil trabalhadores da General Motors, em 48 fábricas de automóveis, em
dez estados dos EUA, entraram na quinta semana de greve. É a mais longa
greve da indústria desde 1970, quando os operários da GM paralisaram 67
dias, e não há sinais de que o fim esteja para breve.

Na segunda-feira, Adam Jonas, da agência financeira Morgan Stanley,
explicava à NBC que «os investidores da GM estão comprometidos e
preparados para prejuízos de milhares de milhões de dólares por causa da
greve (…) desde que mantenham a flexibilidade estratégica de custos a
longo prazo». Trocando por miúdos, a consciência de classe do patronato
é bastante para reconhecer que os seus interesses a longo prazo
significam muitas vezes sacrifícios a curto prazo.

É certo que os «sacrifícios» de que falava Adam Jonas não têm
consequências nas vidas dos patrões: nenhum dos milionários que
corajosamente enfrenta a greve terá de fazer contas para ver como vai
pagar a renda ou pedir dinheiro emprestado para aviar medicamentos na
farmácia. Já os trabalhadores têm vivido com 250 dólares semanais do
fundo de greve do seu sindicato, a UAW, e aguentado graças à
solidariedade de classe que se despertou à sua volta. Mas a greve teve
outro custo, subjectivo e imprevisível, talvez maior que todos os
outros, para o grande capital.

Segundo uma análise do Anderson Economic Group, 30 dias de greve
custaram aos 10 maiores investidores 1,5 mil milhões de dólares,
enquanto os trabalhadores perderam 624 milhões em salários. O que se
pode traduzir pelo seguinte silogismo lógico: se 50 mil operários juntos
ganham menos de metade do que 10 proverbiais «investidores» e se sem
esses 50 mil operários nem um cêntimo de riqueza é criada, a conclusão é
que há alguém que está a ser roubado.
É como se a greve levantasse o véu sobre a máquina do capitalismo,
deixando à vista dos proletários estado-unidenses, de 2019, as
engrenagens que Marx descobrira há 150 anos. E eis que a greve passa a
custar ao patronato muito mais do que 1,5 mil milhões: inspirados pela
luta da UAW, 3500 trabalhadores da Mack-Volvo na Pensilvânia, no
Maryland e na Florida começaram a primeira greve dos últimos 35 anos; há
dias, 2000 metalúrgicos da Asarco, no Texas, juntaram-se também à greve.

As suas reivindicações são as mesmas em Detroit, Matamoros ou Palmela:
melhores salários, horários humanos, contratos seguros. Os seus
interesses unem-nos a todos os proletários do mundo.

/*Este artigo foi publicado no “Avante!” nº 2394, 17.11.2019/

In
O DIÁRIO.INFO
https://www.odiario.info/a-greve-como-maquina-para-ver/
20/10/2019

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