domingo, 9 de maio de 2021

Jacarezinho: 'Só vejo isso no Brasil e em locais com guerra civil, como Síria e Afeganistão', diz coronel reformado da PM

 

 




José Vicente da Silva Filho, coronel reformado da PM-SP
José Vicente da Silva Filho, coronel reformado da PM-SP (Foto: Reprodução)


*Por Paulo Henrique Arantes, para o 247 - *Nem todo policial é desumano
e desconhecedor do seu real papel. O coronel reformado da PM paulista
José Vicente da Silva Filho é um policial nato, e justamente por amor à
carreira contesta a atuação da unidade de operação ostensiva fluminense
que matou 27 cidadãos no bairro no Jacarezinho na última quinta-feira
(6). Um policial também morreu no local, totalizando 28 mortos na ação
<https://www.brasil247.com/regionais/sudeste/policia-divulga-lista-de-28-mortos-em-jacarezinho-afirma-que-25-tinham-ficha-criminal-e-oab-contesta>.
A primeira contagem divulgada - pela OAB - havia sido de 25 mortos. A
Polícia Civil, responsável pela operação, só divulgou um número no dia
seguinte. Trata-se da maior chacina da história da cidade do Rio de
Janeiro
<https://www.brasil247.com/regionais/sudeste/chacina-do-jacarezinho-e-a-maior-da-historia-da-cidade-do-rio-e-a-segunda-maior-da-historia-do-estado>.

Silva Filho não entra no debate político sobre o motivo da ação
homicida, mas analisa, como estudioso do tema, os aspectos técnicos e
suas falhas de execução. Não foram poucas.

“O policial morreu logo no começo da operação, e aí já se sabe, pelos
hábitos da polícia do Rio de Janeiro, que haveria uma saraivada de
mortes do outro lado como resposta exemplar vingativa. Isso costuma
acontecer no Rio, conforme levantamento do Instituto Igarapé”, afirmou
Silva Filho ao *Brasil 247*. O estudo ao qual o coronel se referiu
mostra que a morte de um policial aumenta em 10 vezes, no mesmo dia, a
quantidade de homicídios no local de ação; e aumenta 4,5 vezes a
quantidade de homicídios na cidade no dia seguinte.

José Vicente da Silva Filho, ou Coronel José Vicente, como é chamado
pelos pares, foi secretário nacional de Segurança Pública (governo
Fernando Henrique Cardoso) e costuma reconhecer, com a mesma veemência,
erros e acertos da polícia. Graduado em Psicologia e mestre em
Psicologia Social pela USP, já prestou consultoria em segurança para o
Banco Mundial, a Febraban, a Fiesp e os governos de Pernambuco, Bahia,
Amazonas e Acre. Tem mais de 200 artigos publicados em veículos
especializados e na imprensa em geral.

Ele destaca que as ações que resultam em letalidade no Rio de Janeiro
vêm recrudescendo neste ano. Em 2020, foram nove operações com 31
mortos. Em 2021, já são 19 operações com 71 mortos.

“No caso Jacarezinho, a ação da Polícia Civil era destinada
exclusivamente a executar 21 mandados de prisão, principalmente de
criminosos que estavam arrecadando adolescentes para trabalhar para o
tráfico. Eles estavam investigando, e foram lá para prender essas
pessoas. Desses 21 mandados, acabaram cumprindo três”, nota Silva Filho.

Normalmente, o serviço de inteligência que antecede uma operação
policial deveria avaliar todo o potencial de reação à entrada dos
policiais no território, e o potencial de perigo não só para os
policiais, mas para os moradores que podem estar no meio do fogo cruzado.

“Se houve uma reação tão intensa, um tiroteio de mais de seis horas, é
porque avaliaram mal as possibilidades de reação dos criminosos à
entrada da polícia. Mesmo assim, eles foram com 250 homens de uma
unidade operacional de polícia ostensiva explícita, que é a chamada
Coordenadoria de Recursos Especiais (Core). Eles se vestem como
militares, usam armas militares, helicóptero militar, enfim, fazem um
trabalho que poderia ser feito pela PM e esse contingente poderia estar
fazendo investigação para cuidar do crime organizado, inclusive a
entrada de armas e drogas nas comunidades”, pondera o coronel reformado.

Silva Filho não ficou indignado apenas com a incompetência operacional
da polícia fluminense, mas também com o absoluto desconhecimento das
leis demonstrado por autoridades da Secretaria de Segurança Pública do
Rio de Janeiro, que de pronto alegaram que, afora o policial, todos os
mortos eram criminosos, ganhando eco nas palavras impróprias do
vice-presidente da República, General Hamilton Mourão, para quem “eram
todos bandidos”.

“Dizer pura e simplesmente que eles eram criminosos não justifica
matá-los, principalmente quando se sabe que muitos desses mortos não
representavam perigo nenhum. A polícia tem o compromisso legal de
observar as leis. Observar a lei significa atirar quando há uma situação
de legítima defesa, por isso policiais usam armas no mundo todo. No
Jacarezinho, houve um conjunto de mortes nunca visto no Brasil. Eu
confesso que nunca vi algo desse tipo em nenhum lugar do mundo todo - e
visitei muitos países estudando isso -, a não ser em locais de guerra
civil, como a Síria e o Afeganistão”, diz Silva Filho.

“Mesmo se fossem todos bandidos, não caberia à polícia matá-los - não
temos pena de morte. O Ministério Público do Rio de Janeiro tem a enorme
responsabilidade de investigar, acompanhar as perícias, ouvir todas as
testemunhas que viram as ações policiais”, finaliza.

In
BRASIL 247
https://www.brasil247.com/regionais/sudeste/jacarezinho-so-vejo-isso-no-brasil-e-em-locais-com-guerra-civil-como-siria-e-afeganistao-diz-coronel-reformado-da-pm
8/5/2021

Nenhum comentário:

Postar um comentário