sexta-feira, 7 de maio de 2021

Os aliados destroem a resistência antifascista, a falhada tentativa de Stáline alinhar com o Ocidente

 

   
*Shane Quinn * *

    Por razões históricas, é importante reconhecer que o soviético
    Joseph Stáline fez aberturas firmes à Grã-Bretanha e à França nos 18
    meses anteriores ao início da Segunda Guerra Mundial. Menos de uma
    semana após a anexação forçada da Áustria por Hitler, que inquietou
    o Kremlin, mas teve a aquiescência do Ocidente, em 18 de março de
    1938, Stáline propôs que a Grã-Bretanha e a França se unissem à URSS
    numa conferência para reforçar a segurança coletiva. Esta oferta,
    potencial precursora de uma aliança franco-britânica-russa contra
    Hitler, foi rejeitada.

 
Apesar das declarações de guerra franco-britânicas à Alemanha, em 3 de
setembro de 1939, os governos britânico e francês esperavam que os seus
exércitos não tivessem então de entrar em combate contra as forças
alemãs.  Estava, desde muito cedo, escrito nas estrelas, que nem a
Grã-Bretanha nem a França fariam algo de significativo para ajudarem o
seu aliado nominal, a Polónia.

Isto não foi de todo surpreendente, pois, no ano anterior, as potências
ocidentais participaram na divisão da Checoslováquia, descrita pelo
primeiro-ministro britânico, Neville Chamberlain, como “/um país
distante/” pelo qual não vale a pena lutar. Chamberlain tinha
sentimentos semelhantes em relação à Polónia, que, afinal, compartilhava
uma fronteira sul com a Checoslováquia.

Tentando mais uma vez apaziguar o insaciável Hitler, os governos
anglo-franceses fizeram o seu melhor para arrancar concessões da
Polónia, como anteriormente haviam feito com os checos [1]. Varsóvia
recusou. Só então a Grã-Bretanha e a França declararam com relutância,
em 25 de agosto de 1939, a sua disposição para lutar, o que, de qualquer
modo, foi um gesto cerimonioso, como a Polónia cedo descobriria. O
sincero parlamentar conservador, Robert Boothby, disse numa entrevista:
“/Fomos à guerra pela defesa da Polónia. No terreno, não fizemos nada
para ajudar a Polónia. Nunca levantámos um dedo/” [2].

Por razões históricas, é importante reconhecer que o soviético Joseph
Stáline fez aberturas firmes à Grã-Bretanha e à França nos 18 meses
anteriores ao início da Segunda Guerra Mundial. Menos de uma semana após
a anexação forçada da Áustria por Hitler, que inquietou o Kremlin, mas
teve a aquiescência do Ocidente, em 18 de março de 1938, Stáline propôs
que a Grã-Bretanha e a França se unissem à URSS numa conferência para
reforçar a segurança coletiva [3]. Esta oferta, potencial precursora de
uma aliança franco-britânica-russa contra Hitler, foi
rejeitada. Chamberlain queria prosseguir com a sua estratégia de
apaziguamento, enquanto a França cambaleava de uma crise política para
outra.

Seis meses depois, em 30 de setembro de 1938, os russos foram
notoriamente desprezados quando não receberam nenhum convite para
participar na Conferência de Munique, através da qual os governos
anglo-franceses colaboraram com as ditaduras fascistas da Alemanha e da
Itália, traindo a Checoslováquia. Os checos perderam 11.000 milhas
quadradas de território, incluindo os distritos bem fortificados do
país, ao longo das suas fronteiras ocidentais. Nem os diplomatas checos
foram convidados para a Conferência de Munique, pois Hitler recebeu tudo
o que desejava.

Algumas semanas após a ocupação de toda a Checoslováquia pela Wehrmacht
[forças armadas da Alemanha nazi: exército, marinha de guerra e força
aérea – NT], em março de 1939, e apesar das crescentes dúvidas sobre as
intenções do Ocidente, Stáline abordou novamente as potências
franco-britânicas. Em 16 de abril de 1939, apresentou uma proposta
formal: um pacto militar das três potências com o óbvio objetivo de
impedir a agressão nazi [4]. A proposta diplomática de Stáline refletia
o acordo em vigor antes da Primeira Guerra Mundial, no qual a
Grã-Bretanha, a França e a Rússia estavam unidas numa aliança dirigida
contra os impérios alemão e austro-húngaro. Se a abordagem de Stáline
tivesse sido aceite, ela poderia, só por si, ter mudado o curso da
história – pois, em caso de conflito, tal união teria assegurado, desde
o início, que Hitler enfrentasse uma guerra de pesadelo em duas frentes.

Contudo, esta última oferta soviética de aliança com o Ocidente foi
rejeitada, com os britânicos, em particular, a tratar Moscovo com
indiferença. Fortes sentimentos antibolcheviques espalharam-se entre os
conservadores no governo britânico e o próprio Chamberlain. Três semanas
antes da proposta de Stáline, Chamberlain escreveu à sua irmã Ida, em 26
de março de 1939, declarando que: “/Devo confessar a mais profunda
desconfiança da Rússia. Não acredito de todo na sua capacidade de manter
uma ofensiva eficaz, mesmo se ela o quisesse. E desconfio dos seus
motivos, que me parecem pouco vinculados às nossas ideias de liberdade e
pretendem apenas conseguir o apoio de  todos os outros/ ” [5].

As suspeitas russas pareciam confirmar-se – as democracias ocidentais
ficariam felizes em ver a União Soviética e a Alemanha nazi em guerra,
uma contra a outra. Chamberlain concordou em enviar uma missão
diplomática ao Kremlin, em 27 de maio de 1939, para negociar um modesto
tratado de assistência mútua com a Rússia. Em vez de a missão britânica
ser chefiada por uma figura com autoridade, como Lord Halifax ou Anthony
Eden, Chamberlain escolheu um desconhecido funcionário do Ministério dos
Negócios Estrangeiros, chamado William Strang. Além disso, Strang era um
fervoroso antibolchevique e um membro secreto da Associação pró-nazi
anglo-alemã.

Os soviéticos consideraram a chegada de Strang como um insulto
calculado, que era intencional. Os britânicos concordaram em entrar em
conversações militares com Moscovo, em 20 de julho de 1939, mas isso não
passou de um gesto despreocupado que não levou a lado nenhum. Em vez de
voar diretamente de Londres para a capital russa, o que levaria algumas
horas, a missão britânica viajou num lento barco de carga, que acabou
por chegar seis dias depois [6].

Esta evidência, que é indiscutível e já foi documentada por
historiadores, mostra que Stáline preferia alinhar-se com a Grã-Bretanha
e a França, em vez da Alemanha nazi. Tendo sido posto de lado, foi
compelido a voltar-se decididamente para Hitler e, em 23 de agosto de
1939, foi concluído o Pacto de Não-Agressão germano-soviético. Oitenta
anos depois do início das hostilidades, a EU, em setembro de 2019,
aprovou uma resolução no Parlamento Europeu – por meio da qual atribuiu
toda a culpa aos soviéticos e nazis por terem “/aberto o caminho para a
eclosão da Segunda Guerra Mundial/” e, ironicamente, refere-se a
“/distorção de factos históricos/” [7]. Não há sequer uma menção na
resolução da UE às repetidas tentativas de Stáline de formar uma nova
tripla entente com o Ocidente, e que teria cercado Hitler.

As potências ocidentais, na realidade, deveriam compartilhar a culpa
pela eclosão da guerra. Além disso, a ditadura nazi poderia ter sido
destruída a qualquer momento pela França e a Grã-Bretanha, entre 1933 e
1938, quando Hitler estava vulnerável e as suas forças militares eram
escassas. Ainda em setembro de 1938, o Estado-Maior alemão dizia sem
rodeios a Hitler que a Wehrmacht ainda não era suficientemente forte
para travar uma guerra europeia. No entanto, o Ocidente não queria
derrubar Hitler em particular, com a Grã-Bretanha a ter profundos laços
financeiros com o regime nazi, já que, no final dos anos 1930, o
Terceiro Reich era o principal cliente comercial de Londres [8].

Os britânicos e franceses foram os grandes responsáveis ​​pela “/Falsa
Guerra/” que se seguiu a setembro de 1939, durante a qual o desejo
predominante permaneceu o mesmo: que, com a derrota da Polónia, o
próximo movimento de Hitler fosse de novo para o leste, com um ataque à
URSS, deixando intocada a Europa ocidental. O parlamentar conservador
Boothby lembrou, uns meses após a invasão alemã da Polónia: “/Limitámos
os nossos esforços de guerra a jogar panfletos sobre o povo alemão,
dizendo-lhes que era uma má ideia ir para a guerra e era uma pena que
tivessem feito isso. E que talvez possamos fazer as pazes/”.

No período da Falsa Guerra, executivos de negócios americanos como James
D. Mooney – encarregado das operações da General Motors no exterior,
inclusive na Alemanha nazi – tentaram persuadir britânicos e alemães a
resolverem o seu conflito, na esperança de empurrar Hitler para a
invasão da Rússia Soviética. Mooney, que conheceu veteranos nazis no
passado e recebeu uma condecoração de Hitler, viu o ditador, novamente,
em março de 1940.

Mooney fez-lhe um pedido para preservar a paz na Europa
Ocidental. Informou ainda Hitler de que “/os americanos entendiam o
ponto de vista da Alemanha em relação à questão do espaço vital/”
[9]. Isso significava que Washington não teria problemas caso a Alemanha
decidisse expandir-se para o leste. Joseph Kennedy, o embaixador dos
Estados Unidos na Grã-Bretanha e pai de John F. Kennedy, também se
esforçou por persuadir Berlim e Londres a resolverem as suas
diferenças. Estas tentativas falharam, pois os alemães atacaram o oeste
no início do verão de 1940, garantindo uma série rotineira de vitórias
militares.

Quando os EUA entraram na guerra, em dezembro de 1941, contra os Estados
do Eixo, prevaleciam sentimentos contraditórios em Washington
[10]. Havia pouca indecisão em lutar contra os odiados japoneses, mas
havia desconforto na capital dos EUA pela sua união com a URSS, um
inimigo ideológico. Este mal-estar crescia à medida que a guerra se
arrastava. A liderança Aliada também ficaria desconcertada com o poder
conquistado em grande parte do mundo pela Resistência antifascista, que,
frequentemente, continha atitudes amigas dos trabalhadores
democrático-radicais. Os esforços liderados pelos EUA para desmantelar a
Resistência e outras fações esquerdistas, enquanto reinstituíam a
hierarquia negocial capitalista, tornar-se-iam uma operação global,
ganhando intensidade a partir de meados da década de 1940. Incluía o
emprego de notórios nazis e simpatizantes fascistas.

Já no final de 1942 – quando os Aliados capturaram o seu primeiro pedaço
de território sob controle alemão, no norte da África – o governo de
Franklin Roosevelt, com o apoio de Churchill, nomeou um proeminente
colaborador fascista, o almirante François Darlan, para assumir o
comando daquela extensa região [11]. Esta decisão enfureceu a
Resistência Francesa e o General Charles de Gaulle, que denunciou Darlan
dizendo “/Pode comprar traidores, mas não a honra da França/”.

A partir de julho de 1943, com as forças aliadas a desembarcar no
extremo sul da Itália, o Departamento de Estado e o Secretário da Guerra
dos EUA, Henry Stimson, procuraram levar ao poder Dino Grandi, o
político italiano de extrema-direita. Grandi, ex-alto funcionário da
ditadura de Mussolini, foi descrito como um “/moderado/” pelo
Departamento de Estado, alguém que foi empurrado para o fascismo “/pelos
excessos dos comunistas/”. O apoio dos EUA aos fascistas italianos
estava a recomeçar a partir do ponto onde ficou nas décadas de 1920 e
1930, quando Mussolini desfrutou de uma amizade ininterrupta, que só
terminou quando o Duce se aliou a Hitler, em 1940.

Churchill escreveu ao presidente Roosevelt, em 31 de julho de 1943, a
dizer que a principal consideração ao libertar a Itália era prevenir “/o
caos, a bolchevização ou a guerra civil/”. Churchill advertiu que nada
se interpunha “/entre o rei e os patriotas que se uniram em torno dele/”
e o “/bolchevismo desenfreado/”. Os Aliados apoiaram o rei italiano, que
colaborou plenamente com Mussolini durante o governo deste
[12]. Washington e Londres instalaram a ditadura de direita do Marechal
de campo Pietro Badoglio, um herói de guerra fascista. À medida que
aumentavam as tensões dos EUA e da Grã-Bretanha com Moscovo, o governo
de Churchill viu Badoglio como um baluarte contra a ameaça comunista em
Itália.

Um grande problema do ponto de vista britânico-americano foi, de facto,
o surgimento da Resistência antifascista, que conquistou legitimidade e
influência junto do comum dos cidadãos. A Resistência estava a tentar
resolver os problemas da classe operária, dos necessitados e de outras
vítimas da guerra. Estas políticas foram vistas com receio pelos
governos anglo-saxões e pelas grandes empresas, interesses antilaborais
que eles tantas vezes representam.

À medida que os exércitos aliados continuaram a avançar lentamente para
o norte da Itália, em 1944, começaram a dispersar os elementos
antifascistas e a minar as forças populares nas quais tiveram a sua base
[13]. A liderança aliada ficou chocada ao descobrir que a Resistência
italiana havia formado um sistema social, por meio do qual os próprios
trabalhadores dirigiam as suas próprias fábricas, sem chefes a
supervisioná-los dentro do método capitalista.

Os /partisans/ [membros de uma tropa irregular formada para se opor
à ocupação e ao controle estrangeiro – NT] da Itália, que também lutaram
bravamente contra seis divisões alemãs, não conseguiram evitar que os
EUA restaurassem a estrutura essencial do antigo regime de
Mussolini. Fascistas e colaboradores regressaram ao poder e à
proeminência. O objetivo era preservar a tradicional ordem mundial
conservadora, agora sob o domínio americano. Além disso, envolvia a
subordinação da classe operária e dos pobres ao domínio dos negócios,
para garantir que eles suportariam os custos relativos à reconstrução e
recuperação. Nos estudos convencionais, essas ações são geralmente
consideradas como esforços dos EUA para restabelecer a “/democracia/” e
a “/liberdade/” na Europa e no mundo.

A literatura da contrainsurgência do Exército americano começa com uma
visão geral da experiência da Wehrmacht na Europa; e foi escrita com a
cooperação de oficiais nazis. Grande parte desses manuais foi buscar o
ponto de vista alemão, sobre quais estratégias funcionaram melhor contra
a Resistência. Com poucas alterações, as táticas empregadas pela
Wehrmacht e as SS foram absorvidas pela contrainsurgência militar dos
Estados Unidos.

Houve uma operação envolvendo o Vaticano, o Departamento de Estado dos
EUA e a secreta britânica, que reuniu criminosos de guerra nazis, como
Klaus Barbie e Reinhard Gehlen, juntamente com antigos associados de
Adolf Eichmann, um líder perpetrador do Holocausto e, também, muitos
outros ex-oficiais das SS, Wehrmacht e Gestapo [14]. Depois de os
organizar em unidades coesas, os americanos devolveram-nos para
trabalhar contra a Resistência, primeiro na Europa e, mais tarde, nos
estados policiais da América Latina apoiados pelos EUA.

Barbie, um ex-chefe da Gestapo apelidado de “/o carniceiro de Lyon/”,
era especialmente procurado devido à gravidade dos seus crimes, na
França ocupada pelos nazis. Quando os seus empregadores americanos
começaram a receber críticas por terem contratado Barbie, em 1947, eles
lutaram para compreender qual era o problema. O Exército dos EUA havia
assumido o controle dos alemães e precisavam de alguém que fosse
especialista em atacar as forças antifascistas. Eugene Kolb, um coronel
aposentado do Corpo de Contraespionagem do Exército dos EUA, disse que
as “/habilidades de Barbie eram extremamente necessárias/” porque “/As
suas atividades tinham sido dirigidas contra o clandestino Partido
Comunista Francês e a Resistência/”. Kolb continuou: “/Não tivemos
grandes problemas de consciência/” [15].

Quando Barbie não pôde mais ser protegido pelos seus patrões dos EUA,
foi transferido para as /ratlines/ [sistemas de fuga para nazis e
outros fascistas no final da Segunda Guerra Mundial – NT] do Vaticano,
no início dos anos 1950, onde padres fascistas lhe garantiram passagem
segura para a Bolívia. Uma série de nazis escapou da captura e chegou à
América do Sul e a outros lugares através das /ratlines/ do Vaticano,
tais como os assassinos psicopatas Eichmann, Josef Mengele, Gustav
Wagner e Walter Rauff. A última figura, o coronel das SS Rauff, criou as
primeiras câmaras de gás usadas no Holocausto.

Rauff, em momentos distintos, trabalhou para o serviço de inteligência
da Alemanha Ocidental (sob os auspícios dos EUA) e, estranhamente, para
a agência de Israel, a Mossad. Ele foi pessoalmente responsável por,
pelo menos, 97.000 mortes durante a guerra. Rauff foi ajudado na sua
fuga para a América do Sul pelas autoridades dos EUA [16].

Outros nazis receberam refúgio na Espanha fascista, onde Mussolini
também estava perto de o garantir, antes de ser capturado pelos
/partisans /italianos à última hora. O ex-salvador de Mussolini, de
1943, o comando SS Otto Skorzeny, acabou na Espanha, tendo sido
autorizado a “/escapar/” do cativeiro, ao que parece pelos americanos,
em 1948. Skorzeny, que, ao contrário dos citados nazis, não era um
sádico, seria, entre outras coisas, empregado como conselheiro militar
pelos governos do Egito e da Argentina; também trabalhou para a agência
Mossad, apesar das suas convicções fascistas. Numa misteriosa existência
pós-1945, Skorzeny – que tivera uma relação próxima com Hitler – foi
visto nos lugares mais improváveis, desde a fumar casualmente num café
parisiense, nos Champs-Élysées, até adquirir uma quinta na Irlanda
rural, onde cuidava da sua terra.

Na França, em meados de 1944, após a queda do regime de Vichy, as
dificuldades públicas foram exploradas pelas forças dos EUA para
prejudicar a mão de obra francesa. Apoiada por Washington, a Federação
Americana do Trabalho (AFL) desmantelou greves nas docas, enviando
fura-greves italianos financiados por dinheiro corporativo dos
EUA. Suprimentos alimentares extremamente necessários foram negados aos
civis franceses, a fim de impor a obediência. Gangsteres foram
organizados para formar esquadrões de capangas e fura-greves, cujos
resultados foram mais tarde descritos com algum orgulho em histórias do
trabalho quase oficiais dos EUA, que elogiam a AFL pelos seus esforços
para desestabilizar o movimento laboral da Europa [17].

Os líderes laborais dos EUA, principalmente os da AFL, persuadiram os
trabalhadores a aceitar medidas de austeridade, enquanto os patrões
acumulavam lucros. O Departamento de Estado dos EUA compeliu a liderança
da AFL a direcionar parte das suas energias para a luta contra os
sindicatos na Itália, o que fizeram com gosto. As classes empresariais,
tendo caído no descrédito do público, por terem trabalhado em intimidade
com os fascistas, foram tranquilizadas com o apoio que lhes foi
concedido por Washington.

Com a confiança restaurada, os setores empresariais travaram uma
rigorosa guerra de classes, cujo resultado final foi a reinstalação da
estrutura de poder conservadora. Enquanto enfraqueciam os movimentos
laborais da Europa, a AFL protegia ainda mais o envio de armamentos para
a Indochina Francesa, a fim de garantir que a região permanecesse sob o
controle imperial, outro objetivo principal da burocracia laboral dos
EUA. A CIA reorganizou a Mafia para ajudar nos negócios de armas, em
troca do recomeço do comércio de heroína. Os vínculos do governo dos EUA
com a indústria da droga continuaram durante décadas [18].

O Plano Marshall da administração Harry Truman – que consistia em
esforços de grande escala para reforçar a supremacia empresarial
capitalista na Europa – baseava-se estritamente na exclusão de
comunistas e outros esquerdistas do poder, incluindo extensos segmentos
da Resistência antifascista e do mundo laboral [19]. Os programas
económicos, como o Plano Marshall, garantiram a Washington uma
influência significativa na direção dos assuntos europeus. Essa era a
sua intenção desde o início, já que o Plano Marshall servia, além disso,
para atribuir importantes subsídios aos exportadores de recursos
naturais e produtos manufaturados dos EUA.

Em 12 de maio de 1947, Jefferson Caffery, o embaixador dos EUA na
França, informou o secretário de Estado George Marshall que haveria
sérias repercussões se os comunistas ganhassem eleições em
França. Caffery sentia, nesse cenário, que “/a penetração soviética na
Europa Ocidental, África, Mediterrâneo e Médio Oriente seria muito
facilitada/”. Também em maio de 1947, o governo Truman pressionou os
líderes políticos da França e da Itália para formarem governos de
coligação, a fim de congelar os comunistas [20]. O secretário de Estado
Marshall advertiu publicamente que, se os políticos comunistas fossem
eleitos para o poder, a ajuda americana terminaria, uma ameaça
considerável naquelas circunstâncias.

A generalizada propaganda dos EUA na Itália designava o Partido
Comunista como “/extremista/” e “/antidemocrático/”, enquanto a suposta
ameaça soviética foi cuidadosamente elaborada para assustar os
italianos. O Partido Democrata Cristão da Itália, sob pressão dos EUA,
renegou as promessas feitas durante a guerra relativas à democracia nos
locais de trabalho. A polícia italiana, às vezes sob o controle de
ex-fascistas, foi incentivada a reprimir as atividades laborais.

O Vaticano, que se tinha aliado a Mussolini durante duas décadas,
anunciou que quem votasse nos comunistas, nas eleições de 1948, teria os
sacramentos negados. O Vaticano apoiou os conservadores
democratas-cristãos, sob o slogan “/Ou com Cristo ou contra Cristo/”. No
ano seguinte, 1949, o Papa Pio XII excomungou todos os comunistas
italianos. A intervenção da CIA, através da propaganda, violência e
manipulação da ajuda, comprou efetivamente as críticas eleições
italianas de 1948; nas quais o Partido Democrata Cristão, liderado pelo
ex-bibliotecário do Vaticano Alcide de Gasperi, obteve uma grande
vitória quando os comunistas foram excluídos do cargo. De Gasperi, um
“/pai fundador/” da UE, havia defendido a Igreja alemã em 1937, dizendo
que estava certo favorecer o nazismo, ao invés do bolchevismo [21].

O esforço da CIA para controlar as eleições da Itália foi a primeira
grande operação clandestina da agência de espionagem. As atividades da
CIA na Itália continuariam pela década de 1970, enquanto a democracia do
país foi fortemente erodida. Esta informação está no domínio público
desde 1976, graças à abertura do relatório Pike, do Congresso, que
detalhou a interferência da CIA nos assuntos italianos.

Na Grécia, quando a Wehrmacht foi finalmente expulsa, no outono de 1944,
os soldados britânicos substituíram-na, simplesmente invadindo o país,
em vez de deixar que a Resistência Grega dele tomasse posse. Sem alemães
à vista, em dezembro de 1944, Churchill ordenou aos seus homens que
tratassem Atenas como uma “/cidade conquistada/” e sufocassem as forças
antifascistas, se necessário, com “/derramamento de sangue/” [22]. Os
britânicos encontraram uma forte presença antifascista na Grécia,
composta por camponeses e trabalhadores liderados por comunistas.

As forças da Grã-Bretanha foram inicialmente capazes de frustrar a
Resistência Grega pela violência, enquanto restauravam as fações
monárquica e de colaboradores nazis no poder. Surgiu então uma renovada
oposição armada que Londres foi incapaz de controlar. No início de 1947,
eles entregaram a tarefa de pacificar a Grécia aos americanos, que a
prosseguiram com fanatismo. Esta foi a base para a Doutrina Truman, um
princípio central que consistia em eliminar a resistência na Grécia e em
qualquer outro lugar, sob o pretexto de conter a URSS. Outra preocupação
do Ocidente em relação à Grécia e à Itália, que são Estados
mediterrâneos, estava relacionada com o embarque de matérias-primas do
Médio Oriente com destino ao Ocidente.

O diplomata norte-americano Adlai Stevenson explicou mais tarde que
Washington tinha de proteger a Grécia dos “/agressores/” que “/tinham
conquistado o controle da maior parte do país/” [23]. Os agressores
seriam aqueles que estoicamente lideraram a luta contra as tropas de Hitler.

Os americanos estavam comprometidos com a violência estatal, a tortura e
a repressão, que incluiu a prisão sem julgamento de dezenas de milhares
de gregos em campos de concentração. Londres, para ser justo, opôs-se a
algumas dessas ações com um oficial britânico a dizer, desde muito cedo,
que era “/insensato/” arrebanhar 14.000 pessoas e interná-las sem
julgamento em campos de concentração insulares [24]. O embaixador dos
EUA, Lincoln MacVeagh, disse que o governo grego “/tinha de lançar a sua
rede com amplitude para prender as pessoas certas/”, que ele calculou em
cerca de “/uma dúzia de homens-chave/”.

Uma vez presos, os detidos eram sujeitos a “/redoutrinação/”, se “/fosse
considerado que tinham filiações que colocassem sérias dúvidas sobre a
sua lealdade ao Estado/”, nas palavras da Missão Americana de Ajuda à
Grécia. Noutros lugares, foram criados “/campos de reeducação/” aliados,
onde centenas de milhares de prisioneiros de guerra alemães e italianos
estiveram detidos, de 1945 a 1948. Foram expostos à propaganda,
trabalhos forçados e severos maus-tratos, incluindo execuções em massa.

O encarregado de negócios dos EUA, Karl Rankin, enfatizou, em maio de
1948, que não deveria haver “/qualquer indulgência para com os agentes
confirmados de uma influência estrangeira e subversiva/”. Rankin
adiantou que as execuções eram legítimas, porque mesmo que os presos
políticos, quando foram presos, não fossem “/endurecidos comunistas, é
improvável que tivessem sido capazes de resistir à influência das
organizações de doutrinação comunistas existentes dentro da maioria das
prisões/” [25]. Muitas destas coisas foram esquecidas, recebendo poucas
menções quando instituições ocidentais condenam as políticas de Pequim
na província de Xinjiang que, pode acrescentar-se, está dentro das
fronteiras internacionalmente reconhecidas da China.

O apoio dos EUA ao terrorismo de Estado na Grécia continuou por muitos
anos, culminando no seu apoio ao golpe militar fascista de 1967 em
Atenas. Mais tarde, o presidente Bill Clinton reconheceu indiretamente a
interferência dos EUA nos assuntos gregos, enquanto, ao mesmo tempo,
clamava que a “/obrigação/” de Washington era “/apoiar a democracia/”
durante a Guerra Fria [26]. O golpe da extrema-direita foi elogiado na
altura por trazer amplas oportunidades para o investimento empresarial
dos Estados Unidos.

Na Coreia, no final da década de 1940, as forças americanas dissiparam o
governo popular local e instituíram uma severa repressão, recorrendo à
polícia japonesa e a outros colaboradores. Antes do que é conhecido como
Guerra da Coreia, entre 1948 e 1949, cerca de 100.000 pessoas foram
mortas na Coreia do Sul por forças de segurança instaladas e apoiadas
por Washington [27]. A luta na península coreana foi entre um movimento
nacionalista anticolonial e uma ordem conservadora ligada ao /status
quo/, apoiada pelos EUA.

O governo Truman deu início a uma série de golpes militares na
Tailândia, em meados da década de 1940, um país ao qual os americanos
prestariam especial atenção. A subversão dos EUA na Tailândia permitiu o
retorno ao poder, no início de 1948, do Marechal de Campo Phibun
Songkhram, um ex-ditador de extrema-direita pró-japonês que admirava
Hitler e Mussolini e copiou alguns dos seus comportamentos, como a
saudação fascista. Washington concordou com o isolamento de Pridi
Banomyong, líder do Movimento Tailandês Livre, que tinha cooperado com
os Aliados durante a guerra. Pridi era a figura liberal democrática mais
proeminente na Tailândia, mas as suas convicções políticas eram agora
vistas com desconfiança no Ocidente e, com os japoneses derrotados, ele
não tinha mais qualquer utilidade.

O especialista da CIA na Tailândia, Frank Darling, observou que o
Marechal de Campo Songkhram foi “/o primeiro ditador pró-Eixo a ganhar o
poder depois da guerra/”. Em 1954, o Conselho de Segurança Nacional dos
EUA, sob o presidente Dwight D. Eisenhower, reiterou que a Tailândia
deveria ser estabelecida como “/o ponto focal das operações secretas e
psicológicas dos EUA no sudeste da Ásia/”, com o objetivo declarado de
“/dificultar o controle pelo Viet Minh do Vietname do Norte/”
[28]. Eisenhower, um general experiente que tinha criticado publicamente
o andamento da guerra, não concordava com ataques militares
diretos; mas, ao contrário de Roosevelt, Eisenhower não podia continuar
como presidente indefinidamente e, depois de deixar o cargo, em 1961, a
Tailândia serviu como base central de planeamento para as invasões
americanas do Vietname e, posteriormente, do Camboja e do Laos.

*Notas*

[1] Donald J. Goodspeed,  /The German Wars/ [As Guerras Alemãs](/Random
House Value Publishing/, 2ª edição, 3 de abril de 1985), p. 326.

[2] Paul Beston, “/The Great Documentary, The World at War, a 1973
series/” [O Grande Documentário, O Mundo em Guerra, série de 1973], City
Journal , Primavera de 2016.

[3]  /Goodspeed, The German Wars/, p. 315.

[4] Ibidem, p. 323.

[5] John Simkin, “/Nazi-Soviet Pact/” [Pacto
Germano-Soviético], Spartacus International , setembro de 1997
(atualizado em janeiro de 2020).

[6] /Goodspeed, The German Wars/, p. 324.

[7] Parlamento Europeu, “/Importance of European remembrance for the
future of Europe/” [Importância da lembrança europeia para o futuro da
Europa], 19 de setembro de 2019.

[8] Guido Giacomo Preparata, /Conjuring Hitler: How Britain and America
Made the Third Reich/ [Invocando Hitler: Como a Grã-Bretanha e a
Américafizeram o TNerceiro Reich] (Pluto Press; Edição ilustrada, 20 de
maio de 2005), p. 224.

[9] Jacques R. Pauwels, “/Profits über Alles! American Corporations and
Hitler/” [Os lucros acima de tudo: as corporações americanas e
Hitler], Global Research , 7 de junho de 2019.

[10] Noam Chomsky, /Hegemony or Survival: America's Quest for Global
Dominance/  [Hegemonia ou sobrevivência: América procura o domínio
global](Penguin, 1 de janeiro de 2004), p. 69.

[11] Noam Chomsky, /Deterring Democracy/ (Vintage, Nova edição, 3 de
janeiro de 2006), p. 42.

[12] Ibid.

[13] Noam Chomsky, /Optimism over Despair/ (Penguin; 1ª edição, 27 de
julho de 2017), p. 141.

[14] Biblioteca Virtual Judaica, “/Política dos EUA durante a Segunda
Guerra Mundial: Os criminosos de guerra da CIA & Nazis/”, (atualizado em
fevereiro de 2005).

[15] Noam Chomsky, /How The World Works/ (Hamish Hamilton; edição de
reimpressão, 3 de maio de 2012), /The Main Goals of US Foreign Policy/.

[16] Ibid., /Antecedentes históricos, Como os nazistas venceram a guerra/.

[17] Chomsky, /Optimism over Despair/, p. 141.

[18] Ibid.

[19] Ibidem, p. 140.

[20] Ibidem, p. 141.

[21] Paul Ginsborg, /A History of Contemporary Italy: 1943-80/ (Penguin;
Reprint edition, 27 de setembro de 1990), Capítulo 2, /Resistance and
Liberation/.

[22] Fraser J. Harbutt, /Yalta 1945: Europe and America at the
Crossroads/ (Cambridge University Press; 1ª edição, 1 de maio de 2014),
p. 199.

[23] /The Pentagon Papers/, Gravel Edition, Volume 3, pp. 715-716, “/EUA
solicitam a patrulha de Fronteira para Ajudar a Prevenir Incidentes nas
Fronteiras entre o Camboja e o Vietname/”, Declaração de Adlai Stevenson
ao Conselho de Segurança , 21 de maio de 1964.

[24] Noam Chomsky, /The Chomsky Reader/ (editado por James Peck,
Serpent's Tail; Edição principal, 1 de junho de 1988) p. 213.

[25] Ibid.

[26] James Gerstenzang e Richard Boudreaux, “/Clinton Says US Regrets
Aid to Junta in Cold War/”, Los Angeles Times , 21 de novembro de 1999.

[27] Chomsky, /Optimism over Despair/, p. 138.

[28] Douglas Allen, Ngo Vinh Long, /Coming to Terms: Indochina, the
United States, and the War/ (publicado pela primeira vez em 1991, pela
Westview Press, publicado em 2018 pela Routledge) Capítulo 4, Longe de
uma Aberração.

* *Shane Quinn* obteve um diploma com distinção em
jornalismo. Interessa-se e escreve principalmente sobre matérias de
negócios estrangeiros. É um colaborador frequente da /Global Research/ e
do /Morning Star/.

*Fonte*:
https://orinocotribune.com/allies-destroy-anti-fascist-resistance-stalins-failed-bid-to-align-with-the-west/
<https://orinocotribune.com/allies-destroy-anti-fascist-resistance-stalins-failed-bid-to-align-with-the-west/>,
publicado em 2021/02/26, acedido em 2021/03/23

Tradução do inglês de PAT

In
PELO SOCIALISMO
https://pelosocialismo.blogs.sapo.pt/os-aliados-destroem-a-resistencia-140394
7/5/2021

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