quarta-feira, 21 de junho de 2023

Sodoma ou Gomorra: sua escolha!

 




      Dmitry Orlov – 21 de junho de 2023

 Prestigie a escrita de Dmitry Orlov em: https://boosty.to/cluborlov

Em 1997, voltei da Rússia para os EUA, recém-casado e, tendo acabado de
observar o pós-colapso da URSS em primeira mão, uma pergunta óbvia me
ocorreu: quando os vários Estados seguirão o exemplo da URSS e
declararão sua independência do governo federal irremediavelmente
corrupto e não funcional? Considerando que a principal causa por trás do
colapso soviético foi o tédio – as pessoas viviam bem, mas estavam
entediadas e queriam viver ainda melhor – seria preciso algo mais para
derrubar os EUA. O que poderia ser?

Depois de um pouco de pesquisa, comecei a focar em algo que veio a ser
conhecido como Pico do Petróleo: o fato de que a produção de petróleo
nos EUA atingiu o pico em 1970 e estava atingindo o pico em um país após
o outro em todo o mundo. Ao mesmo tempo, os EUA, com seu estilo de vida
inegociável, eram o país mais viciado em petróleo do mundo, e seria
inútil tentar arrancar as chaves do carro dos dedos frios e mortos dos
americanos – até o rigor mortis chegar. De fato, os americanos optaram
por deslocalizar praticamente toda a sua indústria para a China (que na
época era extremamente rica em carvão) apenas para continuar dirigindo
sem rumo em SUVs cada vez maiores. Isso levou a dívida federal dos EUA a
crescer aos trancos e barrancos e não poderia terminar bem.

Depois de um tempo, um movimento popular do Pico do Petróleo formou-se
nos EUA e eu me envolvi tangencialmente nele, dando palestras em algumas
conferências e mencionando o Pico do Petróleo aqui e ali em meus livros
e artigos. Por um tempo, as coisas correram conforme o planejado: a
produção global de petróleo convencional atingiu o pico em 2005-6, os
preços do petróleo dispararam para perto de US$ 150/barril e, com
certeza, um pouco mais tarde, em 2008, o setor financeiro dos EUA ficou
extremamente doente e precisou ser ressuscitado por meio de grandes
infusões de dinheiro grátis e, posteriormente, mantido em aparelhos de
suporte à vida com taxas de juros próximas de zero.

Mas então uma coisa estranha aconteceu: por puro desespero, as empresas
de petróleo e gás dos EUA recorreram a uma velha tecnologia soviética
chamada hidrofraturamento para extrair o petróleo preso na rocha de
xisto – e um pequeno milagre aconteceu. Essa tecnologia, que recebeu o
nome cativante de “fracking” e foi aprimorada gradualmente ao longo do
tempo, permitiu aos EUA estabelecer novos recordes de todos os tempos na
produção de petróleo e gás, tornando-se novamente um grande exportador
de ambos, permitindo que continuassem dirigindo sem rumo enquanto iam
afundando cada vez mais em dívidas e importando quase tudo de que
precisava.

Como resultado disso, o movimento do Pico do Petróleo praticamente
desapareceu. Algumas pessoas continuaram prestando atenção, apontando
que o “fracking” nunca rendeu dinheiro, na verdade perdendo
investimentos em torno de um trilhão de dólares, nunca teria realmente
decolado se não fossem as taxas de juros próximas de zero (que agora
acabaram) e era absolutamente horrível para o meio ambiente, envenenando
as águas subterrâneas e causando terremotos. Mas o outrora vigoroso
movimento para tirar os americanos de suas casas unifamiliares e carros
individuais que desperdiçam energia e colocá-los em ônibus, bondes e
prédios de apartamentos energeticamente eficientes não deu em nada. De
qualquer forma, com o tempo, foi infestado de velhos hippies de
comunidades maconheiras, visionários da ayahuasca, permacultores
mascates, druidas elfos e goblins, entusiastas da mudança climática
catastrófica e o resto do circo ambientalista de três picadeiros.

Avançando rápido para junho de 2023, e aqui vem um novo recruta para o
movimento Peak Oil: o formidável Igor Sechin, chefe da Rosneft, que é a
maior empresa de petróleo do mundo e por há algum tempo a única
lucrativa. Embora alguns possam afirmar que a Rosneft é propriedade do
governo russo, isso não é verdade: o governo russo possui exatamente uma
ação da Rosneft. O acionista majoritário da Rosneft é a Rosneftegaz AO,
que é… espere… 100% de propriedade do governo russo. Então aí está!

No Fórum Econômico Internacional de São Petersburgo, que aconteceu na
semana passada e contou com a presença de 150 delegações oficiais de 130
países (sim, a Rússia está muuuito isolada!) a apresentação de Igor
Sechin foi intitulada “Sodoma e Gomorra nos Mercados de Energia: Ira de
Deus ou Caos organizado?” e com o subtítulo “Sauve qui peut!” (Perdoe
meu francês). Em sua palestra muito bem feita, Sechin não deixou nenhuma
vaca sagrada sem ser abatida. Aqui está um resumo.

Em primeiro lugar, ele abateu a teoria do aquecimento global com alguma
prática de aquecimento global. Sim, o clima está esquentando,
principalmente no Ártico, mas está sempre mudando. Isso tem a ver com
ciclos solares e variações na órbita da Terra. Esta parte é totalmente
incontroversa – fora do Ocidente. Um pouco mais controversa é a
observação de que a Terra parece estar aquecendo do núcleo para fora, e
que isso parece estar acontecendo em outros planetas também – mas Sechin
não entrou nisso. Seu argumento é que o aquecimento global está
estimulando a demanda por energia – não tanto nos EUA, onde todos que
podem pagar pelo ar-condicionado já o possuem, mas muito na China, na
África do Sul e na Nigéria, que antes eram resfriadas pelo vento.

Em seguida, Sechin apontou que a muito elogiada transição energética
para tecnologias neutras em carbono não está realmente acontecendo. Isso
exigiria cerca de $ 10 trilhões de dólares por ano, e os fundos
simplesmente não estão lá. Além disso, o número de carros elétricos em
todo o mundo não chegará nem perto do número necessário e, mesmo com
números tão baixos, a rede elétrica da maioria dos países não consegue
mantê-los todos carregados. Se um bairro inteiro de trabalhadores de
escritório chega em sua comunidade-dormitório ao mesmo tempo e se
conecta, a rede certamente cairá por culpa daquele bairro e, uma vez que
o preço da atualização da rede seja acumulado no preço por
quilowatt-hora, todo mundo vai tentar trocar seu carro elétrico por um
movido a gasolina ou a diesel. Em qualquer caso, nenhuma combinação de
quaisquer tecnologias existentes, em qualquer nível de financiamento,
permitirá alcançar a neutralidade carbônica até 2050 (o objetivo
declarado) ou limitar o aquecimento global em 2ºC (outro objetivo
declarado). Estes são todos sonhos impossíveis.

Em seguida, Sechin abordou o problema iminente da falência dos EUA. A
dívida, apontou, aumentou x34 desde 1980 enquanto o PIB cresceu apenas
x9. Ele caracterizou o recente aumento do limite de endividamento como
“falência retardada”. Façam o que fizerem, a dívida nunca será paga e,
dado que a era das taxas de juros mais baixas já passou, a dívida logo
se tornará impossível de se manter, uma vez que engole toda a parcela
variável do orçamento federal. Sechin não disse, mas direi: a única
solução é desmantelar os EUA em seus estados constituintes. O que Sechin
disse é que existem três caminhos a seguir: hiperinflação, inadimplência
e guerra. Ele não especificou se haveria ou não guerra entre os estados.

Aconteça o que acontecer, haverá alguns perdedores (além dos próprios
EUA). Esses serão os principais detentores da dívida federal dos Estados
Unidos. Destes, os vencedores (por assim dizer) são Japão e China
(incluindo Hong Kong) com mais de um trilhão de dólares cada. Na Europa,
os maiores perdedores serão a Grã-Bretanha, com cerca de US$ 700
bilhões, seguida pela Bélgica com cerca de metade, seguida pela Suíça,
Irlanda e França. Brasil e Canadá também sofrerão, com cerca de US$ 200
bilhões cada. E offshores como Luxemburgo e Caymans serão adequadas para
limpar o chão. Enquanto isso, os bancos dos EUA, apontou Sechin, já
estão em situação difícil, com o setor bancário afundando no início de
março de 2023 e os bancos regionais se saindo pior do que o setor
bancário como um todo, tendo perdido um quarto de seu valor.

Sua citação para levar para casa é: “O dólar americano perderá posição
lentamente, mas precisamos resgatá-lo imediatamente.” Existem dois
problemas interligados: encontrar moedas de reserva alternativas
(eventualmente) e formar sistemas alternativos de pagamento
internacional (imediatamente). Surpreendentemente, são os EUA que estão
a dar um forte impulso a ambos os processos, ao fazerem do dólar
americano um instrumento de sanções unilaterais. Sechin zombou da
resposta de Biden à crise bancária, que disse: “É assim que o
capitalismo funciona.” NÃO é assim que o capitalismo funciona!!! Já
houve surtos de alta inflação antes, mas nunca antes eles foram
acompanhados por uma crise de dívida tão grande.

Tampouco há qualquer chance de que os EUA, ou o G7, consigam sair de sua
situação: o crescimento da produtividade no G7 (medido como crescimento
no valor do produto por unidade de trabalho) foi em média de apenas 0,8%
ao ano . Em vez de impulsionar o investimento em atividades produtivas,
o dinheiro recém-tomado foi para alimentar atividades especulativas e
elevar os preços dos ativos de papel.

O que poderia substituir o dólar americano como moeda de reserva? Há, é
claro, o yuan. O valor do rublo russo é extremamente bem sustentado pela
vasta base de recursos e enfrenta apenas dois problemas: a hostilidade
dos EUA e de suas nações vassalas e sua taxa de câmbio imprevisível. Com
esses obstáculos removidos, poderia se tornar uma moeda regionalmente
importante.

Estamos assistindo à agonia da Pax Americana – um processo doloroso e
desagradável repleto de possibilidades de excessos indesejados. A
política de portas abertas, iniciada pelos Estados Unidos na virada do
século 20, está se transformando em uma política de portas fechadas.
Naquela época, os Estados Unidos tinham assegurada sua competitividade e
produtividade; agora não têm nenhum dos dois. Este é um fator chave.
Para discutir produtivamente o futuro do mercado global de energia, ou
da economia global como um todo, precisamos primeiro aceitar um fato
indiscutível: a economia de mercado não funciona mais como um regulador
dos movimentos globais de capital. Inflação alta, altas taxas de juros,
interrupções na cadeia de suprimentos e déficits agora são a norma.

Portanto, a ênfase está na segurança nacional e nos governos nacionais
como seus garantidores. As tarefas de reindustrialização, de localização
de produções estrategicamente importantes, de militarização da economia,
de garantia de estoques de produtos essenciais – o capital privado é
incapaz de realizá-las. O único caminho a seguir é uma parceria
governo-privada.

A combinação de intromissão política e mercados livres foi fatal para a
indústria europeia. Perdeu o acesso ao gás russo barato e tornou-se
completamente dependente das fontes americanas de gás natural
liquefeito, mas desde que o fracking atingiu seus limites, esse recurso
é limitado. Do jeito que está, a Europa só conseguiu substituir metade
do gás russo e foi forçada a fechar grande parte de sua capacidade
industrial. A produção química caiu 18%, a siderúrgica caiu 17% desde
dezembro de 2021. Embora os preços do gás natural tenham moderado, já
ocorreu uma destruição de demanda de cerca de 17% (em relação aos níveis
de 2017-2022). Em março de 2023, a produção industrial caiu 3,5% em
relação a dezembro de 2022 e a Alemanha – a potência industrial da
Europa – entrou em recessão.

Quanto ao petróleo, Sechin garante que os preços devem subir. A demanda
provavelmente aumentará em cerca de 15 milhões de barris por dia, ou
15%, com grande parte do aumento vindo da África, que está
experimentando um alto crescimento populacional. É provável que cresça
3/4 até 2050 e represente mais de um terço da população global. A
demanda de energia acompanhará o aumento da população.

Quanto ao abastecimento… a gente tem um grande problema. A substituição
de recursos com nova produção é de apenas cerca de 90% e as novas
descobertas são minúsculas em comparação com as grandes descobertas da
década de 1970. Apesar dos recursos relativamente grandes (70 anos para
a Arábia Saudita e Emirados Árabes Unidos, 100 anos para Kuwait e
Iraque), o mundo enfrenta um déficit iminente de capacidade de produção
e a OPEP não será capaz de atender à demanda. Isso será exacerbado pelo
pico de produção de xisto nos EUA, onde o estoque de poços perfurados
não concluídos caiu 73% desde 2020 e agora equivale a menos de 2 meses
de fornecimento.

Ao mesmo tempo, a taxa de perfuração de novos poços caiu de 15 a 20%
desde 2020 (de acordo com Baker Hughes) e deve cair um pouco mais agora
que a taxa de fundos do Fed saltou de 0 para 5,25% em apenas um ano,
tornando o financiamento para novos poços mais difícil de garantir. A
base de recursos da Venezuela é enorme, mas seu desenvolvimento continua
sendo um risco muito alto. Os únicos países onde a produção de petróleo
deve aumentar são os do Oriente Médio, Rússia, Cazaquistão e Guiana,
onde a ExxonMobile pretende produzir 1,2 milhão de barris/dia em 2027.
Em outros lugares, a produção cairá. A base de recursos da Rússia é
comparável à base de recursos do resto do mundo combinado, mas metade da
produção russa é consumida internamente e essa fração provavelmente não
diminuirá.

Segundo Sechin, sua Rosneft está pronta para enfrentar todos esses
desafios, mas precisa do seguinte:

 1. Um novo sistema de pagamento internacional que seja independente de
    “moedas tóxicas” (o que significa o dólar americano e o euro).
 2. Logística de seguros e transportes, novamente, independente de
    regimes hostis.
 3. Disponibilidade e acessibilidade de crédito, visando especificamente
    áreas de desenvolvimento econômico necessário.

Ele também mencionou uma série de problemas internos da Rússia com
preços de eletricidade, falta de gasodutos que vão para o leste em vez
de oeste e o desenvolvimento de redes internas de distribuição de gás
natural. Todos esses problemas estão sendo resolvidos, mas talvez não no
ritmo que agradaria a Sechin.

Se você entende um pouco de russo ou apenas gostaria de ver seus slides,
a palestra completa pode ser encontrada aqui:
https://dzen.ru/a/ZI4zKIXDZU5VfGtn

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Fonte:
https://boosty.to/cluborlov/posts/135b0069-4c07-4175-9766-6db2384f1450?share=post_link


Em
SAKER LATINO AMERICA
https://sakerlatam.org/sodoma-ou-gomorra-sua-escolha/
21/6/2023

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