sábado, 3 de junho de 2023

NAS FÁBRICAS HÁ RIQUEZA, MAS NÃO HÁ VIDA

 

   


  Vijay Prashad*

 

    /A OIT descobriu que "aproximadamente um terço da força de trabalho
    global (35,4%) trabalhou mais de 48 horas por semana" e "um quinto
    do emprego global (20,3%) consiste em trabalho a tempo parcial, de
    menos de 35 horas por semana",  saltando de emprego para emprego.
    Além disso, o relatório observou que o grupo ocupacional com "maior
    média de horas de trabalho foi o dos operadores e montadores de
    máquinas e instalações, que trabalhavam em média 48,2 horas por
    semana/".


 

No final de 2022, a Organização Internacional do Trabalho (OIT) divulgou
um fascinante relatório intitulado "Tempo de trabalho e equilíbrio entre
vida pessoal e profissional em todo o mundo", em grande parte encorajado
por uma série de iniciativas em toda a Índia para prolongar a jornada de
trabalho. O relatório acumulou dados globais sobre o tempo gasto no
trabalho em 2019, antes do início da pandemia de COVID-19. A OIT
descobriu que "aproximadamente um terço da força de trabalho global
(35,4%) trabalhou mais de 48 horas por semana" e "um quinto do emprego
global (20,3%) consiste em trabalho a tempo parcial de menos de 35 horas
por semana",  saltando de emprego para emprego. Além disso, o relatório
observou que o grupo ocupacional com "maior média de horas de trabalho
foi o dos operadores e montadores de máquinas e instalações, que
trabalhavam em média 48,2 horas por semana".

 

Em toda a Índia, há um debate em curso sobre uma revisão dos limites da
duração da jornada de trabalho. Um projeto de lei no estado de Tamil
Nadu procurava alterar a Lei das Fábricas de 1948, que permitiria que as
fábricas aumentassem a jornada de trabalho de oito horas para doze
horas. Na Assembleia Estadual de Tamil Nadu, o ministro do governo, C.V.
Ganesan, disse que o Estado – que tem o maior número de fábricas na
Índia – precisava de atrair mais investimento estrangeiro, o que seria
mais fácil se as fábricas tivessem permissão para ter "horários de
trabalho flexíveis". Protestos liderados por sindicatos e pela esquerda
bloquearam o governo, apesar da pressão contrária do lóbi empresarial (o
Vanigar Sangangalin Peramaippu). Em fevereiro, um projeto de lei
semelhante foi aprovado no estado vizinho de Karnataka. "A Índia está em
competição com outras localizaçãoes em todo o mundo para atrair
investimentos", disse o ministro da Eletrónica, Tecnologia da Informação
e Biotecnologia, Dr. C.N. Ashwath Narayan; "Só quando se tem leis
laborais flexíveis é que os investimentos podem ser atraídos".

 

Do Instituto Tricontinental de Pesquisas Sociais vem a nossa própria
intervenção nesse debate, o nosso dossiê de maio, /A Condição da Classe
Trabalhadora Indígena/
<https://thetricontinental.org/dossier-64-condition-of-indian-working-class/> . O dossiê abre com dois acontecimentos de 2020. Primeiro, no início da pandemia, o governo indiano disse insensivelmente a milhões de trabalhadores para voltarem para suas aldeias e, segundo, os agricultores da Índia começaram um poderoso protesto contra a tentativa do governo de transferir o controlo dos /mandis/ ("mercados de produtos") para grandes empresas. Esses acontecimentos demonstram tanto o comportamento duro do governo indiano e da classe capitalista em relação aos trabalhadores, como a resistência contínua dos trabalhadores e camponeses à estrutura que os explora e oprime.

 

Em 1991, a Índia usou uma crise de curto prazo no balanço de pagamentos
para perturbar o tecido institucional do desenvolvimento nacional e
abrir a economia ao investimento estrangeiro. Essa "liberalização", como
é conhecida na Índia, significava que o capital tinha uma vantagem
decisiva sobre o trabalho e que a proteção dos direitos duramente
conquistados pela classe trabalhadora e pelo campesinato seria retirada.

 

Reconhecendo essa tendência, os trabalhadores indianos iniciaram um
ciclo de protestos para defender os seus direitos contra o que ficou
conhecido como "liberalização do mercado de trabalho". A palavra-chave
"flexibilidade" significava que os trabalhadores teriam agora de abdicar
dos seus preciosos direitos para atrair investimento e proporcionar
maiores lucros a esses investidores. Apesar das concessões feitas pelos
trabalhadores – algumas forçados, outras negociadas – os empregos
produzidos pela dispensa neoliberal foram trabalho para os desesperados.
Como escrevemos no dossiê:

 

 "A promessa de investimento industrial em grande escala e a criação de
empregos industriais de alta qualidade não se concretizaram de forma
significativa, e tanto o crescimento económico como o industrial
permaneceram em níveis baixos não apenas por causa da falta de
investimento, mas também por causa da redução do poder de compra da
população indiana. O poder de compra foi reduzido por causa dos salários
desesperadamente baixos de grande parte da população, bem como das
restrições neoliberais aos gastos públicos, particularmente no setor da
agricultura”.

 

O que encontramos na Índia não é diferente do que encontramos noutras
partes do mundo, com cada vez mais trabalhadores a cair na precaridade
crescente. Enquanto a pandemia acelerou o aumento do emprego informal e
desregulado, a OIT mostrou através de uma série de estudos regionais –
no Egito, por exemplo – que a tendência para o trabalho precário já
estava a crescer vertiginosamente com a luta de classes de um tipo
implacável camuflada em termos técnicos sob o nome "flexibilidade do
mercado de trabalho".

 

Em 2015, as Nações Unidas aprovaram uma resolução histórica anunciando
dezassete Objetivos de Desenvolvimento Sustentável, afirmando claramente
a necessidade de "Promover o crescimento económico sustentado, inclusivo
e sustentável, o emprego pleno e produtivo e o trabalho decente para
todos". A OIT entende por "trabalho decente" o "emprego pleno e
produtivo, direitos no trabalho, proteção social e promoção do diálogo
social", ou – em linguagem mais clara – o direito ao trabalho produtivo,
condições de trabalho seguras, segurança social e negociação coletiva.

 

Há muito tempo que está claro que as normas da OIT simplesmente não são
levadas a sério pela maioria dos países. Os sindicatos e outras
organizações da classe trabalhadora fornecem a única plataforma com
potencial libertador, com a unidade dos sindicatos setoriais e das
confederações sindicais desempenhando um papel fundamental para que
qualquer esforço desse tipo tenha sucesso. Para combater a proposta de
Lei das Relações Industriais (1978), cujos dispositivos teriam
enfraquecido o direito de greve, vários sindicatos formaram o Comité
Nacional de Campanha dos Sindicatos. Em 1982, esse comité liderou uma
greve geral contra a imposição da Lei de Manutenção de Serviços Mínimos
(1981), outra tentativa de enfraquecer a organização do trabalho. Desde
1991, este comité, ao lado da plataforma conjunta das Centrais
Sindicais, realizou vinte e duas greves gerais, cada uma delas maior do
que a anterior.

 

Em março de 2022, 200 milhões de trabalhadores, do setor industrial ao
setor social, aderiram à greve geral para fechar o país. Essas greves
foram massivas porque o movimento sindical assumiu as batalhas dos
trabalhadores informais desorganizados com a mesma energia das batalhas
dos seus próprios membros, como apontou K. Hemlata, presidente do Centro
de Sindicatos Indianos, no nosso dossiê nº 18 em julho de 2019.

A luta de classes está viva e de boa saúde, embora uma das fraquezas do
nosso tempo seja que essas mobilizações massivas não foram facilmente
convertidas em poder político. O poder financeiro afogou a democracia, e
a ascensão de ideias tóxicas de direita – incluindo o fundamentalismo
religioso – desempenhou um papel influente nas comunidades que lutam
contra a destruição gradual da vida coletiva (fenómeno que discutimos no
dossiê nº 59, /Fundamentalismo religioso e imperialismo na América
Latina/). No entanto, como escrevemos na frase final do nosso novo
dossiê, os trabalhadores "permanecem despertos para a luta de classes".

 

* Instituto Tricontinental de Investigação Social, /5 de maio de 2023/

 

/Fonte: //In the Factories There Is Wealth But There is No Life |
MLToday/
<https://mltoday.com/in-the-factories-there-is-wealth-but-there-is-no-life/>/, acedido e publicado em //16.05.23/

 Em
PELO SOCIALISMO
https://pelosocialismo.blogs.sapo.pt/nas-fabricas-ha-riqueza-mas-nao-ha-vida-252773
2/6/2023

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