sexta-feira, 3 de fevereiro de 2017

Anton Makarenko e a pedagogia socialista


A PEDAGOGIA NO SOCIALISMO

 
Oneider Vargas*

“É preciso mostrar aos alunos que o trabalho e a vida deles são parte do
trabalho e da vida do país” (Anton Makarenko)
Anton Semionovich Makarenko nasceu em 1888 na Ucrânia, filho de um operário
ferroviário e de uma dona de casa. Aprendeu a ler e escrever com a mãe, como a
maioria das crianças da época, e logo depois foi matriculado numa escola
primária. Lá teve acesso às disciplinas de língua russa, aritmética, geografia,
história, ciências naturais, física, desenho, canto, ginástica e catecismo, mas
não pôde estudar sua língua materna, a ucraniana, proibida pelo império czarista
na Rússia, nem lógica e filosofia, exclusivas da elite. Aos 17 anos, Makarenko
concluiu o curso de magistério e entrou em contato com as ideias revolucionárias
de Lênin e Máximo Gorki, que influenciaram sua visão de mundo e de educação. Sua
primeira experiência em sala de aula ocorreu em 1906, na Escola Primária das
Oficinas Ferroviárias, onde lecionou por oito anos. Em seguida, assumiu a
direção de uma escola secundária. Mais consciente do modelo de educação que
queria aplicar, ampliou o espaço cultural e mudou o currículo com a ajuda de
pais e professores. E estabeleceu o ensino da língua ucraniana. Sua mais
marcante experiência deu-se de 1920 a 1928, na direção da Colônia Gorki,
instituição rural que atendia crianças e jovens órfãos que haviam vivido na
marginalidade. Lá ele pôs em prática um ensino que privilegiava a vida em
comunidade, a participação da criança na organização da escola, o trabalho e a
disciplina. Publicou novelas, peças de teatro e livros sobre educação, sendo
Poema Pedagógico o mais importante. Morreu de ataque cardíaco durante uma viagem
de trem em 1939, ano que ficaria marcado pelo início da Segunda Guerra Mundial.
Imagine um educador que tem como missão dirigir um colégio interno (na zona
rural) cheio de crianças e jovens infratores, muitos órfãos, que mal sabiam ler
e escrever, numa época em que o modelo de escola e de sociedade estavam em
xeque. Como educar? Por onde começar? Anton Semionovich Makarenko, professor na
Ucrânia, país do leste europeu que era parte da União Soviética na época, foi um
dos homens que ajudaram a responder a essas questões e a repensar o papel da
escola e da família na recém-criada sociedade socialista, no início do século
20. Sua pedagogia tornou-se conhecida por transformar centenas de crianças e
adolescentes marginalizados em cidadãos. O método criado por ele era uma
novidade porque organizava a escola como coletividade e levava em conta os
sentimentos dos alunos na busca pela felicidade – aliás, um conceito que só
teria sentido se fosse para todos. O que importava eram os interesses da
comunidade e a criança tinha direitos impensáveis na época, como opinar e
discutir suas necessidades no universo escolar. “Foi a primeira vez que a
infância foi encarada com respeito e direitos”, diz Cecília da Silveira
Luedemann, educadora e autora do livro Anton Makarenko, Vida e Obra – A
Pedagogia na Revolução.
Mais que educar, com rigidez e disciplina, ele quis formar personalidades, criar
pessoas conscientes de seu papel político, cultas, sadias e que se tornassem
trabalhadores preocupados com o bem-estar do grupo, ou seja, solidários. Na
sociedade de então, organizada pelos comunistas, o trabalho era considerado
essencial para a formação do homem, não apenas um valor econômico. Makarenko
aprendeu tudo na prática, na base de acertos e erros, primeiro na escola da
Colônia Gorki e, em seguida, na Comuna Dzerjinski. Cada etapa de suas
experiências foi registrada em relatórios, textos e livros. As dificuldades e os
desafios têm muitos paralelos com os dos professores de hoje. A saída encontrada
há quase um século correspondia às necessidades da época, mas servem de reflexão
para buscar soluções atuais e entender a educação no mundo. A ideia do coletivo
surge como respeito a cada aluno, oposta à visão de massificação que
despersonaliza a criança. O grupo estimula o desenvolvimento individual. Como a
instituição familiar (e tudo o mais na então União Soviética) estava em crise,
essa foi a alternativa encontrada pelo educador para proteger a infância de seu
país. O sentimento de grupo não era uma ideia abstrata. Tinha raízes nos ideais
revolucionários e Makarenko soube como transformá-la em algo concreto. A colônia
era autossuficiente e a sobrevivência de cada um dependia do trabalho de todos.
Caso contrário, não haveria comida nem condições de habitação aceitáveis. Para
que a vida em comunidade desse certo era essencial que cada aluno tivesse claras
suas responsabilidades. “Nunca mais ladrões nem mendigos: somos os dirigentes.”
Makarenko era conhecido como um educador aberto, mas rígido e duro. Ele
acreditava que o planejamento e o cumprimento das metas estabelecidas por todos
só se concretizariam com uma direção muito firme. Por isso, os alunos tinham
consciência de que a disciplina não era um fim, mas um meio para o sucesso da
vida na escola. O descumprimento de uma norma podia ser punido severamente,
desde que alunos e professores assim o desejassem, depois de muita discussão.
Makarenko publicou, em 1938, incompleto, o Livro dos Pais. O objetivo era
mostrar a importância da participação da família na escola e como educar as
crianças em tempos difíceis. Alguns estudantes moravam nas escolas dirigidas por
ele. O educador ucraniano fazia questão da presença dos pais, que eram
estimulados a participar de atividades culturais e recreativas. A escola tinha o
papel de orientar a família, que deveria encará-la como um órgão normativo. Pais
muito “melosos” ou ausentes seriam incapazes de educar uma pessoa forte, madura
e inteligente. “O carinho, como o jogo e a comida, exige certa dosagem”, dizia.
Makarenko queria formar crianças capazes de dirigir a própria vida no presente e
a vida do país no futuro. Exercícios físicos, trabalhos manuais, recreação,
excursões, aulas de música e idas ao teatro faziam parte da rotina. A escola
tinha que permitir o contato com a sociedade e com a natureza, ou seja, ser um
lugar para o jovem viver a realidade concreta e participar das decisões sociais.
O estudo do meio já era comum na escola de Makarenko, ainda que sem esse nome.
Na Colônia Gorki, meninos e meninas eram divididos em grupos de dez, de
diferentes faixas etárias. Um representante de cada turma participava de
assembleias e reuniões em que se discutiam as situações da escola: um objeto
roubado, a melhoria do prédio, a compra de materiais, a limpeza dos banheiros,
os problemas particulares. Sexo e namoro também tinham espaço nas reuniões.
Normas e decisões não podiam ser predeterminadas. O primeiro e o último voto
eram sempre dos alunos. Makarenko talvez tenha sido o educador que levou às
conseqüências mais radicais as questões do espírito de grupo e do trabalho
coletivo. Tudo era discutido entre alunos, professores e a direção da Colônia
Gorki e da Comuna Dzerjinski. Por essa razão, embora tenha vivido numa época e
num contexto totalmente diferentes dos atuais, vale a pena conhecer suas ideias
e pensar sobre elas. Mas será que as crianças e os jovens atuais conhecem de
fato o significado de grupo? Ou a ideia de coletivo é abstrata? Os jovens se
sentem responsáveis pela escola e pelo bem-estar de seus colegas? “Precisamos
pensar se estamos formando pessoas cada vez mais individualistas ou coletivas”,
diz a educadora Cecília da Silveira Luedemann. Estamos realmente educando para a
colaboração e a solidariedade? A obra de Makarenko provoca ainda uma reflexão
sobre a disciplina. Estamos sendo permissivos demais? Como atingir o equilíbrio
entre limites e liberdade? Makarenko dá algumas respostas. Podemos não concordar
totalmente com elas, mas é inegável que seu trabalho produziu resultados
positivos num momento de grandes dificuldades sociais. Não estaremos nós em
momento equivalente?
Fontes de Referência
Cecília da Silveira Luedemann, educadora e autora do livro Anton Makarenko, Vida
e Obra – A Pedagogia na Revolução. Editora Expressão Popular, 2002.
Anton Makarenko, Las bandeiras en las torres. Editorial Progresso, 1981.
*Membro do CC-PCB e Conselheiro Regional do Cpers
In
PCB
https://pcb.org.br/portal2/13420
1/2/2017

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