segunda-feira, 6 de fevereiro de 2017

      Trump: capitalismo nacionalista, uma alternativa à globalização?


       por James Petras 

       No seu discurso de posse Donald Trump, clara e vigorosamente delineou as
       estratégias político-económicas que prosseguirá nos próximos quatro anos.
      Mas jornalistas, editorialistas, acadêmicos e especialistas anti-Trump que
      aparecem no  Financial Times, New York Times, Washington Post  e  Wall
      Street Journal  têm repetidamente distorcido e mentido sobre o seu
      programa, bem como sobre a sua crítica às políticas do passado.
       Começamos por discutir seriamente a crítica do Presidente Trump à
      economia-política contemporânea e prosseguiremos na elaboração das suas
      alternativas e das suas fraquezas.
       Críticas de Trump à classe dominante 
       A peça central da crítica do Trump à elite governante atual é o impacto
      negativo das políticas de globalização nos desequilíbrios dos EUA na
       produção, no comércio, na fiscalidade e no mercado de trabalho. Como
      exemplo dos efeitos negativos da globalização, Trump menciona o facto de
      que o capitalismo industrial dos EUA mudou drasticamente o centro dos seus
      investimentos, inovações e lucros para o exterior. Durante duas décadas
      muitos políticos e gurus têm lamentado a perda de postos de trabalho bem
      remunerados e estáveis em indústrias locais como parte de sua retórica de
      campanha ou em reuniões públicas, mas não tomaram qualquer ação eficaz
      contra estes aspectos mais negativos da globalização. Trump denunciou-os
      como "só conversa e nenhuma ação" enquanto prometia acabar com os
      discursos vazios e implementar mudanças importantes.
       Trump criticou os importadores que trazem produtos baratos de fabricantes
       estrangeiros para o mercado americano, destruindo empresas e postos de
      trabalho nos EUA. A sua estratégia económica de priorizar as indústrias
      dos EUA é uma crítica implícita ao desvio do capital produtivo para o
      capital financeiro e especulativo ocorrido sob as quatro administrações
      anteriores. No seu discurso inaugural, o ataque às elites que trocaram a
      "cintura da ferrugem"  ("rust belt")  pela Wall Street alia-se à sua
      promessa à classe trabalhadora: "Ouvi estas palavras! Vocês não serão
      ignorados novamente". Com palavras suas, Trump retrata a classe dominante
      "como porcos na gamela"  (Financial Times,  23/01/2017, p. 11)
       Crítica política-económica de Trump 
       Trump dá relevo a  negociações quanto a mercados  com parceiros
      estrangeiros e adversários. Repetidamente criticou a insensata promoção
      pelos media e por políticos, dos mercados livres e do militarismo
      agressivo que minam a capacidade do país para negociar contratos
      rentáveis.
       A política de imigração de Trump está intimamente relacionada com a sua
      estratégia: "América primeiro" para a política de trabalho. Entradas
      maciças de imigrantes têm sido utilizadas para minar os salários, direitos
      laborais e emprego estável dos trabalhadores dos Estados Unidos. Isto foi
       documentado pela primeira vez na indústria de embalagem de alimentos,
       seguida das indústrias têxteis, construção e aviários. A proposta do
      Trump é limitar a imigração para permitir que os trabalhadores dos EUA
      mudem o equilíbrio de poder entre capital e trabalho e fortaleçam o poder
      do trabalho organizado para negociar salários, condições e benefícios. A
       crítica de Trump sobre a imigração massiva é baseada no facto de que
      estavam disponíveis empregos para trabalhadores norte-americanos
      qualificados naqueles mesmos sectores se os salários e condições de
      trabalho fossem melhorados permitindo padrões de vida dignos e estáveis
      para suas famílias.
       Crítica política do presidente Trump 
       Trump assinala os acordos de comércio, que têm ocasionado enormes
       défices, e conclui que os negociadores americanos falharam. Argumenta que
      anteriores presidentes dos Estados Unidos assinaram acordos multilaterais,
       para assegurar alianças militares e bases, em detrimento da negociação de
      pactos económicos de criação de emprego. A sua presidência promete mudar a
      equação: quer rasgar ou renegociar tratados económicos desfavoráveis,
      reduzir compromissos militares ultramarinos dos EUA e pede que os aliados
      da NATO suportem mais encargos nos seus orçamentos de defesa.
      Imediatamente após a investidura no cargo, Trump cancelou a parceria
       Transpacífica (TPP) e convocou uma reunião com o Canadá e México para
      renegociar o NAFTA.
       A agenda de Trump tem dado relevo a planos para projetos de
      infraestruturas no valor de 100 mil milhões de dólares, incluindo a
       construção de controversas condutas de petróleo e gás do Canadá para os
      EUA. É claro que essas condutas violam tratados existentes com os povos
      indígenas e são uma ameaça de degradação ecológica. No entanto, ao
       priorizar o uso de materiais de construção americanos e insistir na
      contratação apenas de trabalhadores dos EUA, as suas controversas
      políticas formarão a base para desenvolver empregos bem pagos para
      cidadãos dos EUA.
       A ênfase em investimentos e empregos nos EUA é uma ruptura total com a
      anterior Administração, com o Presidente Obama focado em empreender
      múltiplas guerras no Médio Oriente, aumentando a dívida pública e o défice
      da balança comercial.
       No seu discurso inaugural Trump emitiu uma severa promessa: "a
      carnificina americana vai parar agora e termina aqui!". Isto repercutiu-se
      num grande sector da classe trabalhadora e foi falado perante uma
      assembleia dos principais arquitetos de quatro décadas de globalização
       destruidora de empregos. "Carnificina" carregava um duplo significado:
      "carnificina" generalizada em consequência das políticas de Obama e de
      outras administrações na destruição de postos de trabalho no país, que
      resultaram em decadência e falência de pequenas cidades rurais e
      comunidades urbanas.
       Esta carnificina interna é a outra face das intermináveis políticas de
      guerra no exterior, espalhando carnificina em três continentes. As
      lideranças políticas dos últimos quinze anos disseminaram uma carnificina
      no país, permitindo uma epidemia de dependência de drogas (principalmente
      relacionada com a prescrição descontrolada de opiáceos sintéticos) matando
      centenas de milhares de norte-americanos, na maior parte jovens, e
       destruindo as vidas de milhões.
       Trump prometeu acabar com esta "carnificina" de vidas desperdiçadas.
      Infelizmente, ele não controla as grandes farmacêuticas  ('Big Pharma')  e
      a comunidade médica responsável pelo seu papel na difusão da
      toxicodependência nos recantos mais profundos do espaço rural dos EUA,
      economicamente devastados. Trump criticou os anteriores eleitos por
      autorizarem enormes subsídios militares a "aliados" ao mesmo tempo
      deixando claro que sua crítica não incluía as políticas de compras
      militares nos EUA e não iria contradizer a sua promessa de "reforçar
      velhas alianças" (NATO).
       Verdades e mentiras: jornalistas lixo e militaristas de poltrona 
       Entre os exemplos mais escandalosos da histeria mediática sobre a nova
       economia de Trump é a série sistemática e mordaz de produções virais
      concebidas para obscurecer a triste realidade nacional que Trump prometeu
      tratar. Vamos discutir e comparar os relatos publicados pelos "jornalistas
      lixo" (JLs) e apresentar uma versão mais precisa da situação.
       Os respeitáveis jornalistas lixo do  Financial Times  clamam que Trump
      quer "destruir o comércio mundial". Na verdade, Trump repetidamente
      declarou sua intenção de aumentar o comércio internacional. O que propõe é
      aumentar o comércio mundial dos EUA a partir do interior, em vez de o
      fazer a partir de outros países. Ele pretende renegociar os termos dos
      acordos multilaterais e bilaterais de comércio para garantir maior
      reciprocidade com parceiros comerciais. Sob Obama, os EUA foram mais
      agressivos na imposição de tarifas de comércio que qualquer outro país da
      OCDE.
       Os jornalistas lixo qualificam Trump como "protecionista", confundindo as
      suas políticas para reindustrializar a economia com a autarcia. Trump irá
      promover as exportações e importações, manter uma economia aberta e ao
      mesmo tempo aumentar o papel dos EUA como um produtor e exportador. Os EUA
      tornar-se-ão mais seletivos nas suas importações. Trump vai favorecer o
      crescimento dos exportadores e aumentar as importações de bens primários e
      tecnologia avançada, reduzindo a importação de automóveis, aço e produtos
      de consumo familiar.
       A oposição de Trump à globalização tem-se chocado com os jornalistas lixo
      do  Washington Post  como uma grave ameaça para a "ordem económica
       pós-Segunda Guerra Mundial". Na verdade, grandes mudanças já se
      processaram tornando obsoleta a velha ordem e tentativas para mantê-la
      levaram a crises, a guerras e mais decadência. Trump reconheceu a natureza
      obsoleta da velha ordem económica e decidiu que a mudança é necessária.
       A velha ordem económica obsoleta e a duvidosa Nova Economia 
       No final da Segunda Guerra Mundial, na maioria dos países da Europa
       Ocidental e Japão recorreu-se a políticas monetárias e industriais
      altamente restritivas, "protecionistas", para reconstruir as suas
      economias. Somente após um prolongado período de recuperação Alemanha e
      Japão cuidadosa e seletivamente liberalizaram as suas economias.
       Nas últimas décadas, a Rússia foi drasticamente transformada de uma
      poderosa economia coletivista numa oligarquia capitalista subordinada e
      gangster, mais recentemente reconstituída para uma economia mista e um
      Estado centralizado forte. A China transformou-se de uma economia
      coletivista, isolada do comércio mundial, na segunda economia mais
      poderosa do mundo, desalojando os EUA de maior parceiro comercial na
       América Latina e na Ásia. Os EUA, que antes controlavam 50% do comércio
      mundial, agora têm uma parte inferior a 20%. Este declínio é em parte
      devido ao desmantelamento da sua economia industrial quando os donos das
      empresas mudaram as fábricas para o exterior.
       Apesar das transformações na ordem mundial, os últimos presidentes dos
      EUA falharam em reconhecer a necessidade de reorganizar a economia
      política americana. Em vez de reconhecer, aceitar e adaptar-se às mudanças
      nas relações de poder e de mercado, procuraram intensificar os anteriores
      padrões de domínio através da guerra, intervenção militar, sangrentas e
       destrutivas "mudanças de regime" – devastando mercados ao invés de os
      criar para produtos dos EUA. Em vez de reconhecer o imenso poder económico
      da China e procurar renegociar acordos de comércio e cooperação, eles têm
      estupidamente excluído a China de pactos de comércio regional e
      internacional, ao ponto de cruelmente ameaçar os seus parceiros comerciais
       asiáticos subalternos e lançar uma política de cerco militar e provocação
      nos mares do Sul da China. Enquanto Trump reconhece estas alterações e a
      necessidade de renegociar os laços económicos, os designados para a sua
       Administração procuram ampliar as políticas de confronto militar de
      Obama.
       As anteriores Administrações em Washington ignoraram o ressurgimento da
      Rússia, a sua recuperação e crescimento como potência regional e mundial.
      Quando a realidade finalmente se enraizou, as anteriores administrações
      dos EUA aumentaram a sua ingerência nos antigos aliados da União
      Soviética, estabeleceram bases militares e exercícios de guerra nas
      fronteiras da Rússia. Em vez de aprofundar o comércio e o investimento na
       Rússia, Washington gastou milhares de milhões em sanções e gastos
      militares – designadamente fomentando o violento regime golpista da
      Ucrânia. As políticas de Obama que promoveram a violenta tomada do poder
      na Ucrânia, Síria e Líbia foram motivados pelo desejo de derrubar governos
      amigos da Rússia – devastando esses países e, finalmente, fortalecendo a
      vontade da Rússia em consolidar e defender as suas fronteiras e formar
       novas alianças estratégicas.
       No início de sua campanha, Trump reconheceu as novas realidades do mundo
       e propôs-se a alterar a substância, os símbolos, a retórica e as relações
      com adversários e aliados – adequadas a uma nova economia.
       Em primeiro lugar e acima de tudo, Trump olhou para as desastrosas
      guerras no Médio Oriente e reconheceu os limites do poder militar dos EUA:
      os EUA não poderiam envolver-se em múltiplos confrontos, guerras nunca
       terminadas de conquista e ocupação no Médio Oriente, Norte de África e
      Ásia sem suportar maiores custos internos.
       Em segundo lugar, Trump reconheceu que a Rússia não era uma ameaça
      militar estratégica para os Estados Unidos. Além disso, o governo russo
      sob Vladimir Putin estava disposto a cooperar com os EUA para derrotar um
      inimigo mútuo – ISIS e suas redes terroristas. A Rússia também estava
      ansiosa por voltar a abrir os seus mercados aos investidores dos Estados
      Unidos, que também estavam ansiosos para voltar depois de anos de sanções
      impostas por Obama-Clinton-Kerry. Trump, realista, propõe-se acabar com as
       sanções e restaurar relações de mercado favoráveis.
       Em terceiro lugar, é evidente para Trump que as guerras dos EUA no Médio
      Oriente impõem enormes custos com benefícios mínimos para a economia dos
      EUA. Ele quer aumentar as relações de mercado com os poderes económicos e
      militares regionais, como a Turquia, Israel e as monarquias do Golfo.
      Trump não está interessado na Palestina, Iémen, Síria ou os curdos – que
      não oferecem oportunidades de investimento e comércio. Ele ignora o enorme
      poder económico e militar regional do Irão, contudo propôs-se renegociar o
      recente acordo feito entre seis países e o Irão a fim de melhorar o lado
      americano na disputa A sua campanha retórica hostil contra Teerão pode ter
      sido concebida para aplacar Israel e a poderosa quinta coluna do
       "Israel-Firsters"  nos EUA. Isto certamente entra em conflito com as suas
       declarações "América primeiro". Veremos se Donald Trump irá continuar a
      manter o "show" de submissão ao projeto sionista expansão de Israel ao
      mesmo tempo que procura incluir o Irão como parte da sua agenda de mercado
      regional.
       O jornalismo lixo afirma que Trump adotou uma nova postura belicosa para
      com a China e ameaça lançar uma "agenda protecionista" que, em última
      análise, vai empurrar os países do Pacífico para mais perto de Pequim.
      Pelo contrário, Trump aparece com a intenção de renegociar e aumentar o
      comércio através de acordos bilaterais.
       Trump irá mais provavelmente manter, mas não expandir, o cerco militar de
      Obama às fronteiras marítimas da China, que ameaça as suas rotas marítimas
      vitais. No entanto, ao contrário de Obama, Trump vai renegociar as
      relações económicas e de comércio com Pequim – vendo a China como uma
       grande potência económica e não como uma nação em desenvolvimento com
      intenção de proteger suas indústrias nascentes. O realismo de Trump irá
      refletir a nova ordem económica: a China é um poder económico amadurecido,
      altamente competitivo, um poder económico mundial que tem estado a
      sobrepor-se aos EUA, em parte mantendo os seus próprios subsídios e
      incentivos estatais da sua anterior fase económica. Isto conduziu a
      desequilíbrios significativos. Trump, realista, reconhece que a China
      oferece grandes oportunidades para o comércio e o investimento se os EUA
      puderem garantir acordos recíprocos, que levem a uma balança comercial
      mais favorável.
       Trump não quer lançar-se numa "guerra comercial" com a China, mas precisa
      restaurar os EUA como uma grande nação "exportadora" a fim de implementar
      a sua agenda económica nacional. As negociações com a China serão muito
       difíceis porque a elite importadora dos EUA está contra a agenda de Trump
      e do lado da classe dirigente de Pequim decididamente orientada para a
       exportação.
       Além disto, como a elite bancária de Wall Street está a discutir com
      Pequim a entrada nos mercados financeiros da China, o sector financeiro
      norte-americano é um aliado instável e pouco disposto às políticas
      pro-indústria de Trump.
       Conclusão 
       Trump não é um "protecionista", nem se opõe ao "livre comércio". As
      acusações dos jornalistas lixo são infundadas. Trump não se opõe a
      políticas económicas imperialistas dos Estados Unidos no exterior. No
      entanto, é um realista de mercado que reconhece que a conquista militar é
       dispendiosa e, no contexto do mundo contemporâneo, uma proposta
       economicamente perdedora para os EUA. Reconhece que os EUA devem virar a
       página duma finança predominante e uma economia importadora para uma
      economia produtora e exportadora.
       Trump vê a Rússia como um potencial parceiro económico e aliado militar
      para acabar com as guerras na Síria, Iraque, Afeganistão e Ucrânia e
      especialmente para derrotar a ameaça terrorista do ISIS. Ele vê a China
      como um concorrente económico poderoso que tem aproveitando privilégios
      comerciais desatualizados, e quer renegociar pactos de comércio em
       consonância com o atual equilíbrio do poder económico.
       Trump é um capitalista-nacionalista, imperialista de mercado e político
      realista que está disposto a pisar os direitos das mulheres, legislação de
      mudança climática, tratados indígenas e direitos de imigrantes. As
      nomeações para o seu governo e os seus colegas Republicanos no Congresso
      são motivadas por uma ideologia militarista mais perto da doutrina
      Obama-Clinton do que a sua agenda "América primeiro". Ele está cercado na
      sua Administração por militares imperialistas, expansionistas territoriais
      e fanáticos delirantes.
       Quem vai ganhar a curto ou longo prazo está para ser visto. O que está
      claro é que os liberais, os falcões do Partido Democrata e os defensores
      dos bandidos fascistas de rua de camisas pretas, estarão ao lado dos
      imperialistas estarão ao lado dos imperialistas e encontrarão uma multidão
      de aliados entre em torno do regime Trump.

      28/Janeiro/2017
       O original encontra-se em  www.informationclearinghouse.info/46347.htm
       e em  www.globalresearch.ca/... 

In
RESISTIR.INFO
http://resistir.info/petras/trump_28jan17.html
6/2/2017

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