terça-feira, 25 de setembro de 2018

Bolsonaro X Haddad no segundo turno? Guerra híbrida continua vencendo




Wilson Roberto Vieira Ferreira

Mais uma vez a sabedoria desconfiada do velho Leonel Brizola. Acostumado com os
truques da geopolítica dos EUA, em 1989 Brizola acusava Lula de ser inflado pela
direita para mais facilmente a própria direita, representada então por Collor,
vencer. Tudo leva a crer que Bolsonaro e Haddad irão ao segundo turno. Otimismo
e ufanismo ganham a esquerda, saudando o gênio político de Lula, mesmo com todo
massacre midiático e “lawfare”. Como sempre, a esquerda apenas compreende a
superfície da atual guerra híbrida brasileira, em ação desde 2013. Para além do
 impeachment e a prisão de Lula, há um objetivo semiótico mais insidioso:
 polarização (petismo X anti-petismo) e despolitização (o jargão do
 empreendedorismo e moralismo travando qualquer debate de macro-conjuntura) -
infantilização o debate político através do ódio e irracionalidade de uma
opinião pública que se acostumou a odiar a Política. E nesse momento, a grande
mídia busca mais uma “bala de prata” para turbinar a polarização. Será que o
velho Brizola tem mais uma vez razão? (ilustração: Felipe Lima, "Gazeta do
Povo")
Dias antes da eleições que levariam Lula ao Segundo turno, contra Fernando
Collor,  em 1989, Brizola foi ao ar alertando as “forças democráticas” de que “a
 direita tinha feito muito esforço junto a Lula e ao seu movimento... encheram o
 balão de Lula para leva-lo ao segundo turno... Por que? Pois nós estamos vendo:
 será muito mais fácil derrota-lo do que qualquer um de nós...”.

O notável crescimento de Fernando Haddad nas últimas pesquisas e a consolidação
da ultrapassagem sobre Ciro Gomes é comemorada como praticamente uma definição
do cenário do segundo turno: Bolsonaro (o “coiso”) contra Haddad, visto agora
como uma esperança civilizatória à beira do abismo da barbárie.
Alguns ainda mais ufanistas vislumbram um crescimento escalar do candidato
petista com a transferência integral dos votos que pertenciam a Lula,  podendo o
 candidato do PT até vencer a eleição já no primeiro turno. E muitos saúdam o
 gênio político de Lula capaz de, dos cárceres da PF de Curitiba, reger o script
 e de colocar Haddad na cabeça da chapa no cenário mais oportuno.

Nesse momento vêm à mente aquele longínquo vídeo em tom conspiratório de Leonel
 Brizola. Lá nos anos 80 Brizola via a si mesmo como um legítimo herdeiro da
 luta contra o “entulho autoritário” que ainda persistia após a ditadura
 militar. E para ele, Lula era nada mais  do que um inocente útil usado para
travar as “forças democráticas”, conduzido ao segundo turno para uma derrota
anunciada diante de Collor.

Sobre este vídeo, o jornalista Paulo Henrique Amorim fez uma críptica
observação: “Collor preferia Lula a Brizola. Deu no que deu... Quem ganhou foi a
direita; confiscou a poupança e se entregou aos americanos”.

O perigo da simplificação

Mais do que Lula e o PT (haja vista a facilidade com que foi defenestrado do
Poder pela guerra híbrida), Brizola era muito sensível às manobras da logística
 norte-americana no Brasil – afinal, viveu toda a cena da desestabilização do
 governo João Goulart pelas estratégias do complexo IPES-IBAD (o Instituto
 Millennium da época), apoiado pela inteligência dos EUA, de 1962 a 64,
 preparando a opinião pública para a inevitabilidade e necessidade de um golpe
 militar.
Outra vez a sabedoria do velho Brizola pode revelar que o atual otimismo da
esquerda de retornar ao governo dois anos após o golpe pode ser simplificador e
perigoso. E que, mais uma vez, continua a não compreender os movimentos da
guerra híbrida. Agora, em sua fase decisiva depois de impregnar o psiquismo
nacional com a despolitização e polarização – “Guerra Híbrida”: a continuidade
da guerra convencional por meios semióticos. Articulação entre grande mídia,
Judiciário, ONGs, spin doctors, paid experts e técnicas de ação diretas nas ruas
para acender o rastilho de pólvora.
 A articulação da guerra híbrida com as bombas semióticas diárias da grande
mídia (bombas linguísticas que explodem fragmentos de significação para
impregnar a opinião pública de diversas maneiras – medo, ódio, insegurança,
dúvida etc., sem nunca conseguir concatenar causa e efeito) é de uma
complexidade de longo prazo, com diversas fases que, muitas vezes, se sobrepõem
como camadas. Atuando simultaneamente.

Se não, vejamos. O rastilho foi aceso com as ações diretas nas ruas nas
manifestações iniciadas em 2013 no sentido de se criar uma “Revolução Popular
Híbrida” – sobre a receita para fazer uma RPH, clique aqui.

Jovens liberais e até a extrema-esquerda (PSOL, PSTU etc.) seduzidos para criar
uma espécie de “Primavera Brasileira”, seguindo passo a passo a cartilha de
“Ação Direta” (táticas de promoção de “ação não violenta”) das pesquisas do
cientista político Gene Sharp, financiadas pela Fundação Ford. Essa era a
primeira fase: iniciar a desestabilização do Governo, principalmente às vésperas
de eventos de repercussão mundial: Copa do Mundo e Olimpíadas.
A segunda fase, simultânea e perpassando todas as fases posteriores, a
judicialização da política e do atual processo eleitoral – prisão de Lula, fake
news e STE etc. Subliminarmente reforçada pelo “meganhamento” da Justiça –
diariamente, a grande mídia gritando o mantra “policiais federais nas ruas!”
para dar destaque de portas sendo colocada abaixo pelos policiais, homens de
preto com toucas ninja e armados até os dentes levando políticos e empresários
algemados em prisões preventivas.
O que torna a grande mídia numa narrativa monofásica: corrupção e moralismo,
pautando Lava Jato, Polícia Federal, MPs e STF.
Claro que o objetivo imediato era, através do lawfare, derrubar o governo Dilma,
retirar as lideranças de esquerda, em particular Lula, para abrir espaço à
implementação das medidas econômicas neoliberais. Mas, principalmente,
desarticular à política externa de cooperação Sul-Sul que, ao lado do Pré-sal,
representava uma ameaça à geopolítica aos EUA.
Impregnação semiótica
Mas há algo mais insidioso, uma impregnação semiótica em corações e mente dos
brasileiro a longo prazo nesses últimos cinco anos, cujos panelaços, camisetas
verde-amarelas e “coxinhas” tirando selfies ao lado de policiais militares de
choque nas manifestações anti-Dilma eram apenas a superfície de um movimento
generalizado: polarização e despolitização, os dois lados de uma mesma moeda.
Segundo Antônio Martins, em análise no Jornal GGN sobre os gráficos da pesquisa
Ibope de intenção de voto divulgada em 19/09, a pesquisa mostra que as eleições
2018 estão polarizadas (uma disputa rasa entre petismo X anti-petismo) e
despolitizadas – um nítido descolamento entre as tendências políticas na
sociedade (civilização X barbárie, perda das históricas conquistas sociais etc.)
e as opções pelos candidatos.
Martins sintetiza da seguinte maneira:

A discrepância é clara, mas é preciso enunciar seu significado com todas as
letras: a polaridade petismo x antipetismo não expressa a tensão política real
em curso na sociedade brasileira. Ao contrário: falseia-a; e – muito pior – abre
um espaço inesperado para a direita, agora representada por sua fração extrema.
Em termos concretos, significa que dezenas de milhões de brasileiros contrários
à agenda de retrocessos imposta nos últimos dois anos estão sendo levados a
defendê-la. Fazem-no porque, no momento, veem o PT como inimigo principal a ser
 batido MARTINS, Antônio “Quem pode nos livrar de Bolsonaro”, Jornal GGN,
19/09/2018.

O intenso meganhamento da pauta da grande mídia e a judicialização da política é
uma evidente  manobra metonímica: ao tomar a parte pelo todo, rejeitar em bloco
a Política. Uma situação parecida com as eleições de 1989: a crise econômica e
hiperinflação (hoje, desemprego e disparada do dólar), a repulsa ao presidente
Sarney (hoje, Temer) e a dramaticidade social tanto lá como aqui. Lá havia a
rejeição aos políticos e Collor como a energia da juventude aliada ao appeal
antissistema.

A carga semântica da Política

E, como sempre, os candidatos a “antissistema” procuram um discurso livre da
carga semântica do discurso político – falam em “gestão”, “choque de
eficiência”, “visão empresarial”, “investidores”, “parceria”. Termos que fazem
qualquer jovem dono de alguma startup achar que o empreendedorismo puro e vestal
substituirá a Política suja e corrupta.

O que conduz à polarização. Ou mais precisamente, o anti-petismo, síntese de
tudo aquilo que o silogismo midiático levou a opinião pública: a repulsa à
corrupção e à Política.
A polarização despolitiza e impede qualquer debate político racional: entre os
candidatos não há mais qualquer debate macro (economia política, política
econômica, relações externas) ou micro (políticas sociais). Há apenas a
replicação das pautas da grande mídia: reformas, cortes de gastos, corrupção,
segurança e violência. E o monofásica exigência de Haddad fazer uma mea culpa à
Nação e pedir desculpas pelos esquemas de corrupção dos governos petistas.

Tudo parece apontar para um segundo turno Bolsonaro X Haddad. O que significa
mais um desdobramento bem sucedido da guerra híbrida: o reforço da polarização,
a verdadeira cortina de fumaça que esconde a real tensão política brasileira –
entre a implementação à força das medidas neoliberais (nem que seja pela via dos
fascismo, tendência histórica) e a sujeição de qualquer candidato ao onisciente
“mercado” contra uma política de governo social e trabalhista.
Como de costume, em polarizações emerge o candidato antissistema que quer “mudar
tudo isso que tá aí”: Collor em 1989 e Bolsonaro em 2018. Lá no passado, a
polaridade entre o baderneiro Lula X o verde e amarelo de Collor. E agora, as
polaridades voto masculino X feminino; Nordeste X Sudeste, anti-movimento
identitários X pró-movimentos identitários. Enquanto a tensão real civilização X
barbárie, fascismo X democracia, neoliberalismo X trabalhismo ficam em segundo
plano.
      Qual será a próxima "bala de prata"? Façam suas apostas...


Mídia quer turbinar polarização

   E tudo leva a crer que a grande mídia está nesse momento tentando encontrar
alguma “evidência” ou “indício” que leve mais uma vez ao jornalismo metonímico
que costuma criar “balas de prata” a poucas horas antes das eleições para
turbinar a polarização.

Mais uma vez o programa Fantástico desse último domingo volta à mala de dólares
e relógios cravejados de pedras preciosas apreendidos no aeroporto de Cumbica da
comitiva do vice-presidente da Guiné Equatorial, Teodoro Obiang Mang. Há dias o
episódio ronda os telejornais com o mote de uma dúvida bem marota: “No entanto
há uma questão em aberto: o destino dos US$ 16 milhões em espécie apreendidos. A
Polícia Federal investiga PARA ONDE seriam levadas as malas...”.

Detalhe: nos primeiros dias da cobertura, foto em destaque de Lula sentado em um
trono ao lado do presidente da Guiné Equatorial, Teodoro Mbasogo, pai do
vice-presidente.

Assim como a Polícia Federal pediu “mais tempo” para concluir a investigação
sobre o agressor de Jair Bolsonaro, Adélio Bispo – abriu “nova frente de
investigação” que tentará descobrir se houve a participação de OUTRAS PESSOAS...
Isso, a 15 dias das eleições, em timing perfeito para um “não-acontecimento”.
Enquanto isso, a Justiça dá permissão de que "Veja" e "SBT" entrevistem Adélio
na prisão às vésperas das eleições...

Claro, não há preço para o prazer da revanche de ver colunistas e os solertes
jornalistas de ponto eletrônico da Globo News tendo que engolir mais uma vez o
PT chegando a um segundo turno, mesmo com todo massacre midiático, lawfare,
 juízes e ministros do STF subitamente elevados a condição de celebridades
 televisivas por manter Lula no cárcere de Curitiba.
Porém, o que vemos é mais do mesmo: a guerra híbrida alcança seu objetivo mais
profundo, para além de tirar Dilma e Lula do poder – infantilizar o debate
político com ódio e irracionalidade para uma opinião pública que se acostumou a
odiar a Política. Cujo resultado é uma eleição decidida não positivamente pelo
voto, mas negativamente pela rejeição
E a decorrência perfeita para os interesses geopolíticos norte-americanos:
ingovernabilidade, seja lá para quem ganhar essas eleições.

In
CINEGNOSE
https://cinegnose.blogspot.com/2018/09/bolsonaro-x-haddad-no-segundo-turno.html#more
24/9/2018

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