quarta-feira, 5 de setembro de 2018

Do fim da URSS à atual russofobia

 

   

       Notas de Dmitri Rogozin, um embaixador russo junto à NATO (2)

       por Daniel Vaz de Carvalho 

      "Uma permanente marca de desonestidade. Esta a essência antinacional dos
      liberais"
       "O cinismo da NATO ultrapassa os piores cínicos deste mundo"
       3 - Os "liberais"
       4 - As guerras civis
       5 - A NATO, a UE e a atual russofobia 
        3 - Os "liberais" 
       Dmitri Rogozin (DR) fala do liberalismo como uma doutrina do roubo. [1] O
      nosso Oliveira Martins já havia dito algo semelhante nos finais do século
      XIX. O mais adequado seria DR referir-se a neoliberalismo, não confundindo
      a raiz popular e revolucionária do início do século XIX que, inspirada nos
      ideais da Revolução Francesa, realizou em Portugal a Constituição de 1820
      e combateu o absolutismo. O que existe atualmente é o neoliberalismo, a
      mais completa perversão daqueles ideais sob uma fachada democrática
       permitida pela social-democracia e o dito socialismo democrático. 
       Conceitos que eram meras hipóteses no Ocidente foram aceites com toda a
       fé e indiscutíveis na Rússia. Cada teoria europeia  (leia-se UE)  era
      primeiro transformada em axioma, depois em dogma e então em nova realidade
      política.(44)
       Em resultado das privatizações um pequeno grupo de aventureiros que
      formavam o círculo de "reformadores" de Yeltsin, arrebatou recursos
      naturais e indústrias. Estes "heróis" eram regularmente convidados para
      conferências em Londres, Davos, etc, quando o mais apropriado seria
      ouvi-los no gabinete do procurador e mandá-los para a Sibéria, não para a
      Suíça.(116)
       Os liberais depois de destruírem a URSS provocaram a guerra da Chechénia
      e empurraram os povos da Rússia uns contra os outros. Destruíram a moral e
      a ética públicas e corromperam o poder das Forças Armadas. Devido às suas
      atividades criminosas o conceito de liberalismo, tornou-se sinónimo de
      traição nacional.(119) Devido aos esforços dos liberais a palavra patriota
       estava a ser considerada uma palavra suja: "o patriotismo é o último
      refúgio de um patife".(260)
       Os liberais não representavam uma ideologia definida. Os seus apologistas
      eram jovens e diligentes mediocridades dos anos 80. Doutorados de fresca
      data que atacavam com toda a segurança a economia política do socialismo e
      estudos do comunismo. Estavam simplesmente a ser solicitados pelo regime
      de Yeltsin.(288)
       A insídia ia ao ponto de argumentarem perante críticas que "tínhamos de
      ser amigos do Ocidente mesmo quando eles estão errados".(238)
       A imprensa liberal tornou-se uma envenenadora. No início dos anos 90, a
       anterior imprensa soviética foi deixada sem meios de existência acabando
      nas mãos dos oligarcas.(104) Jornalistas que em privado não deixavam de
      lamentar a sua triste sorte, escravizados pelos patrões, em público
      reagiam com indignação quando as suas "sujas sugestões" eram negadas. Tal
      é a "liberdade de opinião", fórmula adotada pelos multimédia globais como
      ferramenta para distorcer os factos, condimentada com veneno vindo de
      figuras "progressistas". Tal era o jornalismo liberal. A verdade passou a
      ser uma mentira multiplicada inúmeras vezes pelos pasquins. Desta forma
      nações inteiras foram  (e são!)  sujeitas a abusos e insultos.(105)
       A mente de milhões de pessoas nos EUA, UE, e no resto do mundo, foram
       criminosamente manipuladas contra a sua vontade por fazedores de notícias
      profissionais.(106) Os cavaleiros sem vergonha do jornalismo exploraram
      trágicos acontecimentos e conceberam o seu próprio ritual de guerra no
      qual um agressor se torna vítima e uma vítima o agressor.(108)
       Agora os nossos liberais preferem viver sob as instruções do Comité de
      Washington e juntam-se com "ideias originais" à caça de votos. Ora,
      ora.(120)
        4 - As guerras civis 
       DR descreve as diversas guerras civis, invasões e agressões contra o
      território russo, em particular as da Chechénia e a sua intervenção como
      mediador em várias situações com vistas ao restabelecimento da paz e
      salvaguarda das populações. 
       As últimas guerras na Europa estão ligadas ao colapso da URSS e da
      Jugoslávia. A NATO cometeu um ato de agressão selvagem para provocar a
      desintegração da Jugoslávia.(327)
       A história da sangrenta desintegração dos Balcãs que terminou com os
      bombardeamentos da NATO sobre Belgrado é idêntica ao fim da URSS. A única
      diferença é que a Rússia possui armas nucleares. Apenas esta circunstância
      nos salvou de uma intervenção dos "poderes democráticos" que de outra
      forma ter-se-iam apressado a apoiar os rebeldes da Chechénia.(175)
       As calamidades começaram no Ngorno-Karaback, Geórgia, Republicas Bálticas
      e Uzbequistão e depois por toda a parte. Em meados dos anos 90, no
      Tajiquistão. 1500 russas foram literalmente feitas em pedaços pelos
      islamistas. Mulheres foram obrigadas a despir-se completamente e a andar
      em círculo acompanhadas por tiros e risadas dos agressores. As vítimas em
      vão esperaram solidariedade de Yeltsin.  (ou do Prémio Nobel da Paz,
      Gorbachov)  Os noticiários omitiam os factos para "não excitar ódios
      étnicos". A verdade foi escondida para que a nação não exigisse uma ação
      de resposta.(24)
       Antes de ser iniciada a guerra na Chechénia bandidos de todas as
       nacionalidades foram acolhidos  (tática semelhante seguida na Síria e na
      Líbia)  , ante a passividade das autoridades. Em 1992, generais russos,
      cometeram um ato de traição sem precedentes entregando a unidades ilegais
       armamento, aviação, mísseis.(143, 147)
       Durante os quatro anos de regência do separatista Dudayev na Chechénia,
      procedeu-se à aniquilação da população russa. Em 1994 registou-se o
      assassinato de 2000 cidadãos. A propaganda ocidental retratava estes
      "senhores da guerra" como "combatentes da liberdade". (146, 149) Apesar do
       rapto de mulheres, de crianças e adolescentes torturados e mortos pelos
       "combatentes da liberdade" e isto ser do conhecimento de Yeltsin e da sua
      equipa nada foi feito. Nem uma palavra contra Dudayev lhes saiu da
       boca.(150) A Arábia Saudita financiava estes gangs.(167)
       Milhões de toneladas de petróleo foram roubadas e o lucro depositado nas
      contas pessoais de Dudayev e dos seus apoiantes clandestinos em Moscovo
       (governo "liberal reformista" de Gaidar).  (148)
       DR foi acusado criminalmente de fazer propaganda da guerra ao propor a
       intervenção armada para defender cidadãos russos, o que está previsto na
      ordem internacional e foi usado inúmeras vezes pelos países da NATO.(261)
       Jaba Iosseliani, um ladrão de bancos, tornou-se líder de um grupo
       paramilitar na Geórgia pesadamente armado, famoso pelos massacres na
       Abkásia.(95)
       Em 2002 comandos dos EUA participaram nas agressões da Geórgia,
       deteriorando de forma grave as relações entre a Rússia e os EUA. (261) Em
      2008, tropas da Geórgia treinadas por instrutores dos EUA atacaram a
      Ossétia do Norte expulsando a população russa. Em Beslan 350 crianças de
      uma escola foram mortas.(213 e 340).
       As tropas russas intervieram e em cinco dias o exército georgiano põe-se
      em debandada "para vergonha dos seus instrutores". Toneladas de mentiras
      foram debitadas no Ocidente, acusando a Rússia de uso de força
      desproporcional como se os bombardeamentos da NATO sobre a Jugoslávia  (ou
      sobre o Iraque, Líbia, etc)  fossem "proporcionais".(341) Nas capitais
      europeias foram organizadas manifestações contra a Rússia supervisionadas
       pelos serviços secretos da Geórgia.(342)
       Filofascistas declarados assumiram o poder na Roménia com apoio do
       Ocidente(74). A ordem do governo de Moscovo para o exército estacionado
       em Tiraspol foi: "não se envolver" perante a agressão fascista
      romeno-moldava na Transnítria. Foi como proferir uma sentença de morte
      para 150 mil habitantes. Em 22 de junho de 1992, comemorando a agressão
      nazi contra a URSS a aviação moldava bombardeou território russo.(83, 84).
      Nos Estado Bálticos realizavam-se marchas de nazis e veteranos das Waffen
      SS. (89) Em 2009, o presidente da Roménia, Besesku, assumia como seu ídolo
       o ditador nazifascista Antonescu.(77)
       Enquanto todas estas tragédias se desenrolavam o "Ocidente" olhava para o
      lado e os "enviados especiais" dos media teciam loas ao fim da URSS e
      acusavam – e acusam – o poder soviético de todas as malfeitorias. 
        5 - A NATO, a UE e a atual russofobia 
       Em 24 de maio de 1941 escrevia Goebbels no seu diário: "A Rússia deve ser
      dividida nos seus componentes. Não se pode tolerar a existência a Oriente
      de um Estado tão vasto". [2]
       Este texto exprime o pensamento da atual russofobia, De facto, as teses
      de Goebbels fazem escola no mundo dirigido pelo imperialismo. 
       Nos Estados Bálticos instaurou-se desde logo um poder fascizante,
       assumindo-se não apenas contra a URSS, mas desde logo a russofobia
       retirando direitos aos cidadãos russos, privando-os de direitos
       políticos, fechando escolas, proibindo às crianças falarem russo nas
      escolas.(86) Como afirmou a DR um diplomata de um dos Estados Bálticos,
      seria uma forma do "seu pequeno país obter apoios do Ocidente e da UE".
      Isto vai para além do cinismo.(89)
       Em visita que realizei recentemente à Estónia, a guia turística
      referiu-se assim à história do seu país: "fomos independentes entre 1917 e
      1944, quando fomos invadidos pelos russos". Omitia que o seu país esteve
      ocupado pela Alemanha nazi, donde partiram ataques à URSS e foram formadas
      unidades locais SS e realizados massacres sobre a população. Na Finlândia,
      que foi base nazi e participou na agressão contra a URSS, foi dada a mesma
       versão da "invasão russa" em 1944. É esta a visão NATO da 2ª Guerra
      Mundial: a libertação dos povos da agressão e da barbárie nazi é
      transformada em "invasão russa"... 
       A NATO assumiu pela primeira vez na sua história o direito de conduzir
       operações fora da sua zona de responsabilidade. O papel da ONU em todo
      este processo foi lamentável.(180)
       As tropas da NATO despejaram na Sérvia 23 toneladas de urânio 238
       empobrecido (depleted uranium), causando doenças por radiação a meio
       milhão de pessoas. Porque é que os seres que protegiam as suas casas da
      violência são levados a tribunal e não a NATO ou os terroristas do Kosovo,
      verdadeiros criminosos.(185) A prisão de Milosevic e Karadzic, deixa os
      liberais de Belgrado com uma permanente marca de desonestidade. Esta a
      essência antinacional dos liberais.(186)
       No final do século XX os EUA posicionaram-se a si próprios como um
      hiperpoder que aspira a ter o monopólio sobre a regulação global de
      processos de autodeterminação e direitos de soberania. Washington
      empreendeu reajustar o mapa político global atomizando grande países ou
      então diluindo a sua soberania com organizações internacionais de cariz
      imperial, de que a NATO é um exemplo.(329)
       A expansão da NATO para leste é um projeto de natureza essencialmente
      trotsquista que mina a Europa mais do que se nenhuma ação fosse feita. O
      domínio sobre os países do leste europeu não teve impacto positivo. A UE
      não está a crescer, pelo contrário, está a reduzir-se num genérico sentido
      cultural e espiritual. A segurança não foi reforçada, pelo contrário saiu
      enfraquecida. Qualquer ação é suposta ter um sentido e um objetivo. Qual é
       o objetivo da expansão a leste: "Democracia, reforço dos direitos
      humanos, etc?" Tudo isto é demagogia. A NATO é uma aliança militar.
      Veja-se a crise permanente na Ucrânia e a falência da Geórgia.(317, 318)
       Os EUA e aliados assaltaram o Iraque provocando a morte a imensas
      pessoas. Porquê? Será que podemos aceitar como razão para uma guerra que
      uma nação não goste da outra? Esta guerra evidenciou que se Saddam
      possuísse efetivamente armas de destruição maciça os EUA nunca teriam
      enviado a sua tropa para lá. (319, 320)
       Quanto à UE contemporânea, caracteriza-se por fraca força de vontade e
      ausência de princípios. Os seus dirigentes são apenas bombeiros que tentam
      apagar fogos políticos quando e se se desencadearem. Têm falta de visão
      quanto ao futuro e de memória histórica também.(47)
       No conflito da Chechénia o Conselho da Europa e o Parlamento Europeu
       assumiram o papel de instigadores do conflito.(237) Embora a contribuição
      da Rússia correspondesse a 13% do orçamento do Conselho da Europa
      limitava-se a poder enviar uma delegação de 36 membros quatro vezes por
      ano, ás suas custas, e serem tratados como colegiais sucessivamente
      falhados. A russofobia levou mesmo a que fossem feitas propostas em
      diversas circunstâncias para impedir a Rússia de votar e mesmo de falar da
      tribuna.(317)
       A atitude de confronto, a cruzada em curso contra a Rússia não ajudou a
      resolver um único problema internacional do Ocidente. Excesso de fluxos de
      emigrantes, drogas ilegais, máfias, problemas ambientais, desintegração
      moral.(323)
       Não importa quão intensa seja a campanha para retratar o nacionalismo
      russo como ameaça fascista. No meu país a ideologia nazi nunca terá lugar:
      pagou um preço terrível – 27 milhões de vidas humanas – para libertar o
      mundo da peste castanha. (117)
       O nosso objetivo é prevenir a restauração do poder dos anos 90 e da sua
      liberal roubalheira. (283) A Rússia tem os seus próprios meios e métodos
      independentes de assegurar a sua segurança. Não temos intenção de ceder a
      nossa soberania nem entregar a salvaguarda da nossa independência a um tio
      do outro lado do Atlântico.(321)
       As relações de cooperação entre Estados têm de se basear em princípios de
      igualdade, integridade, segurança e confiança mútua. (322) A visão
      hipócrita da comunidade global liderada pelos EUA deve ser tomada por
      aquilo que é: uma manifestação de hipocrisia e um acessório das ações de
      política estrangeira.(77) Na verdade, o cinismo da NATO ultrapassa os
      piores cínicos deste mundo.(341) Contudo a NATO nunca entrará em guerra
      contra a Rússia. Mas certamente há um "se":   se a Rússia permanecer um
      poder forte e soberano. (326)
       [1]  The hawks of peace , Glagoslav Publications, Londres, 2013.   Entre
      parêntesis os números da páginas a que se referem os textos.   Em itálico
      algumas notas ou comentários aos textos de DR.
       [2] Elena Rzhevskaia, O fim de Hitler, Ed. Arcádia, p. 50 
       A primeira parte deste artigo encontra-se em 
      https://v_carvalho/rogozin_resenha_1.html 
       Este artigo encontra-se em  https://resistir.info/ .  

In
RESISTIR.INFO
https://www.resistir.info/v_carvalho/rogozin_resenha_2.html#notas
5/9/2018

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