domingo, 16 de setembro de 2018

Sair da guerra contra a Síria


Thierry Meyssan

A Casa Branca não consegue retirar-se da guerra na Síria. O Presidente Trump
enfrenta-se, ao mesmo tempo, com o auto-proclamado «Estado Estável» (segundo o
editorial anónimo do New York Times), que prossegue a estratégia
Rumsfeld-Cebrowski, e com as reactivadas ambições dos seus aliados israelitas,
franceses, britânicos e turcos. A lógica destes interesses poderá deslocar a
guerra em vez de a resolver.
Enquanto a Casa Branca e a Rússia se puseram de acordo para por fim à guerra,
por interpostos jiadistas, na Síria, a paz tarda em chegar. Ora, porquê ?
Porquê a guerra contra a Síria ?
Contrariamente a uma ideia generalizada por sete anos de propaganda, a guerra
contra a Síria não é uma «revolução que deu para o torto». Ela foi decidida pelo
Pentágono em Setembro de 2001, depois longamente preparada, com algumas
dificuldades é certo.
Uma guerra preparada durante uma década
  A preparação da guerra é largamente escalpelizada no último livro de Thierry
  Meyssan. Ele está disponível em francês, em espanhol, em russo e em turco. Em
  Setembro, será publicado em inglês, em árabe e em italiano.
Relembremos as principais etapas desta planificação :
 Em Setembro de 2001, o Secretário da Defesa dos EUA, Donald Rumsfeld adopta a
estratégia do Almirante Arthur Cebrowski. As estruturas estatais de metade do
mundo deveriam ser destruídas. Os Estados Unidos controlarão o acesso pelos
Estados cuja economia está globalizada aos recursos naturais das regiões
não-conectadas à economia global. O Pentágono começará a sua obra «remodelando»
o «Médio-Oriente Alargado» [1].
 A 12 de Dezembro de 2003, George Bush Jr. assina a Lei sobre a restauração da
soberania libanesa exigindo contas à Síria (Syria Accountability and Lebanese
Sovereignty Restoration Act). A partir daqui, o Presidente dos Estados Unidos
tem o direito de entrar em guerra contra a Síria sem ter que passar pelo
Congresso [2].
 Em 2004, aquando da cimeira da Liga Árabe em Túnis, o Presidenta Ben Ali tenta
fazer passar uma moção autorizando a Liga a legitimar o uso da força contra os
Estados- membros que não respeitem a novíssima Carta de Direitos do Homem da
Liga.
 Em 2005, a CIA organiza a revolução colorida “do Cedro” no Líbano. Assassinam o
líder sunita Rafic Hariri e tornam responsáveis por isso os Presidentes cristão
libanês e alauíta sírio, trata-se de provocar um levantamento sunita contra a
Força Síria de manutenção de paz [3]. No momento em que os Marines estão prontos
a desembarcar em Beirute, a Síria retira por sua iniciativa e o balão esvazia-se
[4].
 Em 2006, Dick Cheney confia à sua filha, Liz, o cuidado de criar o «Grupo para
a Política e as Operações no Irão e na Síria» (Iran Syria Policy and Operations
Group). Ela organiza o ataque israelita contra o Hezbolla, pensando que ele não
resistirá muito tempo. Os Marines dos EUA desembarcarão em Beirute e continuarão
a sua marcha «libertadora» até Damasco. A operação falha e Israel tem que bater
em retirada após 33 dias de combates [5].
 Em 2008, Washington tenta de novo recriar o conflito a partir do Líbano. O
Primeiro-ministro Fouad Siniora decide cortar as comunicações internas da
Resistência e interromper os transportes aéreos com Teerão. Em poucas horas, o
Hezbolla destrói o dispositivo militar ocidental e repõe em acção o conjunto das
suas infraestruturas.
 Em 2010, Washington adopta a «liderança pela retaguarda» (leading from behind).
A Administração Obama confia ao Reino Unido e à França o ataque contra a Líbia e
a Síria (acordos de Lancaster House).
 Em 2011, inicio das operações militares na Síria.
É, portanto, absurdo evocar a guerra contra a Síria como um acontecimento
espontâneo sui generis [6].
Uma guerra indirecta
A originalidade da guerra contra a Síria é, claro, de ter sido declarada por
Estados (os «Amigos da Síria»), mas, na prática, ter sido conduzida quase
exclusivamente por exércitos não-estatais, os jiadistas.
Durante os sete anos desta guerra, mais de 250. 000 combatentes chegaram do
estrangeiro para se baterem contra a República Árabe Síria. Tratava-se, é certo,
de carne para canhão, gente muitas vezes insuficientemente treinada, mas,
durante os quatro primeiros anos, estes soldados estavam mais bem armados do que
o Exército Árabe Sírio. O maior tráfico de armas da história foi organizado para
os aprovisionar com material de guerra [7].
Desde a Renascença europeia que os Ocidentais jamais haviam recorrido a
mercenários numa tal escala [8].
É, portanto, absurdo falar em «revolução que deu para o torto».
  O desmantelamento do Próximo-Oriente planificado pelo Pentágono no quadro da
  estratégia do Almirante Cebrowski. Este mapa foi publicado pelo Coronel Peters
  em 2006, mais ele já tinha sido comentado, precisamente antes dos atentados do
  11 de Setembro de 2001.
Uma guerra supervisionada por aliados com os seus próprios objectivos
Ao recorrer a Israel para atacar o Líbano, depois confiando as guerras da Líbia
e da Síria ao Reino Unido e à França, e, por fim, utilizando as instalações da
OTAN na Turquia, o Pentágono deixou que o seu plano fosse perturbado pelos seus
aliados.
Como em todas as guerras, o país líder deve prometer aos seus aliados, para
estes o seguirem, que encontrarão um retorno após o seu investimento. Ora, com a
entrada da Rússia na guerra, a vitória ocidental tornou-se impossível. Cada um
dos aliados dos Estados Unidos virou-se, pois, progressivamente, para a sua
própria estratégia nesta região. Com o tempo, os objectivos de guerra dos
aliados sobrepuseram-se aos dos Estados Unidos, os quais, por si, se recusaram a
investir militarmente tanto quanto o deveriam ter feito.
Israel
Prosseguindo a ideologia colonial de alguns dos seus pais fundadores, Israel põe
em marcha uma política de divisão dos seus grandes vizinhos em pequenos países
étnica ou religiosamente homogéneos. Assim, apoiou inutilmente a divisão do
Líbano num Estado muçulmano e num outro cristão, ou ainda a criação de um
Curdistão no Iraque, depois na Síria. Não dispomos de documentos da estratégia
israelita, mas, retrospectivamente, a linha seguida por Telavive corresponde ao
«Plano Yinon» de 1982 [9] ou à do Institute for Advanced Strategic and Political
Studies de 1996 [10].
A estratégia israelita cola-se à das grandes linhas da «remodelação do
Médio-Oriente» de Rumsfeld e Cebrowski. No entanto, ela não tem, de modo nenhum,
o mesmo objectivo: o Pentágono quer controlar o acesso dos países desenvolvidos
às riquezas da região, enquanto Israel quer assegurar-se que nenhum dos seus
vizinhos será suficientemente forte para se levantar contra si.
O Reino Unido e a França
O Reino Unido e a França renovam a sua política colonial, tal como ela era
expressa na altura da queda do Império Otomano e da divisão do Médio-Oriente (os
Acordos Sykes-Picot).
Os Britânicos retomam a «Grande Revolta Árabe de 1915» que Lawrence da Arábia
lançara contra os Otomanos. À época, prometeram a liberdade a todos os Árabes se
eles derrubassem o jugo otomano e colocassem os wahhabitas no Poder. Desta vez,
prometem-lhes a liberdade se derrubarem todos os seus governos nacionais e os
substituírem pelos Irmãos Muçulmanos. Mas, nem em 1915, quando o Império
Britânico substituiu o Império Otomano, nem em 2011, os Árabes chegarão à sua
liberdade. É este o plano da «Primavera Árabe de 2011» [11].
Os Franceses buscam restabelecer o mandato que a Sociedade das Nações lhes
tinham confiado sobre a Síria. Isto é o que explica o sobrinho-neto de Picot (o
dos Acordos Sykes-Picot), o antigo Presidente Giscard d’Estaing [12]. E, é o que
reclama o Presidente Hollande durante a sua viagem às Nações Unidas, em Setembro
de 2015. Tal como em 1921, a França apoia-se na separação étnica de Curdos dos
Árabes. Ela defende, portanto, a criação de um Curdistão, não sobre o seu
território histórico na Turquia, mas seja onde for, sobre terras árabes na
Síria.
A Turquia
A Turquia, quanto a si, sonha concretizar a promessa do seu fundador, Mustafa
Kemal Atatürk, o «Juramento Nacional» (Misak-ı Millî) [13], adoptado pelo
Parlamento otomano a 12 de Fevereiro de 1920. Ela pretende, ao mesmo tempo,
anexar o Norte da Síria, incluindo Alepo, e eliminar os Cristãos, aqui incluídos
os Católicos em Maaloula e os Arménios em Kessab.
Ela entra em conflito com os outros aliados : com os Israelitas porque quer
anexar o Norte da Síria e não autonomizá-lo; com os Britânicos porque quer
restaurar o Califado otomano; e com os Franceses porque se opõe à criação de um
Curdistão independente na Síria. Acima de tudo, entra em conflito com os
próprios Estados Unidos porque eles não escondem querer destruí-la depois de ter
desmantelado a Síria [14].
Como sair desta guerra ?
Após sete anos de combates, o Estado sírio continua de pé. A República Árabe da
Síria e os seus aliados, a Rússia, o Irão e o Hezbolla estão por cima. Os
exércitos estrangeiros (os jiadistas) sofreram uma derrota esmagadora, mas não
os seus comanditários : os Estados Unidos, Israel, o Reino Unido e a França, a
Turquia.
A guerra não só despertou as ambições do início do século XX, como nenhum dos
protagonistas que não experimentaram a derrota no seu próprio corpo está pronto
a abandonar o combate.
Parece estúpido querer começar do zero uma guerra já perdida pelos jiadistas. A
presença do exército russo torna agora impossível qualquer confrontação directa.
Longe de ter sido destruída, a população síria está agora temperada, pronta para
suportar mais e muito melhor armada. Acima de tudo, ela reflectiu muito e é
menos manipulável do que em 2011. No entanto, tal como na época, a retórica
política ocidental retomou a sua ladainha de «Bashar deve partir».
A lógica apontaria, portanto, para que o conflito prossiga num outro terreno. Se
no passado, o Almirante Cebrowski havia previsto levar num segundo tempo a
guerra à Ásia Central e do Sudeste, os seus sucessores devem primeiro acabar com
o Médio-Oriente Alargado. Actualmente, eles consideram a possibilidade de
reacender o solo iraquiano, como se pode ver com a espectacular reviravolta da
Administração Rohani e os tumultos em Bassorá.
Thierry Meyssan
Tradução
Alva


In
VOLTAIRENET.ORG
http://www.voltairenet.org/article202876.html
11/9/2018


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