terça-feira, 29 de janeiro de 2019

A tragédia neoliberal de Brumadinho









 por Andre Araujo


Os fanáticos das privatizações só veem vantagens em qualquer privatização. A
máxima de uma empresa privada consagrada pela segunda onda do capitalismo é
MAXIMIZAR O VALOR PARA O ACIONISTA. Dento dessa lógica a ferramenta central é a
redução de custos dos fatores de produção, a redução de custos está por trás da
recente tragédia do rompimento da represa de Brumadinho.
Nem sempre foi assim. O capitalismo imperial nascido na Inglaterra na virada do
Seculo XVIII para o XIX tinha uma lógica de poder ligado à visão civilizatória
de mundo que vinha do "ethos" britânico. Os ingleses espalharam pelo mundo suas
ferrovias, plantações, docas (até o porto de Manaus era inglês). Junto com o
investimento vinha um estilo, uma postura de orgulho da civilização inglesa
espalhada pelos territórios primitivos.
As obras de engenheiros britânicos eram de extraordinária qualidade como as
represas que deram energia a São Paulo, a Gurapiranga e a Billings, sem um único
acidente em mais de um século, a ferrovia da Serra do Mar de São Paulo a Santos,
a maior do mundo em cremalheira em um declive impossível, linhas de navegação,
serviços de águas, companhias de bondes, gás e eletricidade. Pelo caminho abriam
mercado para os produtos da crescente indústria inglesa. Era uma visão de
conquistadores mais do que de contadores. Cecil Rhodes criou um País e o Império
britânico dominava 1/4 da superfície terrestre.
O atual capitalismo de matiz americanizada tem uma lógica mais estreita ligada
ao valor das ações na bolsa, não há interesse na glória de um império, por isso
veem como normal vender uma empresa símbolo como a MONSANTO, ícone de St.Louis
para os alemães da Bayer. O negócio foi bom para os acionistas da Monsanto e
isso é a única coisa que interessa. O orgulho americano e os 14.000 empregos
cortados nos EUA não valem nada.
O estouro das represas da VALE se insere nessa lógica. É óbvio, evidente,
cristalino, que o desastre nasceu da INSUFICIÊNCIA da barragem de contenção dos
rejeitos. Não houve trovão, tempestade ou terremoto para culpar. A pressão do
material contido foi maior do que a resistência da barragem e essa só rompeu
porque o muro deveria ser maior e mais espesso, o que custa mais investimento e
MENOS VALOR PARA O ACIONISTA. É simples assim.
Técnicas de barragem são conhecidas desde os sumérios e assirios, há 10 mil
anos. O cálculo é perfeitamente possível, o animal castor constrói barragens que
não se rompem, os romanos e árabes construíram barragens precisas, as grandes
hidroelétricas brasileiras têm barragens monumentais e seguras.
Hoje, o executivo é treinado para economizar no CURTO PRAZO, mesmo com o risco
de prejuízos no longo prazo. Mas aí o executivo pode ser outro.
Toda, absolutamente toda a bússola da administração de uma EMPRESA DE MERCADO
está no valor das ações. Essa é a religião dos administradores. Não há nenhum
valor social, humanitário, patriótico no código dos rapazes com MBA, são mentes
estreitas, focadas em um só objetivo.
Citemos um exemplo, a ELETROPAULO. Quando estatal a falta de energia durava 1, 2
ou 3 horas, quando havia. Hoje leva no minimo 10 horas e há muitos casos de
falta de energia por mais de 24 horas ou até 4 dias. Qual a explicação? Para
maximizar o lucro, e portanto o VALOR PARA O ACIONISTA, desmontou-se todo o
valioso sistema de manutenção das redes, que vinha da antiga companhia São Paulo
Tramway, Light and Power, de espírito inglês. Os funcionários tinham orgulho do
uniforme LIGHT, orgulho que continuou na ELETROPAULO, estatal que tinha 27.000
empregados, número compatível com a extensão da concessão, uma das maiores do
mundo, atendia a Grande São Paulo com 20 milhões de habitantes. Depois de
privatizada o número de empregados caiu para pouco mais de 3.000, a manutenção
foi terceirizada para quem cobrasse o menor preço. Obviamente que nesse esquema
a qualidade dos funcionários caiu de 100 para 5, o serviço ficou péssimo, tudo
em função de criar o MAIOR VALOR PARA O ACIONISTA.
Enquanto isso os Sardenbegs & Tecos da mídia só veem vantagem nas privatizações,
continuam alardeando que o Brasil tem 400 estatais, nenhum Pais tem tantas,
etc., o que é PURA LENDA. Os Estados Unidos tem estatais em numero de 8.600 mas
com outro nome, são entes públicos que cuidam de águas e esgotos, aeroportos,
portos, transportes coletivos nas cidades, usinas hidroelétricas, rodovias
pedagiadas. O FORMATO LEGAL é de ente público mas têm a mesma função de estatais
no Brasil. Aqui é SABESP, lá é NEW YORK WATER DEPARTMENT, mas fazem exatamente a
mesma coisa, fornecem água, emitem fatura casa a casa, tem reservatórios,
consertam as tubulações na rua, só que nos EUA não tem o nome de ESTATAIS, aqui
seriam estatais.
Nos EUA são raríssimos aeroportos privados, no Brasil os maiores já são
privatizados, nos EUA as rodovias com pedágio são do Estado e não de companhias
como a CCR, os transportes coletivos são das Prefeituras, as represas e usinas
hidroelétricas são Federais, os portos são estaduais. Os EUA, matriz do
capitalismo neoliberal, NEM COGITAM DE PRIVATIZAR aeroportos, serviços de água,
portos, ônibus e metrô, REALIDADE QUE OS NEOLIBERAIS BRASILEIROS ESCONDEM.
Por que os americanos não pensam em privatizar? Porque eles sabem que certos
serviços públicos devem ter como prioridade o atendimento ao interesse publico e
não o MÁXIMO VALOR AO ACIONISTA, certos serviços não se prestam a ser
financeirizados.
A Companhia Vale do Rio Doce tem origem no governo Arthur Bernardes e foi
estatal por 60 anos. NÃO HOUVE ROMPIMENTO DE REPRESA nesse período. A Companhia
tinha um viés de interesse público e era assim dirigida por engenheiros com foco
no Pais e não na Bolsa de Nova York.
A privatização da VALE foi um banquete da especulação financeira, os grupos mais
piratas do Brasil se sentaram à mesa para trinchar o porco, ninguém estava
minimamente interessado em produção e País, o único que queria disputar e que
era do ramo, Antonio Ermirio de Moraes, foi posto para fora do leilão.
Conclusão, hoje a VALE é uma empresa de financistas, sua única lógica é a de
mercado de ações, é dirigida por financistas desde a privatização.
E ainda o novo governo tem como bandeira AFROUXAR OS CONTROLES AMBIENTAIS para
estimular a mineração na Amazônia.
Na verdade as BARRAGENS DE CONTENÇÃO DE REJEITOS deveriam ter regras de
RECUPERAÇÃO DE SOLO para evitar que nas áreas de mineração só fiquem crateras
lunares, as áreas deveriam ser replantadas para uso ao menos recreativo, é assim
que fazem países civilizados, como o Canada.
A mineração no Brasil rende dólares hoje, mas deixa para trás uma ruína
ambiental muitas vezes maior do que o que o Brasil ganhou com a exportação de
minério barato. Qual a vantagem para o povo brasileiro? Mineração desse estilo é
para países primitivos, o Brasil deveria ter outro rumo para seu futuro.
Por ironia da História, o desastre se dá exatamente no início de um governo que
tem como uma de suas bandeiras RELAXAR a fiscalização ambiental que já é quase
nula no Brasil. Hoje, no espasmo do desastre, se verifica que só 3% das
barragens brasileiras foram fiscalizadas nos últimos dois anos.
País que não liga para dano ambiental é país primitivo, incivilizado. Essa
atitude é indigna do Brasil moderno e com pretensões de grande Pais.

In
GGN
https://jornalggn.com.br/noticia/a-tragedia-neoliberal-de-brumadinho-por-andre-araujo
29/1/2019

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