terça-feira, 19 de abril de 2022

A principal contradição da economia moderna

 


    Sergei Ushakov



A crise actual do sistema económico global é impossível de resolver
dentro da estrutura do modelo existente da distribuição de riqueza...

A contradição fundamental que está na base da maior parte dos problemas
da moderna economia global é a contradição conectada ao crescimento da
produtividade do trabalho.

Ela consiste nisto: durante o crescimento da produtividade do trabalho
há uma necessidade de menos pessoas a fim de produzir uma quantidade
suficiente de bens para atender todas as necessidades naturais da
população. Mas dentro da estrutura de uma economia de
mercado/capitalista/liberal/monetarista, isto inevitavelmente leva ao
crescimento do desemprego. Ou seja, do número de pessoas que precisam de
bens mas não podem ganhar dinheiro para isto.

O número de desempregados /“desnecessários”/ está a crescer como uma
avalanche, em resultado do que o crescimento da produtividade do
trabalho leva ao aumento da estratificação social e, paradoxalmente à
primeira vista, ao crescimento do número de pobres (tal como, na sua
época, a leis acerca das /enclosures/
<https://en.wikipedia.org/wiki/Enclosure#Enclosure_riots> levaram ao
surgimento na Inglaterra de um enorme número de /“desnecessários”/).

Na linguagem da /“Teoria económica”,/ a procura existe, mas não há
suficiente procura garantida.

Além disso, neste sistema não há estado de equilíbrio. Cada ciclo leva
ao facto de que as quantidades produzidas de bens não é suficiente para
o consumo universal, mas ao mesmo tempo é redundante para a parte da
população que é capaz de comprá-los.

Portanto, a produção é reduzida reiteradamente, os trabalhadores são
reiteradamente demitidos. O número de desempregados cresce, o volume da
procura garantida cai.

Foi nesta lógica, a propósito, que aconteceu o colapso ucraniano da
/“integração europeia”./ A UE considerava a Ucrânia apenas como um
mercado para bens europeus, sem pensar onde os ucranianos obteriam os
meios para a sua compra (e sem criar condições para tais ganhos). Em
consequência, após o colapso lógico da economia ucraniana devido à
ruptura dos laços de produção e económicos com a Rússia, verificou-se
que não há mercado para bens europeus na Ucrânia que possam ser
garantidos pelo poder de compra da população. Depois disso, responsáveis
da UE instantaneamente perderam interêsse na Ucrânia pois é uma entidade
da qual é impossível ganhar alguma coisa.

Mas voltemos ao problema da /“superprodução”,/ ou melhor, da falta de
garantia de procura.

Todas as escolas e teorias económicas /“de mercado”/ tentam resolver
este problema fundamental através do estímulo ao consumo. Utilizando
empréstimos ao consumidor, por um lado, e a formação do
“Homo-consumidor” por outro.

Um Homo-consumidor é um ser obeso que vai ao ginásio e bebe coqueteis
porque está na moda, com uma mão a apalpar o novo iPhone e a fazer fila
desde a véspera às portas de um supermercado antes do lançamento de cada
novo videojogo, ou na “Sexta-feira negra” (a principal venda americana
do ano). Mas este ser não é capaz de trabalho produtivo, razão pela qual
ele só pode consumir empréstimos – mas em algum momento os empréstimos
deixam de lhe serem concedidos porque ele não é capaz de reembolsá-los.
E isso é tudo – é um beco sem saída.

O número de pessoas empregadas na produção de consumidores endividados
(esta mesma /“classe média”/) é reduzido a cada nova iteração. Eis
porque todos os cientistas sociais falam a uma só voz do declínio rápido
da classe média por toda a parte e à escala global.

A propósito, o bem-estar social /(welfare)/ já não funciona. Porque ele
só cria uma classe de parasitas a viverem do /“social”,/ a qual não é
capaz de trabalhar e aumenta a carga de trabalho sobre a classe
trabalhadora (ou que ainda continua a produzir).

Analogamente, as tentativas de inchar o âmbito dos serviços não
funcionam. Isto só reduz a eficiência geral do sistema, porque as
pessoas trabalham mais horas e produzem e consomem a mesma quantidade de
bens (ou finalmente ainda menos, porque uma parte deles é gasta no
fornecimento de serviços).

A economia capitalista, a cuja /“eficiência”/ os propagandistas liberais
entoam loas, é de facto um monstro extremamente ineficiente com baixo
desempenho e um enorme número de pessoas pobres “desnecessárias”.

Contra este pano de fundo, os textos da ultra-direita nazi (como o
propagandista da junta ucraniana Petr Chuklinov, mas na esfera liberal
russa também há muitos como ele) são muito indicativos. Estes textos
advogam o abandono das pensões de solidariedade e, na realidade, matar
os pensionistas. Mais ainda, não só o pensionistas mas todas as pessoas
que caiam na categoria de /“desnecessárias”./ Isto é mostrado
perfeitamente no filme distópico americano /“O expurgo”/ (“/The Purge/
<https://www.imdb.com/title/tt2184339/>”), onde nos EUA uma ditadura de
ultra-direita é instalada, na qual os ricos matam os pobres com impunidade.

Estamos numa situação em que os meios de produção, bens e moeda, com a
qual se pode comprar estes produtos, estão concentrados nas mãos de um
número ultra pequeno de pessoas super-ricas. E uma vez que elas não
podem vender qualquer coisa para si próprias e o seu consumo está
completamente encerrado (mesmo nas formas mais “elitistas” e
pervertidas), os motores para o crescimento da produção não podem
ocorrer em lugar nenhum – a economia mundial previsivelmente estagna.

Aqui não reinvento a roda, tudo isto está bem previsto e descrito pelo
camarada Karl Marx no seu “Capital”, há mais de cem anos.

E desde aquele tempo, tudo evoluiu estritamente de acordo com o
mecanismo descrito. Incluindo um firme declínio na taxa de retorno sobre
a produção quando os mercados estão saturados e sobrecarregados com bens
– e a procura garantida cai e cai. Isto explica a virtualização da
moderna economia mundial, quando o capital foge do sector real para as
bolsas de valores, onde lucros virtuais são extraídos, os quais não têm
conexão real com bens/riqueza física.

No quadro de um paradigma liberal/de mercado, esta equação não tem
soluções. Se quiser tentar provar que estou errado, vá em frente. Gosto
de observar tentativas patéticas dos outros.

A economia soviética, armada pela ciência marxista, resolveu esta
contradição de um modo diferente – uma redução das horas de trabalho
diárias, assegurando pleno emprego.

Dessa forma, a procura não declinava (uma vez que toda a gente recebia
salários, desempregados /“desnecessários”/ simplesmente não existiam),
ao invés as pessoas obtinham mais tempo livre. Isto é, elas foram
LIBERTADAS no verdadeiro sentido marxista (recebendo não /“direitos”/
abstractos, mas possibilidades reais).

O segundo aspecto da solução soviética para o problema do consumo é
aumentar a confiabilidade dos bens manufacturados. Eles perduravam mais
tempo, era menos provável ter de comprar de novo. A consequência formal
era o PIB mais baixo, mas o bem-estar real dos cidadãos era mais alto
(era preciso gastar menos para a mesma quantidade de bens de consumo).

Mas nem a primeira nem a segunda solução é lucrativa no sentido
(crematístico) do mercado. Esta contradição foi descrita por
Aristóteles, quando ele opunha a /“economia”/ (a ciência da
administração da casa) à /crematística/ (a ciência de ganhar lucro).
Durante mais de 2000 anos, ninguém pôde sair da lógica aristotélica. E
os assim chamados /“economistas”/ liberais ou não sabem de Aristóteles
ou fingem não saber.

O sistema liberal de mercado é lucrativo (para uma estreita camada da
/“elite”/ parasitária), mas não eficaz e não em equilíbrio. O sistema
soviético não é /“lucrativo”,/ mas é eficaz e equilibrado.

A crise actual no sistema económico global não pode ser resolvida dentro
do modelo existente de distribuição da riqueza. Em sua substituição deve
vir um sistema mais igual, mais justo, mais livre (no sentido marxista
do termo).

E só há dois meios de mudar – através da consciência e da reforma
(evolucionária) ou através da desordem e do conflito (revolucionária). A
mudança é inevitável, tal como a vitória do comunismo. Pode-se escolher
apenas o caminho – fácil ou penoso, pílulas ou cirurgia – mas não o
resultado.


        31/Outubro/2016


    O original encontra-se em jpgazeta.ru/...
    <https://jpgazeta.ru/aleksandr-rodzhers-osnovnoe-protivorechie-sovremennoy-ekonomiki/> e a versão em inglês em www.stalkerzone.org/main-contradiction-modern-economy/ <https://www.stalkerzone.org/main-contradiction-modern-economy/>

Em
RESISTIR.INFO
https://www.resistir.info/crise/contradicao_abr22.html
31/10/2016

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