terça-feira, 19 de abril de 2022

O fim do domínio ocidental

 
 

Thierry Meyssan

As sanções ocidentais contra a Rússia, decididas unilateralmente por
Washington, são apresentadas como uma justa punição da agressão contra a
Ucrânia. Mas, sem falar da sua ilegalidade face ao Direito
Internacional, todos podem constatar que elas não atingem o alvo. Na
prática, os Estados Unidos isolam o Ocidente esperando manter a
hegemonia sobre os seus aliados.


    Este artigo dá seguimento a :
    *–* 1. « A Rússia quer obrigar os EUA a respeitar a Carta das Nações
    Unidas <https://www.voltairenet.org/article215214.html> », 5 de
    Janeiro de 2022.
    *–* 2. « Washington prossegue o plano da RAND no Cazaquistão, a
    seguir na Transnístria
    <https://www.voltairenet.org/article215274.html> », 11 de Janeiro de
    2022.
    *–* 3. « Washington recusa ouvir a Rússia e a China
    <https://www.voltairenet.org/article215383.html> », 18 de Janeiro de
    2022.
    *–* 4. « Washington e Londres, atingidos de surdez
    <https://www.voltairenet.org/article215466.html> », 1 de Fevereiro
    de 2022.
    *–* 5. « Washington e Londres tentam preservar a sua dominação sobre
    a Europa <https://www.voltairenet.org/article215553.html> », 8 de
    Fevereiro de 2022.
    *–* 6. “Duas interpretações do processo ucraniano
    <https://www.voltairenet.org/article215697.html>”, 16 de Fevereiro
    de 2022.
    *–* 7. «Washington canta vitória, enquanto seus aliados se retiram
    <https://www.voltairenet.org/article215771.html> », 22 de Fevereiro
    de 2022.
    *–* 8. «A Rússia declara guerra aos Straussianos
    <https://www.voltairenet.org/article215860.html>», 3 de Março de 2022.
    *–* 9. «Um bando de drogados e de neo-nazis
    <https://www.voltairenet.org/article215861.html>», 5 de Março de 2022.
    *–* 10. «Israel aturdido pelos neo-nazis ucranianos
    <https://www.voltairenet.org/article215896.html>», 8 de Março de 2022.
    *–* 11 « Ucrânia : a grande manipulação
    <https://www.voltairenet.org/article216189.html> », 22 de Março de
    2022.
    *–* 12. « A Nova Ordem Mundial que preparam a pretexto da guerra na
    Ucrânia <https://www.voltairenet.org/article216295.html> », 29 de
    Março de 2022.
    *–* 13. « A propaganda de guerra muda de forma
    <https://www.voltairenet.org/article216366.html> », 5 de Abril de 2022.
    *–* 14. « A Aliança do MI6, da CIA e dos banderistas
    <https://www.voltairenet.org/article216415.html> », 12 de Abril de 2022.

Os Estados Unidos, que só tardiamente participaram nas Guerras Mundiais
e não sofreram quaisquer danos no seu território, saíram vitoriosos dos
conflitos mundiais. Herdeiros dos impérios europeus, elaboraram um
sistema de dominação que os tornou os « gendarmes do mundo ». No
entanto, a sua hegemonia era frágil e não podia resistir ao
desenvolvimento de grandes nações. Desde 2012, politólogos começaram a
descrever a « armadilha de Tucídides » por analogia com a explicação que
o estratega grego havia dado das guerras que opuseram Esparta a Atenas.
Segundo eles, o aumento de poderio da China tornava assim inevitável o
confronto com os Estados Unidos. Constatando que, se a China se tornara
a primeira potência económica mundial, a Rússia se tornou a primeira
potência militar, Washington decidiu combatê-las uma a seguir à outra.

É neste contexto que surge a guerra na Ucrânia. Washington apresenta-a
como « agressão russa », adopta sanções e força os seus aliados a
adoptá-las também. A primeira ideia que salta ao espírito, é que os
Estados Unidos achando-se inferiores militarmente, mas superiores
economicamente, decidiram escolher o seu campo de batalha. No entanto, a
análise de forças em presença e das medidas tomadas desmente esta
leitura dos acontecimentos.

*Washington assassinou o Presidente iraquiano Saddam Hussein e o Guia
líbio, Muamar Kadhaffi, porque eles haviam ousado por em causa o domínio
do dólar. Depois pilharam-lhes os bancos centrais. *


    O sistema económico mundial

O sistema económico mundial foi criado pelos Acordos de Bretton Woods,
em 1944. Eles visavam estabelecer um quadro do capitalismo para além da
crise de 1929, para a qual o nazismo não havia sido a solução. Os
Estados Unidos impuseram a sua moeda como referência convertível em
ouro. Nem a União Soviética, nem a República Popular da China
participaram nesta Conferência.

Em 1971, o Presidente Richard Nixon decidiu acabar oficiosamente com a
paridade dólar-ouro. Pôde assim financiar a guerra do Vietname
(Vietnã-br). Concretamente, já não havia mais taxas de câmbio fixas. A
medida só foi oficializada uma vez a guerra terminada, em 1976. Foi
também nesse momento que a China fez aliança com as multinacionais
anglo-saxónicas. A Comunidade Europeia (precursora da União) adaptou-se
enquadrando as taxas de câmbio, agora flutuantes, em 1972 (a chamada «
serpente monetária »), e depois criando o euro.

A partir de 1981, os Estados Unidos começaram a deixar engrossar a sua
dívida. Ela passou de 40% do seu PIB para os 130% hoje em dia. Eles
tentaram globalizar a economia mundial, quer dizer, impor as suas regras
aos países solventes e destruir as estruturas estatais dos países
restantes (a estratégia Rumsfeld/Cebrowski). Para pagar a sua dívida
imprimiram dólares, espiaram as empresas dos aliados e roubaram todas as
reservas de dois grandes Estados petrolíferos, o Iraque e a Líbia.
Ninguém ousou dizer nada, mas a partir de 2003, o sistema económico dos
Estados Unidos já não era mais o que pretendia ser. Oficialmente
continuavam a dizer-se liberais, mas todos podiam constatar que já não
produziam mais nem a sua alimentação, nem suas mercadorias de primeira
necessidade, e que não se forneciam mais senão de rapinas.

A economia norte-americana, que representava um terço da economia
mundial aquando da dissolução da URSS, não representa hoje mais do que
um décimo disso.

Muitos Estados antecipam o fim das regras de Bretton Woods e pensam já
em novos modelos. Em 2009, o Brasil, a Rússia, a Índia e a China, depois
acompanhados pela África do Sul, pela África, criaram os BRICS. Estes
países dotaram-se de instituições financeiras que, ao contrário do FMI e
do Banco Mundial, não condicionam os seus empréstimos a reformas
estruturais ou compromissos políticos tal como o alinhamento com
Washington. Preferem investir em leasing, tornando-se o país anfitrião
proprietário do investimento assim que este é rentabilizado.

Em 2010, a Bielorrússia, o Cazaquistão e a Rússia, logo seguidos pela
Arménia, fundaram a União Económica Eurasiática. Estes países
fronteiriços instauraram uma zona de livre comércio com o Egipto, a
China, o Irão, a Sérvia, Singapura e o Vietname. Eles poderão vir a ser
acompanhados pela Coreia do Sul, a Índia, a Turquia e a Síria.

Em 2013, a China iniciou um vasto projecto de « Novas Rotas da Seda ».
No ano seguinte, quando o seu PIB ultrapassou o dos Estados Unidos em
paridade de poder de compra, Beijing criou o Banco Asiático de
Investimento para as Infraestruturas (AIIB), depois em 2020, ela
enquadrou os capitais estrangeiros.

Em 2021, a União Europeia idealizou a sua Passarela Mundial (Global
Gateway) para competir com a China e impor o seu modelo político. Mas
esta exigência foi sentida por muitos países como uma retoma colonial e
foi objecto de uma rejeição maciça.

Progressivamente, o bloco russo e o bloco chinês aproximaram-se graças
ao projecto comum da Grande Parceria Eurasiática Global (2016), no
âmbito da Organização de Cooperação de Xangai. Trata-se de desenvolver
todo esse espaço criando vias de comunicação equilibradas sobre as bases
ideológicas definidas pelo Sultão cazaque Nazerbayev: a inclusão, a
igualdade soberana, o respeito da identidade cultural e sócio-política,
a abertura e a disponibilidade para integrar outros conjuntos .

A tentativa de Washington de destruir este conjunto em formação não tem
possibilidade de êxito. É impressionante constatar que:
*–* o ataque económico começou não com a invasão da Ucrânia, mas dois
dias antes. - ele dirige-se, antes de mais, contra os bancos russos, os
bilionários russos e a indústria russa de gás e de modo algum contra o
novo sistema de comunicação eurasiático.
*–* por fim, ele visa excluir a Rússia das organizações internacionais,
mas não envolve os Estados que recusam condenar a Rússia. Por
conseguinte, ela irá crescer nos braços de Pequim.

Por outras palavras, os Estados Unidos não isolam a Rússia, mas isolam o
Ocidente (10 % da humanidade) do resto do mundo (90 % da humanidade).

*O Presidente norte-americano, Joe Biden, veio presidir, de facto, ao
Conselho Europeu de 24 de Março do qual os Estados Unidos não são. no
entanto. membros. Segundo os Tratados europeus, é a OTAN que garante a
segurança da União Europeia. *


    O processo de separação do Ocidente do resto do mundo

*–* 0. Logo no dia seguinte ao reconhecimento por Moscovo da
independência das Repúblicas populares de Donestsk e de Lugansk (21 de
Fevereiro de 2022), os Estados Unidos atacavam economicamente a Rússia
(22 de Fevereiro). A União Europeia seguia-lhes o passo no dia imediato
(23 de Fevereiro). O Vnesheconombank e o Promsvyazbank eram excluídos do
sistema financeiro mundial.

O Vnesheconombank (VEB.RF) é um banco de desenvolvimento regional. Ele
poderia ajudar o do Donbass. O Promsvyazbank (PSB) investe
principalmente no sector da Defesa. Este poderia jogar um papel na
aplicação do Tratado de Assistência Mútua.

*–* 1. Tendo a Rússia iniciado uma operação militar especial na Ucrânia
(24 de Fevereiro), os Estados Unidos estenderam a exclusão dos dois
primeiros bancos do sistema financeiro mundial, a todos os bancos russos
(25 de Fevereiro). A União Europeia imitou-lhe o passo (25 de Fevereiro).

*–* 2. A fim de prevenir que o máximo de Estados se juntassem à Rússia,
Washington estendeu as interdições comerciais à Bielorússia. A União
Europeia começou a privar os bancos russos de aceder ao sistema SWIFT,
de acordo com as instruções norte-americanas precedentes estendeu, por
sua vez, as sanções à Bielorússia e censurou os média públicos russos, o
Russia Today e o Sputnik (2 de Março).

*–* 3. Washington começou a atirar-se aos cidadãos russos ricos
(erradamente chamados « oligarcas ») com más relações com o Kremlin (3
de Março), e a proibir a importação de fontes de energia russas (8 de
Março). A União Europeia seguiu-lhe o passo, mas resistiu em relação à
proibição de importar gás russo que lhe é indispensável (9 de Março).

*–* 4. Washington estende as sanções financeiras ao seio do FMI e do
Banco Mundial, além disso, alarga a lista dos oligarcas e interdita a
exportação de produtos de luxo para a Rússia (11de Março). A União
Europeia segue-lhe o passo (15 de Março).

*–* 5. Washington assegura-se que os membros da Duma e os oligarcas não
tenham mais quaisquer direitos no Ocidente; que a Rússia não possa mais
usar seus activos nos EUA para pagar as suas dívidas aos EUA; e que ela
não mais possa utilizar o seu ouro para pagar as suas dívidas ao
estrangeiro (24 de Março). A União Europeia segue-a nestas proibições.
Ela expressa interdição de importar carvão e petróleo russos, mas
continua sem nenhuma proibição de gás.

A tabela abaixo resume as comunicações da Casa Branca e de Bruxelas.

Estados Unidos    União Europeia
« Os Estados Unidos impõem a primeiro série de custos rápidos e
significativos à Rússia <https://www.voltairenet.org/article216549.html>
» (22 de Fevereiro)     A UE adopta um pacote de sanções em resposta ao
reconhecimento das zonas dos oblasts ucranianos de Donetsk e de Lugansk
não controladas pelo governo
<https://www.voltairenet.org/article216540.html> (23 de Fevereiro)
« Os Estados Unidos com os seus Aliados e parceiros, impõem custos
devastadoras à Rússia <https://www.voltairenet.org/article216548.html> »
(24 de Fevereiro)     Primeiro grupo de sanções da UE
<https://www.voltairenet.org/article216541.html> (25 de Fevereiro)
« Os Estados Unidos continuam a impor custos à Rússia e à Bielorrússia
devido à guerra declarada por Putin
<https://www.voltairenet.org/article216491.html> » (2 de Março)     Segundo
pacote de sanções da UE <https://www.voltairenet.org/article216516.html>
(2 de Março)
« Os Estados Unidos continuam a atingir os oligarcas russos que
colaboram com a guerra declarada por Putin
<https://www.voltairenet.org/article216493.html> » (3 de Março)

« Os Estados Unidos interditam as importações de petróleo, de gaz
natural liquefeito e de carvão russos
<https://www.voltairenet.org/article216547.html> » (8 de Março)

    Terceiro pacote de sanções da UE
<https://www.voltairenet.org/article216543.html> (9 de Março)
« Os Estados Unidos , a União Europeia e o G7 anunciarão sanções
económicas suplementares à Rússia
<https://www.voltairenet.org/article216501.html> » (11 de Março)     Quarto
pacote de sanções da UE <https://www.voltairenet.org/article216544.html>
(15 de Março)
« Os Estados Unidos e seus Aliados e parceiros impõem custos
suplementares à Rússia <https://www.voltairenet.org/article216505.html>
» (24 de Março)

« Os Estados Unidos , o G7 e a UE impõem custos importantes e imediatos
à Rússia <https://www.voltairenet.org/article216507.html> » (6 de Abril)

    Quinto pacote de sanções da UE
<https://www.voltairenet.org/article216545.html> (8 de Abril)

*Em 4 de Fevereiro de 2022, os Presidentes russo e chinês, Vladimir
Putin e Xi Jinping, assinaram uma declaração conjunta apresentando a sua
concepção de desenvolvimento económico duradouro. No dia seguinte à
entrada do Exército russo na Ucrânia, em 25 de Fevereiro, eles
confirmaram, por telefone, que a reacção dos Estados Unidos não mudaria
nada da sua “entente”. *


    A resposta do resto do mundo

É um fenómeno extremamente surpreendente a observar: os Estados Unidos
conseguiram fazer virar uma maioria dos Estados para o seu lado, mas
esses Estados são os menos povoados do mundo. Tudo se passa como se eles
não tivessem meios para pressionar os países capazes de afirmar
independência.

Devido às acções unilaterais dos Anglo-Saxónicos e da União Europeia, o
mundo está em vias de se dividir em dois espaços heterogéneos. A era da
globalização económica terminou. As pontes económicas e financeiras
estão a ser quebradas uma a uma.

Reagindo com rapidez, a Rússia convenceu os seus parceiros do BRICS a
parar as trocas comerciais em dólares e a criar, a termo, uma moeda
virtual comum para o seu comércio. Daqui até lá, continuarão em ouro.
Esta moeda deverá ser baseada num cabaz de moedas dos BRICS, ponderada
em função do PIB de cada Estado membro, e numa cesta de matérias primas
cotadas em bolsa. Este sistema deverá ser muito mais estável do que o
actual.

Acima de tudo, a Rússia e a China aparecem como muito mais respeitadoras
dos seus parceiros do que os Ocidentais. Elas jamais exigem reformas
estruturais, quer económicas, quer políticas. O caso ucraniano mostra
aos olhos de todos que Moscovo não busca tomar o Poder em Kiev ou em
ocupar a Ucrânia, mas em afastar a OTAN e em combater os banderistas (os
« neo-nazis » na terminologia do Kremlin). Nada mais legítimo, mesmo se
o método é brutal.

Na prática, assiste-se ao fim de quatro séculos de domínio dos
Ocidentais e dos seus Impérios. É um confronto entre maneiras de pensar
diferentes. - Os Ocidentais já só pensam em termos de semanas. Com esta
miopia, podem ter a impressão que os Estados Unidos estão certos e os
Russos errados. Pelo contrário, o resto do mundo pensa em décadas, ou
até mesmo em séculos. Neste caso, não há dúvida de que os Russos estão
certos e os Ocidentais, no seu conjunto, estão errados.
*–* Além disso, os Ocidentais rejeitam o Direito Internacional. Atacaram
a Jugoslávia e a Líbia sem autorização do Conselho de Segurança e
mentiram para atacar o Afeganistão e o Iraque. Eles só aceitam as regras
que eles próprios estabelecem. Pelo contrário, os outros Estados aspiram
a um mundo multipolar em que cada actor pensaria em função da sua
própria cultura. Estão cientes que só o Direito Internacional permitirá
preservar a paz no mundo tal como eles o sonham.

Talvez mais do que confrontar a Rússia e a China, os Estados Unidos
tenham escolhido recuar para dentro do seu império : isolar o Ocidente,
para assim manter aí a sua hegemonia.

Desde 2001, todos os dirigentes mundiais consideram os Ocidentais, e
particularmente os Estados Unidos, como predadores feridos. Não ousando
enfrentá-los, buscam a maneira de os acompanhar gentilmente até à última
morada. Mas, ninguém havia imaginado que eles iriam isolar-se para morrer.

Thierry Meyssan <https://www.voltairenet.org/auteur29.html?lang=pt>
Tradução

Em
VOLTAIRE.NET
https://www.voltairenet.org/article216556.html
19/4/2022

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