segunda-feira, 9 de maio de 2022

Megalópole x Rússia: Guerra total

 


    Pepe Escobar [*]

*Mas é o nosso destino
Não ter onde descansar,
Como mortais sofredores
Cegos caem e desaparecem
De uma hora
Para a outra,
Como a água a cair
De penhasco em penhasco,
para baixo
Durante anos até à incerteza.
Holderlin, /A Canção do Destino de Hyperion/*

9 de Maio, Dia da Vitória sobre o nazi-fascismo.

A Operação Z é a primeira salva de uma luta titânica:  três décadas após
a queda da URSS e 77 anos após o fim da Segunda Guerra Mundial, depois
de uma avaliação cuidadosa o Kremlin está a rearrumar o tabuleiro de
xadrez geopolítico para acabar com a hegemonia unipolar da “nação
indispensável”. Não é de admirar que o Império das Mentiras tenha ficado
completamente enfurecido, obcecado em expulsar completamente a Rússia do
sistema centrado no ocidente.

Os Estados Unidos e os seus filhotes da NATO não conseguem lidar com a
sua perplexidade quando confrontados com uma perda espantosa:   já não
têm o direito que davam como adquirido, o do uso exclusivo da força
geopolítica para perpetuar “os nossos valores”. Acabou-se a Dominação de
Espectro Amplo.

O quadro em micro escala é claro. O Estado Profundo dos EUA está a
explorar o Reino Unido no seu gambito ucraniano para camuflar um ataque
estratégico à Rússia. O “segredo” era forçar Moscovo a entrar numa
guerra intra-eslava na Ucrânia a fim de romper o Nord Stream 2 – e
portanto o fornecimento à Alemanha dos recursos naturais russos. Isto
acabaria – pelo menos no futuro previsível – com a perspetiva de uma
bismarckiana ligação russo-alemã que acabaria por levar os EUA a
perderem o controlo da massa terrestre eurasiática que vai do Canal da
Mancha ao Pacífico, a favor de um pacto emergente China-Rússia-Alemanha.

Até agora, o gambito estratégico americano funcionava admiravelmente.
Mas a batalha está longe de terminada. Os dementes think-tanks
neoconservadores /neoliberais dentro do Estado profundo encaram a Rússia
como uma ameaça tão séria à “ordem internacional baseada em regras” que
estão dispostos a arriscar, se não a incorrer, numa guerra nuclear
“limitada” com este gambito. O que está em causa é nada menos do que a
perda do domínio mundial anglo-saxónico.

*Dominando os cinco mares*

  Em termos de paridade de poder de compra (PPC), a Rússia é a 6ª maior
economia do mundo, logo atrás da Alemanha e à frente do Reino Unido e da
França. A sua economia “dura” é semelhante à dos EUA. A produção de aço
pode ser praticamente a mesma, mas a capacidade intelectual é muito
superior. A Rússia tem aproximadamente o mesmo número de engenheiros que
os EUA, mas eles são muito mais instruídos.

A Mossad atribui o milagre económico de Israel, que criou um equivalente
ao Vale do Silício, a uma base de um milhão de imigrantes russos.
Acontece que este Vale do Silício israelense é um ativo chave do
MICIMATT dos EUA
/(military-industrial-congressional-intelligence-media-academia-think
tank complex),/ como Ray McGovern o nomeou de forma inesquecível.

Os media do NATOstão ladram histericamente que o PIB da Rússia tem a
mesma dimensão do PIB do Texas, mas é um disparate. O PPC é o que
realmente conta. Isso e a engenharia superior da Rússia é a razão porque
as suas armas hipersónicas estão pelo menos duas ou três gerações à
frente das dos Estados Unidos. Basta perguntar ao indispensável Andrei
Martyanov <http://smoothiex12.blogspot.com/>.

O Império das Mentiras não tem mísseis defensivos dignos desse nome, nem
equivalentes ao Sr. Zircon e o Sr. Sarmat. A esfera do NATOstão
simplesmente não pode vencer uma guerra, qualquer guerra contra a Rússia
devido só a essa razão.

Ukronazi capturado.

A “narrativa” ensurdecedora do NATOstão de que a Ucrânia está a derrotar
a Rússia nem sequer se qualifica como uma piada inócua
<https://sonar21.com/the-russian-timeline-critique-in-the-ukraine/>
(compare-a com a estratégia russa “Alcançar e tocar alguém“). O sistema
corrupto de fanáticos da SBU misturado com as fações UkroNazi está
kaput. O Pentágono sabe disso. A CIA não o pode admitir. O que o Império
das Mentiras ganhou, até agora, é uma “vitória” mediática para os
UkroNazis, não uma vitória militar.

O General Aleksandr Dvornikov, famoso pela intervenção na Síria, tem um
mandato claro: conquistar todo o Donbass, libertar totalmente a Crimeia
e preparar o avanço para Odessa e Transnístria, reduzindo o rebotalho da
Ucrânia ao status de Estado falhado sem acesso ao mar.

O Mar de Azov – ligado ao Cáspio pelo canal de Don-Volga – já é um lago
russo. E o Mar Negro é o próximo, a ligação chave entre as Terras
Centrais (Heartland) e o Mediterrâneo. O sistema dos Cinco Mares –
Negro, Azov, Cáspio, Báltico, Branco – consagra a Rússia como uma
potência naval continental de facto. Quem precisa de águas quentes?

*Movendo-se “à velocidade de guerra”*

O nível da dor, a partir de agora, subirá sem parar. A realidade – ou
seja os factos no terreno – tornar-se-á em breve evidente mesmo para a
Imprensa da Mentira /(LugenPresse)/ de todos os países do NATOstão.

O Presidente /woke/ dos Chefes do Estado-Maior Conjunto, General Mark
Milley, espera que a Operação Z perdure por anos. Isso é um disparate.
As Forças Armadas russas podem permitir-se serem bastante metódicas e
levarem todo o tempo necessário para desmilitarizar devidamente a
Ucrânia. O Ocidente coletivo, por seu lado, está pressionado pelo tempo
– porque o revés da economia real já está em curso e está prestes a
tornar-se virulento.

O ministro da Defesa Shoigu deixou bem claro: quaisquer veículos da NATO
que tragam armas para Kiev serão destruídos como “alvos militares
legítimos”.

Um relatório do serviço científico do parlamento alemão
<https://www.zeit.de/thema/bundestag?utm_referrer=https%3A%2F%2Fthesaker.is%2F> estabeleceu que o treino de soldados ucranianos sobre o solo alemão <https://www.zeit.de/politik/deutschland/2022-05/ausbildung-soldaten-ukraine-kriegsbeteiligung-deutschland-voelkerrecht?utm_referrer=https%3A%2F%2Faway.vk.com%2F> pode equivaler, ao abrigo do direito internacional, à participação em guerra. E isso torna-se ainda mais espinhoso quando associado às entregas de armas da NATO: “Só se, além do fornecimento de armas, a instrução da parte em conflito ou o treino em tais armas também fosse uma questão é que se abandonaria a área segura da não guerra”.

Agora, pelo menos está irremediavelmente claro como o Império das
Mentiras “move-se à velocidade da guerra”
<https://www.airforcemag.com/austin-partners-must-move-at-the-speed-of-war-to-help-ukraine/> – como descrito em público pelo vendedor de armas que se tornou a cabeça do Pentágono, Lloyd “Raytheon” Austin. Em “pentagonês”, isso foi explicado pela proverbial fonte “oficial” como “uma combinação de um call center, uma sala de observação, salas de reuniões. Eles executam uma batalha ritmada para apoiar os decisores”.

A “batalha ritmada” proposta pelo Pentágono a um exército ucraniano
supostamente “crível, resiliente e com capacidade de combate” é
alimentada por um sistema EUCom
<https://www.airforcemag.com/what-is-eucoms-ukraine-control-center/#:~:text=RAMSTEIN%20AIR%20BASE%2C%20Germany%E2%80%94Within,the%20front%20line%20inside%20Ukraine> que essencialmente transfere encomendas de armas dos armazéns do Pentágono nos Estados Unidos para o Império de bases na Europa e a seguir para a Frente Oriental da NATO na Polónia, onde são transportadas em camião através da Ucrânia bem a tempo de serem devidamente incineradas por ataques de precisão russos:   a gama de opções russa inclui mísseis supersónicos P-800 Onyx, dois tipos de Iskander e Kinzhal lançados a partir de Mig-31Ks.

O porta-voz do Kremlin, Dmitry Peskov, enfatizou que Moscovo está
perfeitamente ciente de que os EUA, a NATO e o Reino Unido estão a
transferir não só armas, mas também um grande volume de inteligência.
Paralelamente, o Ocidente vira tudo de pernas para o ar 24 horas por
dia, 7 dias por semana, moldando um novo ambiente totalmente voltado
contra a Rússia, sem se preocupar sequer em manter uma aparência de
parceria em qualquer área. O ocidente coletivo não considera sequer a
possibilidade de diálogo com a Rússia.

Assim, falar com Putin é “uma perda de tempo”, a menos que uma “derrota
russa” na Ucrânia (refletindo a estridente propaganda de RP de Kiev) o
torne “mais realista”.  Apesar de todas as suas falhas, Le Petit Roi
Macron/McKinsey tem sido uma exceção, ao telefone com Putin no início
desta semana.

A neo-orwelliana hitlerização de Putin o reduz, mesmo entre a chamada
euro-intelligentzia, ao status de ditador de uma nação cloroformizada no
seu nacionalismo do século XIX. Fica esquecido qualquer resquício de
análise histórico-política/cultural. Putin é um Augustus atrasado, a
vestir o seu Império como uma República.

No melhor dos casos, os europeus pregam e rezam – como caniches
guinchantes à Voz do seu Mestre – para que uma estratégia híbrida de
“contenção e empenhamento” seja desencadeada pelos EUA, a papaguear de
modo desajeitado os rabiscos dos habitantes dessa zona de exclusão aérea
intelectual /(intellectual no-fly zone),/ Think Tankland.

Mas de facto os europeus prefeririam “isolar” a Rússia – como se 12% da
população mundial “isolasse” os outros 88% (claro, a sua “visão” fixada
no ocidente ignora completamente o Sul Global). A “ajuda” para a Rússia
só virá quando as sanções forem eficazes (o que nunca acontece: o
ricochete será a norma) ou com – o derradeiro sonho ansioso – quando
houver uma mudança de regime em Moscovo.

*A Queda*

O Zé comediante a Ursula von der Lugen.

A agente de RP UkroNazi Ursula von der Lugen apresentou o sexto pacote
de sanções da (Des)União Eurocaniche.

O topo da lista é a exclusão de mais três bancos russos do SWIFT,
incluindo o Sberbank. Sete bancos já estão excluídos. Isto irá impor o
“isolamento total” da Rússia. É ocioso comentar algo que só engana a
/LugenPresse./

Depois há o embargo “progressivo” às importações de petróleo. Não mais
importações em bruto para a UE dentro de seis meses e não mais produtos
refinados até ao final de 2022. Atualmente, a Agência Internacional de
Energia mostra que 45% das exportações de petróleo da Rússia vão para a
UE (com 22% para a China e 10% para os EUA). A His Master's Voice
continua e continuará a importar petróleo russo.

E ainda há 58 sanções “pessoais” também a surgirem, visando figuras
muito perigosas como o Patriarca Kirill da Igreja Ortodoxa, assim como a
esposa, o filho e filha do porta-voz do Kremlin, Dmitry Peskov.

Esta espantosa demonstração de estupidez terá de ser aprovada por todos
os membros da UE. É garantida uma revolta interna, especialmente da
Hungria, mesmo quando tantos países continuam dispostos a cometer
suicídio energético e a desperdiçar a vida dos seus cidadãos para
defender um regime neonazi.

Alastair Crooke chamou-me a atenção para uma interpretação original e
surpreendente do que se passa, apresentada em russo por um analista
sérvio, o Professor Slobodan Vladusic. A sua tese principal, em poucas
palavras: “A Megalópole odeia a Rússia porque não é a Megalópole – ela
não entrou na esfera do anti-humanismo e é por isso que continua a ser
uma civilização alternativa. Daí a “Russofobia”.

Vladusic argumenta que a guerra intra-eslava na Ucrânia é “uma grande
catástrofe para a civilização ortodoxa” – refletindo a minha primeira
tentativa recente de abrir um debate sério sobre o Choque das
Cristandades <https://thecradle.co/Article/columns/9733>.

Mas o grande cisma não é religioso e sim cultural: “A diferença chave
entre o Ocidente antigo e a Megalópole atual é que a Megalópole
programaticamente renuncia à herança humanista do Ocidente”.

Assim, agora “é possível apagar não só o cânone musical, mas também todo
o património humanista europeu:   toda a literatura, belas artes,
filosofia” devido a uma “trivialização do conhecimento”. O que resta é
um espaço vazio, na realidade um buraco negro cultural, “preenchido pela
promoção de expressões tais como ‘pós-humanismo’ e ‘trans-humanismo'”.

E é aqui que Vladusic chega ao cerne da questão:   a Rússia opõe-se
ferozmente à Grande Reinicialização /(Great Reset)/ cozinhada pelos
“hackers” que se descrevem como as “elites” da Megalópole.

Sergey Glazyev, agora a coordenar o projecto de um novo sistema
financeiro/monetário pela União Económica Eurasiática (UEEU) em parceria
com os chineses, adapta Vladusic aos factos no terreno (aqui
<https://glazev.ru/articles/10-vlast-i-obshhestvo/101493-narod-plokho-ponimaet-chto-proiskhodit> em russo, aqui <https://resistir.info/s_glazyev/glazyev_01mai22.html> em português).

Glazyev é muito mais direto do que nas suas meticulosas análises
económicas. Embora notando os objetivos do Estado Profundo de destruir o
mundo russo, o Irão e bloquear a China, ele salienta que os EUA “não
conseguirão vencer a guerra híbrida global”. Uma razão chave é que o
Ocidente coletivo “confrontou todos os países independentes com a
necessidade de encontrar novos instrumentos monetários globais,
restaurar as normas do direito internacional e criar os seus próprios
sistemas de segurança económica”.

Portanto, isto é a /Totaller Krieg,/ guerra total – como explica Glazyev
sem complacências, e como a Rússia denunciou esta semana na ONU:  “A
Rússia deve fazer frente aos EUA e à NATO na sua confrontação, levando-a
à sua conclusão lógica, de modo a não ser despedaçada entre eles e a
China, a qual está a tornar-se irrevogavelmente o líder da economia
mundial”.

A História pode finalmente registar, 77 anos após o fim da Segunda
Guerra Mundial, que a ação dos dementes neoconservadores/neoliberais nos
think-tanks de Washington, a instigarem uma guerra inter-eslava
ordenando a Kiev que lançasse uma blitzkrieg contra o Donbass, foi a
fagulha que levou à queda do Império Americano.


        06/Maio/2022


    [*] Jornalista


    O original encontra-se em
    thesaker.is/megalopolis-x-russia-total-war/
    <https://thesaker.is/megalopolis-x-russia-total-war/>

Em
RESISTIR.INFO
https://www.resistir.info/p_escobar/megalopole_06mai22.html
6/5/2022

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