segunda-feira, 29 de agosto de 2022

A QUARTA ONDA DE ESQUERDA DA AMÉRICA LATINA DESDE A REVOLUÇÃO CUBANA É SOCIAL-DEMOCRATA

 


 
 

Vijay Prashad

    /A atual onda de vitórias eleitorais da esquerda e centro-esquerda
    não reflete inteiramente a situação dos anos 2000, quando uma “maré
    rosa” se desenvolveu após o avanço da esquerda na Venezuela liderada
    por Hugo Chávez. Naquela época, os Estados Unidos estavam focados no
    Médio Oriente, os preços das mercadorias estavam altos e havia um
    sentimento geral em toda a região contra os regimes militares e
    neoliberais anteriores./



Em 7 de agosto de 2022, a Colômbia terá um novo presidente (Gustavo
Petro) e um vice-presidente (Francia Márquez), ambos defensores dos
movimentos de esquerda do país. Eles formarão o primeiro governo de
esquerda desde que o país conquistou a sua independência em 1810. Dois
meses depois, em 2 de outubro, o povo brasileiro votará na primeira
volta das suas eleições presidenciais. As pesquisas mostram claramente
que o ex-presidente e líder de esquerda, Lula, tem vantagem sobre o
titular de direita Jair Bolsonaro; há até uma sugestão de que Lula possa
vencer na primeira volta e impedir a votação da segunda volta em 30 de
outubro. Se Lula vencer, então, dos vinte países da América Latina, mais
da metade teria um governo de centro-esquerda para a esquerda.

A atual onda de vitórias eleitorais da esquerda e centro-esquerda não
reflete inteiramente a situação dos anos 2000, quando uma “maré rosa” se
desenvolveu após o avanço da esquerda na Venezuela liderada por Hugo
Chávez. Naquela época, os Estados Unidos estavam focados no Médio
Oriente, os preços das matérias- estavam altos e havia um sentimento
geral em toda a região contra os regimes militares e neoliberais
anteriores. Chávez liderou um processo conhecido como bolivarianismo que
combinou a integração regional com políticas voltadas para enfrentar
problemas sociais profundamente enraizados no hemisfério. Era amplamente
reconhecido que a fome não poderia ser abolida, por exemplo, sem um
afastamento da dependência dos mercados de capitais do Atlântico Norte e
da presença militar dos EUA.

 

As atuais vitórias eleitorais ocorreram em condições muito mais incertas
do que na década de 2000. Por um lado, o imperialismo dos EUA é visto
como muito mais frágil do que era há vinte anos, com a debilidade da
economia dos EUA, a tentativa desesperada de enfraquecer a China e a
Rússia pelos Estados Unidos e um clima crescente em todo o mundo que já
não procura seguir os ditames de Washington. É devido a esses
desenvolvimentos que se pode ver um novo dinamismo na América Latina,
com o presidente mexicano Andrés Manuel López Obrador  evidenciando do
tipo de pensamento independente sobre as relações externas que agora é
comum da África do Sul à Indonésia.

 

Mas, por outro lado, a crise inflacionária global, os problemas do
crédito e da dívida e a má educação das ameaças de Washington deteve a
mão de muitos desses governos para desafiar frontalmente o imperialismo
dos EUA. Presos entre uma Guerra Fria imposta pelos EUA contra a China e
a Rússia, muitos dos países da América Latina preferem ficar de fora,
esperar pela recuperação económica geral e, enquanto isso, fornecer
esquemas básicos de bem-estar social como o limite de suas ambições. Não
estamos, portanto, a ver o bolivarianismo na sua segunda fase.

 

Brasil e Colômbia são bons exemplos do novo momento, embora essa
orientação geral seja visível tanto no Chile como no México. Nesses
países, as classes dominantes – totalmente apoiadas pelo imperialismo
norte-americano – permanecem no controlo da economia. Enquanto o governo
de centro-esquerda de Gabriel Boric no Chile disse que nacionalizaria as
minas de cobre, a sua mão foi detida por esta poderosa burguesia (este
ano é o cinquentenário da nacionalização do cobre no Chile pelo
presidente Salvador Allende, cujo governo foi derrubado num golpe no ano
seguinte). As velhas classes capitalistas mantêm as velhas hierarquias
sociais, entrelaçando-as com o poder do imperialismo norte-americano e o
narcocapitalismo de nossos tempos. Ao  governo de Petro na Colômbia, por
exemplo, já foi dito pelas forças armadas que não vão tolerar nenhuma
reforma básica (o general Eduardo Zapateiro renunciou no final de julho
para evitar ter de empossar Petro como presidente – essa é a atitude).

 

Finalmente, por causa das políticas de austeridade e do legado das
ditaduras militares, a classe operária e o campesinato no hemisfério
estão relativamente fragmentados e desorganizados. A sua incapacidade de
conduzir uma agenda radical em muitos desses países tem sido vista
repetidamente. Por exemplo, no Peru, apesar da eleição de Pedro
Castillo, de esquerda, do Perú Libre, para a presidência, os movimentos
sociais e políticos simplesmente não conseguiram responsabilizá-lo,
porque o seu governo se afastou dos seus compromissos. A crise na
Argentina em torno do regresso ao FMI também mostra a limitação das
forças populares para conduzir a sua agenda por meio de um governo de
esquerda. Portanto, é apropriado considerar as possibilidades de ser
meramente social-democrata e não socialista neste período.

 

*A DOUTRINA MONROE E A REVOLUÇÃO CUBANA*

 

Duzentos anos atrás, as forças de Simón Bolívar derrotaram os
imperialistas espanhóis na Batalha de Carabobo e abriram um período de
independência para a América Latina. No ano seguinte, em 1823, o governo
dos Estados Unidos anunciou a Doutrina Monroe. À superfície, a Doutrina
Monroe apenas diz que a Europa não tem o direito de intervir nas
Américas. No entanto, uma leitura atenta do texto, os debates nos EUA em
torno desse texto e o uso dessa Doutrina indicam que era a constituição
do imperialismo norte-americano, agora já não apenas para as Américas,
mas uma Doutrina Monroe Global. Por esta Doutrina, os Estados Unidos
conferiram-se o direito de intervir política e militarmente nos países
das Américas quando e onde quisessem. Foi com base nessa doutrina que os
EUA intervieram repetidamente na América Central, no Caribe, e na
América do Sul, derrubando governos em 2009 (Honduras) e tentando
derrubar governos atualmente (Cuba, Nicarágua, Venezuela).

 

A resistência à Doutrina Monroe surgiu quando ficou claro que os EUA a
usariam como uma licença para intervir no hemisfério e não para impedir
o imperialismo europeu. Afinal, quando a Grã-Bretanha conquistou as
Ilhas Malvinas da Argentina em 1833, os EUA não se opuseram aos
europeus, e nem os EUA impediram a entrada de capital europeu para
subordinar os novos estados das Américas (descrito em grande detalhe por
Eduardo Galeano na sua obra /Veias Abertas da América Latina/, 1971). A
intervenção dos EUA no México em 1846-1848 resultou na anexação de um
terço do território soberano do México, uma violação dos direitos
territoriais e nacionais do México. Esses eventos – Malvinas, México –
mostram a verdadeira face da Doutrina Monroe, instrumento do
imperialismo norte-americano no hemisfério que foi praticamente adotado
pela Organização dos Estados Americanos, fundada em 1948, a que Fidel
Castro chamou  Ministério das Colónias.

 

A Revolução Cubana de 1959 foi um desafio direto à Doutrina Monroe. A
Revolução afirmou os conceitos de /soberania /(contra a intervenção dos
EUA) e /dignidade /(para o crescimento social do povo). Inspirado no
exemplo da Revolução Socialista Cubana, onda após onda revolucionária
inundou a América Latina com esperança contra o imperialismo dos EUA e
por um avanço da esquerda. A *primeira onda *foi esmagado pela violência
extrema contra o exemplo cubano através dos golpes militares organizados
pelo programa norteamericano chamado Operação Condor. Esses golpes do
Brasil (1964) à Argentina (1976) ficaram na mão da alternativa cubana. O
bloqueio ilegal dos EUA contra Cuba não impediu que a ilha acelerasse o
seu socialismo e expandisse o seu internacionalismo. A *segunda onda *de
esquerda – das revoluções da Nicarágua e Granada de 1979 – abriu uma
nova esperança, que foi mais uma vez contestada pelos imperialistas
através de suas “guerras sujas” na América Central e pela aliança do
imperialismo com os narcoterroristas da região.

 

A *terceira onda *veio com a eleição de Chávez em 1999 e o avanço do que
ficou conhecido como a 'maré rosa' na América Latina. A maré foi minada
pela guerra híbrida ilegal dos EUA contra a Venezuela, pela queda nos
preços das mercadorias e pela fraqueza dos movimentos sociais e
políticos para contestar a burguesia entrincheirada em muitos países da
região. Em cada uma dessas ondas, brilhou o exemplo de Cuba.

 

Estamos agora na *quarta onda* um ressurgimento da esquerda desde a
Revolução Cubana de 1959. A onda é significativa, mas não deve ser
exagerada. Mesmo os governos de centro-esquerda mais brandos serão
forçados a enfrentar as graves crises sociais no hemisfério, crises
agravadas pelo colapso dos preços das mercadorias e pela pandemia. As
políticas contra a fome, por exemplo, exigirão recursos oriundos das
diversas burguesias domésticas ou dos direitos arrecadados pela extração
de recursos naturais. De qualquer forma, esses governos serão forçados a
um confronto tanto com sua própria burguesia como com o imperialismo
norte-americano. O teste desses governos, portanto, não estará apenas no
que eles dizem sobre esta ou aquela questão (como a Ucrânia), mas como
eles agem diante da recusa das forças do capitalismo em resolver as
grandes crises sociais do nosso tempo .


Fonte:
https://mltoday.com/latin-americas-fourth-left-wave-since-the-cubam-revolution-is-social-democratic/ <https://mltoday.com/latin-americas-fourth-left-wave-since-the-cubam-revolution-is-social-democratic/>, publicado e acedido em 11.08.2022

Em
PELO SOCIALISMO
https://pelosocialismo.blogs.sapo.pt/a-quarta-onda-de-esquerda-da-america-212027#cutid1
29/8/2022

Nenhum comentário:

Postar um comentário