quarta-feira, 1 de outubro de 2014

Os 150 anos da Internacional


Marcello Musto


Em 28 de setembro de 1864, a sala do St. Martin's Hall, um edifício situado no
coração de Londres, estava lotado. Estavam reunidos cerca de dois mil
trabalhadores e trabalhadores para participar de um comício de sindicalistas
ingleses e colegas parisienses. Graças a esta iniciativa, nascia o ponto de
referência do conjunto das principais organizações do movimento operário: a
Associação Internacional de Trabalhadores.

Em poucos anos, a Internacional despertou paixões por toda a Europa. Graças a
ela, o movimento operário pode compreender mais claramente os mecanismos de
funcionamento do modo de produção capitalista, adquiriu maior consciência de sua
própria força e inventou novas formas de luta. De forma contrária, nas classes
dominantes, causou terror a notícia da formação da Internacional. A ideia de
trabalhadores reclamarem maiores direitos e um papel ativo na história suscitou
repulsa nas classes acomodadas e foram muitos os governos que a perseguiram com
todos os meios a seu alcance.

As organizações que fundaram a Internacional eram muitos diferentes entre si.
Seu centro motor inicial foram os sindicatos ingleses, que passaram a
considerá-la o instrumento mais idôneo para lutar contra a importação de mão de
obra de fora durante as greves. Outro importante ramo da associação foi a dos
mutualistas, a componente moderada fiel à Teoria de Proudhon, predominante na
França à época, enquanto o terceiro grupo, por ordem de importância, foram os
comunistas, reunidos em torno da figura de Marx.

Inicialmente, fizeram parte também da Internacional grupos de trabalhadores que
reivindicavam teorias utópicas, núcleos de exilados inspirados por concepções
vagamente democráticas e defensoras de ideias interclassistas, como alguns
seguidores de Mazzini. O empenho em fazer com que convivessem todas estas almas
na mesma organização foi indiscutivelmente obra de Marx. Seus dotes políticos
lhe permitiram conciliar o que não parecia conciliável, assegurando um futuro à
Internacional. Foi Marx quem outorgou à Associação a clara finalidade de
realizar um programa político não excludente, apesar de ser fortemente de
classe, como garantia de um movimento que aspirava ser de massas e não sectário.
Foi sempre Marx, alma política do Conselho Geral de Londres, que redigiu quase
todas as resoluções principais da Internacional. Entretanto, diferentemente do
que foi propagado pela liturgia soviética, a Internacional foi muito mais do que
apenas Marx.

Desde o final de 1866, intensificaram-se as greves em muitos países europeus, o
coração vibrante de uma época de luta significativa. A primeira grande batalha
vencida graças ao apoio da Internacional foi a dos bronzistas de Paris no
inverno de 1867. Neste período, tiveram também o vitorioso desenlace nas greves
dos trabalhadores das fábricas de Marchienne, as dos operários das bacias
mineiras de Provenza, dos mineiros de carvão de Charleroi e dos pedreiros de
Genebra. Em cada um destes acontecimentos, repetiu-se de modo idêntico a pauta:
arrecadação de dinheiro em apoio aos grevistas, graças aos chamamentos redigidos
e traduzidos pelo Conselho Geral e depois enviados aos trabalhadores de outros
países, e à compreensão de que estes últimos não fizessem ações fura greve.

Todo isso obrigou os patrões a buscar um compromisso e a aceitar muitas das
demandas dos operários. Iniciou-se uma época de progresso social, durante a qual
os movimentos dos trabalhadores conseguiu maiores direitos para aqueles que
ainda não gozavam deles, como prescreviam as receitas liberais da direita.
Depois do êxito de todas estas lutas, centenas aderiram à Internacional em todas
as cidades em que foram registradas greves.

Apesar das complicações derivadas da heterogeneidade das línguas, culturas
políticas e países implicados, a Internacional conseguiu reunir e coordenar mais
organizações e numerosas lutas nascidas espontaneamente. Seu maior mérito foi o
de ter sabido indicar a absoluta necessidade da solidariedade de classe e da
cooperação transnacional. Objetivos e estratégias do movimento operário mudaram
de maneira irreversível e são atuais ainda hoje, 150 anos depois.

A proliferação de greves mudou também os equilíbrios no interior da organização.
O Congresso de Bruxelas de 1868 votou a resolução sobre a socialização dos meios
de produção. Tal ação representou um passo decisivo no decorrer da definição das
bases econômicas do socialismo e, pela primeira vez, um dos baluartes
reivindicativos do movimento operário ficou integrado ao programa político de
uma grande organização. Entretanto, depois de ter derrotado os partidários de
Proudhon, Marx teve que enfrentar seu novo rival interno, o russo Bakunin, que
se somou à Internacional em 1869.

O período compreendido entre o final dos anos 60 e o início dos anos 70 foi rico
em conflitos sociais. Muitos dos trabalhadores que fizeram parte dos protestos
neste intervalo de tempo receberam apoio da Internacional, cuja fama ia sendo
difundida cada vez mais. Da Bélgica à Alemanha e da Suíça à Espanha, a
Associação aumentou seu número de militante e desenvolveu uma eficiente
estrutura organizativa em quase todo o continente. Foi também para além do
oceano, graças à iniciativa dos imigrantes reunidos nos Estados Unidos.

O momento mais significativo da história da Internacional coincidiu com a Comuna
de Paris. Em março de 1871, após o fim da guerra franco-prussiana, os operários
expulsaram o governo Thiers e tomaram o poder. Este foi o acontecimento político
mais importante da história do movimento operário do século XIX. Desde aquele
momento, a Internacional esteve no olho do furacão e adquiriu grande
notoriedade. Na boca da burguesia, o nome da organização se tornou sinônimo de
ameaça à ordem constituída, enquanto na dos trabalhadores se tornou a esperança
de um mundo sem exploração e injustiças. A Comuna de Paris deu vitalidade ao
movimento operário e levou-o a tomar posições mais radicais. Uma vez mais, a
França mostrou que a revolução era possível, que o objetivo podia e devia ser a
construção de uma sociedade radicalmente diferente da capitalista, mas também
que, para alcançá-lo, os trabalhadores teriam que criar formas de associação
política estáveis e bem organizadas.

Por esta razão, durante a Conferência de Londres de 1871, Marx propôs uma
resolução sobre a necessidade de a classe trabalhadora se dedicar à batalha
política e construir onde fosse possível um novo instrumento de luta considerado
indispensável para a revolução: o partido (utilizado até então apenas pelos
operários da Confederação Germânica). Muitos, entretanto, opuseram-se a esta
decisão. Para além do grupo de Bakunin, contrário a qualquer política que não
fosse a da destruição imediata do Estado, várias federações se uniram em sua
impaciência e rebeldia em relação {a proposta do Conselho Geral, ao considerar
que a eleição de Londres era uma ingerência na autonomia das federações locais.

O adversário principal da campanha iniciada por Marx foi uma atmosfera ainda
resistente em aceitar o salto qualitativo proposto. Desenvolveu-se assim um
enfrentamento que fez da direção da organização algo ainda mais problemático,
enquanto ela se estendia na Itália e se ramificava na Holanda, Dinamarca,
Portugal e Irlanda.

Em 1872, a Internacional era muito diferente do que havia sido no momento de sua
fundação. Os componentes democratico-radicais tinham abandonado a Associação,
depois de terem sido encurralados. Os mutualistas haviam sido derrotados e suas
forças drasticamente reduzidas. Os reformistas já não constituíam a parte
predominante da organização (salvo na Inglaterra) e o anticapitalismo tinha se
transformado na linha política de toda a Internacional, também das novas
tendências – como a anarquista, dirigida por Mijail Bakunin, e a blanquista –
que haviam se somado no decorrer dos anos. O cenário, por outro lado, havia
mudado radicalmente também fora da Associação. A unificação da Alemanha em 1871
sancionou o inicio de uma nova era em que o Estado nacional se afirmou
definitivamente como forma de identidade política, jurídica e territorial.

O novo contexto tornava pouco plausível a continuidade de um organismo
supranacional em que as organizações de vários países, apesar de dotadas de
independência, deviam ceder uma parte considerável da direção política.

A configuração inicial da Internacional estava superada e sua missão original
era concluída. Não se tratava de preparar e coordenar iniciativas de
solidariedade em escala europeia, em apoio a greves, nem de convocar congressos
para discutir acerca da utilidade da luta sindical ou da necessidade de
socializar a terra e os meios de produção. Estes temas haviam se transformado em
patrimônio coletivo de todos os componentes da organização. Depois da Comuna de
Paris, o verdadeiro desafio do movimento operário era a revolução, ou seja, como
se organizar para colocar fim ao modo de produção capitalista e derrocar as
instituições do mundo burgues.

Durante sucessivas décadas, o movimento operário adotou um programa socialista
que se estendeu primeiro por toda a Europa e depois por todos os rincões do
mundo, construindo novas formas de coordenação supranacional que reivindicavam o
nome e o ensino da Internacional. Esta imprimiu na consciência dos trabalhadores
a convicção de que a libertação do trabalho do jugo do capital não podia ser
obtida dentro das fronteiras de um país apenas, mas era, pelo contrário, uma
questão global. E igualmente, graças à Internacional, os operários compreenderam
que sua emancipação poderia ser conquistada somente por eles mesmos mediante sua
capacidade de organização, uma conquista que não poderia ser delegada a outros.
Em suma, a Internacional difundiu entre os trabalhadores a consciência de que
sua escravidão terminaria somente com a superação do modo de produção
capitalista e do trabalho assalariado, posto que as melhoras no interior do
sistema vigente não transformariam sua condição estrutural.

Em uma época em que o mundo do trabalho se encontra acuado, também na Europa,
sofrendo com condições de exploração e legislações semelhantes às do século XIX
e em que velhos e novos conservadores tratam, uma vez mais, de separar o que
trabalha do desempregado, precário ou migrante, a herança política da
organização fundada em Londres recobra uma extraordinária relevância. Em todos
os casos em que se comete uma injustiça social relativa ao trabalho, cada vez
que se pisa em um direito germina a semente da nova Internacional.

Tradução: Daniella Cambaúva

In
http://www.cartamaior.com.br/?/Editoria/Internacional/Os-150-anos-da-Internacional/6/31893
29/9/2014

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