terça-feira, 6 de janeiro de 2015

As experiências de produção e vida no assentamento Vitória





Por Luiz de Carvalho
Do Diário do Paraná

Coletividade, eficiência e método. Estas são as palavras que norteiam o trabalho
e a vida na Cooperativa de Produção Agropecuária Vitória (Copavi), criada há 21
anos por 20 famílias em um assentamento do Movimento dos Trabalhadores Rurais
Sem Terra (MST) ao lado da área urbana de Paranacity (a 74 quilômetros de
Maringá), e levaram o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária
(Incra) e o MST a considerá-la uma experiência bem-sucedida de reforma agrária.

Diferente de outros assentamentos espalhados pelo País, onde a produção é para a
subsistência, os assentados trabalham cada um para si, moram em casas simples e
muitas vezes as propriedades são vendidas, as 22 famílias da Copavi não são
donas das casas que elas próprias construíram para morar e nem da estrutura
industrial e comercial implantadas nas últimas duas décadas, também não têm
ganhos próprios.

A produção agrícola e pecuária é industrializada no próprio assentamento,
chegando ao consumidor com valores agregados. Tanto que as 40 toneladas de
açúcar mascavo produzidas mensalmente são comercializadas em vários Estados,
parte com embalagem da Copavi, parte por meio de outras empresas. E a cachaça
artesanal Camponesa, com selo de produto orgânico, já chega à França, Itália e
Espanha e pode em breve ganhar outros países europeus.

“Tudo que há aqui foi sonhado, discutido e planejado desde que estávamos vivendo
em barracas de lona em acampamentos espalhados pelo Paraná”, conta Ildo Roque
Calza, 52 anos, um dos fundadores da cooperativa. Junto com a mulher, ele viveu
cinco anos em acampamentos e diz que entre os próprios assentados nasceu a ideia
de se criar um assentamento onde tudo fosse dividido igualitariamente.

A chance de transformar o sonho em realidade surgiu em 1992, quando o Incra
desapropriou uma fazendo improdutiva ao lado da área urbana de Paranacity e 20
famílias que tinham permanecido seis meses acampadas na frente do Palácio
Iguaçu, em Curitiba, foram selecionadas para o assentamento.

“Quando chegamos, em janeiro de 1993, acampamos em barracas próximo a uma mina,
nos fundos da área de pouco mais de 250 hectares, mas não podíamos começar a
trabalhar porque a fazenda estava em poder de uma usina de açúcar e um grupo de
famílias de Paranacity também disputava a área”.

Os assentados tiveram que esperar um ano morando em barracas de lona, fizeram
serviços braçais na cidade ou trabalharam de boia-fria até que houvesse uma
decisão da Justiça, “mas enquanto esperávamos, fortalecemos a ideia de um
assentamento comunitário e criamos a cooperativa no papel”.

Diferente de outros assentamentos, o Vitória não teve lotes entregues a cada
assentado. Foi definida uma área para a construção de casas, outra onde seriam
implantadas as indústrias planejadas e uma reserva de mata.

Depois aconteceram modificações e hoje há uma área de pastagem para a criação de
vacas leiteiras, outra para cana-de-açúcar. Mas, acontecem remanejamentos para
não cansar a terra e a área que hoje está com cana pode virar pasto e o pasto
virar horta.

“Uma das ideias que dá bom resultado e garante a continuidade do projeto inicial
é o refeitório coletivo”, explica Francisco Strozati, o Chicão, um gaúcho de 74
anos que morou em Guaíra e foi um dos líderes do MST na região de Ortigueira.

Ele é um dos fundadores da Cooperativa Vitória e diz que o refeitório foi criado
para que os assentados almoçassem juntos e assim as mulheres podem dedicar mais
tempo ao trabalho na cooperativa, não tendo que ir mais cedo para casa para
fazer almoço.

“Tudo na Copavi é conversado. Conversamos durante o almoço, as famílias são
estimuladas a discutir os assuntos da cooperativa em casa, há espaço para
discussão nos núcleos familiares, dentro de cada atividade e uma vez por semana
acontecem reuniões dos conselhos. Por último, há a assembleia, que é o órgão
maior.

Atualmente, os cooperados planejam a construção de mais 10 casas e o plantio de
madeira de lei, como mogno africano, cedro australiano e leocena onde hoje é o
pasto.

Ninguém é dono, mas tudo é de todos

Na Cooperativa de Produção Agropecuária Vitória todo mundo faz de tudo, mas
ninguém é dono de nada. As 18 casas em que vivem 22 famílias, totalizando
próximo de 80 pessoas, foram construídas pelos próprios assentados, muitas vezes
em regime de mutirão, e formam uma vila que parece um condomínio de classe
média, todas com carro na garagem e, misturada a roupas no varal ou afixada na
parede, há sempre uma bandeira do MST.

As ruas de terra, mas bem conservadas, são arborizadas e em todos os quintais há
muitas flores e árvores frutíferas. Quase não se vê cachorros na colônia e um
fato que chama a atenção é que nenhuma casa tem muro ou cerca, tanto que as
pessoas passam por dentro dos quintais das outras e ainda param para bater papo.

“Foi decidido que ninguém seria dono de imóveis, tudo pertence à cooperativa e
quem é sócio pode se sentir proprietário, mas se alguém quiser sair, não pode
vender sua parte na cooperativa”, conta Ildo Calza. Se alguém sair – o que
praticamente não acontece – outra família poderá entrar, fica com a casa e a
parte na cooperativa, mas precisará ser aceita pelos outros cooperados”.

Os assentados fazem de tudo. Há trabalho para homens e mulheres no cuidado das
vacas de leite, no ordenhamento, resfriamento, envazamento, produção de
iogurtes, bebidas lácteas, doce de leite e queijos, a padaria produz pães de
diversos tipos, biscoitos e cucas e em outro setor produz-se açúcar mascavo,
melaço e cachaça. Alguns cooperados trabalham ainda com porcos, galinhas
poedeiras, frangos de corte, criação de peixe e hortaliças para suprir o
refeitório coletivo e as próprias casas.

Os produtos de laticínio e panificadora são vendidos para a merenda escolar em
30 municípios da região e parte é comercializada nas cidades, de porta em porta,
e em acampamentos e outros assentamentos do MST.

“Tudo é feito em sistema de rodízio”, diz Calza. “É para que todos dominem todas
as atividades do assentamento”. Segundo ele, uma pessoa pode ser o responsável
pelo setor de laticínio e, em outro horário, ajudar na horta ou no corte de
cana. E a cada seis meses acontecem mudanças em todas as coordenações, de modo
que cada pessoa terá chance, em algum momento de coordenar alguma atividade.

Tudo que é produzido é vendido e o dinheiro é repartido entre quem trabalhou, de
acordo com as horas trabalhadas.

NÚMEROS

20 famílias participaram da criação da Copavi, em 1993

44 pessoas são sócias da cooperativa hoje, com direitos e deveres iguais

80 pessoas de 22 famílias moram nas 18 casas do assentamento

40% dos sócios têm curso superior e trabalham na cooperativa

18 anos é a idade mínima para tornar-se sócio

1 mil litros de leite são retirados por dia

40 toneladas de açúcar mascavo são produzidas por mês

20 empregados são contratados para auxiliar nos trabalhos da cooperativa

R$ 90 mil é o faturamento mensal médio da cooperativa

Um sonho de pai para filho

Um pequeno presépio com muitas luzes se destaca na sala do casal Armelinda-Vitor
Damasceno, mas também chama a atenção o tamanho da sala, toda pintada de azul
claro: 5 X 5 metros.

É nela que Vitor e Armelinda passam boa parte do tempo, em companhia dos três
netos que criam, pois é lá que está a TV de LED de 40 polegadas exibindo mais de
30 canais captados pela antena parabólica instalada aos fundos da casa de 110
metros quadrados.

Toda forrada, com piso cerâmico, varanda ampla e cercada de árvores frutíferas e
flores, com água de poço artesiano e internet banda larga, a casa é um dos
orgulhos de Vitor, um homem de 71 anos que até os 50 trabalhava como boia-fria
em lavouras de algodão, café, fez todo tipo de trabalho braçal e tentou a sorte
até em garimpos no Norte do Brasil.

Orgulho porque, afinal, ele fez a casa com suas próprias mãos, aproveitando as
horas do dia que restavam depois de muito trabalho no corte de cana, no
arranquio de mandioca, capina ou mesmo limpeza de pasto. Orgulho porque naquele
mesmo local ele e a família moraram debaixo de uma barraca de lona plástica,
enfrentando chuva e vendaval, frio e calor intenso, depois de viver em barracas
em outros pontos do Paraná.

Vitor é um dos fundadores da Cooperativa de Produção Agropecuária Vitória, ou
Copavi, e ajudou a transformá-la em um caso de sucesso entre os assentamentos do
Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST).

“Não tenho o direito de vender esta propriedade, mas também não tenho interesse
em sair daqui. Esta casa, este lugar, a cooperativa, a maneira que vivemos são
resultado do que sonhamos juntos e me sinto realizado em chegarmos a este
ponto”, diz o homem que poderia ter se aposentado, mas prefere continuar
trabalhando. “Não sou proprietário, mas tenho a tranquilidade de saber que isto
ficará para meus netos, que poderão deixar para os filhos deles”.

Educação e consciência são prioridades

Cerca de 30 crianças, de recém-nascidos a pré-adolescentes, viviam nas barracas
de lona ao lado de uma mina d’água quando seus pais ganharam na Justiça o
direito de ocupar uma propriedade de 256 hectares próxima área urbana de
Paranacity e implantaram a Cooperativa de Produção Agropecuária Vitória. Hoje,
21 anos depois, quase todas aquelas crianças continuam no assentamento, a
maioria com diploma de curso superior.

É o caso de Cristiano Czycza, que começou a viver em acampamentos em áreas
ocupadas por sem terra desde antes de aprender a andar. “Eu tinha 6 anos quando
meus pais vieram para cá, mas desde menos de 1 ano de idade já morava em
acampamentos”, conta o jovem de 27 anos, formado em Administração em Belo
Horizonte.

Segundo Czycza, uma das prioridades da cooperativa é a educação dos filhos e
todos os jovens têm apoio para estudar em algumas das melhores universidades do
Brasil, graças a convênios que o Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST)
mantém com instituições de ensino.

O fato de garotos e garotas do Vitória saíram para estudar fora tem ajudado a
aumentar a população do acampamento. Vários acabam casando com colegas de
faculdade, como foi o caso de Carlos Roberto Cardoso, filho de um ex-vereador de
Sarandi, que foi cursar História na Universidade Federal da Paraíba e lá
conheceu Maria José, com quem se casou.

Assim, hoje as casas do acampamento são ocupadas por engenheiros florestais,
agrônomos, contadores, professores. Tem até um engenheiro elétrico espanhol, que
se casou com a filha de um cooperado e mudou-se para o Vitória.
A educação dos filhos e netos está entre as prioridades dos associados da Copavi

“Quase 100% dos jovens que saem para estudar fora acabam voltando, porque aqui
temos uma boa estrutura de trabalho e vivência, muitos trabalham na cooperativa
e outros podem prestar serviços em outros assentamentos, mas se a opção for por
ir para outro lugar, trabalhar fora, a pessoa tem liberdade e terá um ano para
decidir se continua fora ou se volta para a cooperativa”.

Na Copavi, uma pessoa com curso superior pode ganhar o mesmo que ganharia
trabalhando em outra empresa, “mas aqui temos a formação política e ideológica
para que o jovem compreenda seu papel na sociedade, que o desenvolvimento
econômico tem que estar associado ao desenvolvimento social das famílias,
desconstruindo a ideia de que o campo não é mais um bom lugar ou que é lugar de
jecas”, diz o engenheiro agrônomo Adilson Gumieiro, o Maguila, que não foi sem
terra, mas optou por viver no assentamento.
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In
MST
http://www.mst.org.br/node/16913
5/1/2015

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