quinta-feira, 8 de janeiro de 2015

Perspectivas para 2015



por Jorge Figueiredo

A banca foi concebida na iniquidade e nascida no pecado. Os
banqueiros possuem a terra. Afastando-os, mas deixando-lhes o poder
para criar dinheiro, com a ponta da caneta criarão suficientes
depósitos para comprar tudo outra vez. Entretanto, afastem-nos do
poder de criar moeda e todas as grandes fortunas como a minha
desaparecerão e devem desaparecer pois isto seria um mundo mais
feliz e melhor para nele viver. Mas se desejam permanecer escravos
dos banqueiros e pagarem o custo da sua própria escravidão,
deixem-nos continuar a criar moeda.
Josiah Stamp, Presidente do Banco da Inglaterra, década de 1920

O aumento contínuo da composição orgânica do capital é um facto bem
conhecido e não precisa ser demonstrado. A substituição de trabalho vivo
por trabalho morto constitui uma tendência permanente e secular do modo de
produção capitalista, pode-se dizer que uma tendência sistémica. Na nossa
época esta atingiu níveis paroxísticos e já não há nenhum sector de
actividade que dela escape. O último deles, após a indústria e a
agricultura, foi o de serviços. Mas também aí a informática fez o seu
trabalho.

O crescimento vertiginoso da composição orgânica teve e tem muitas
consequências. A primeira, mais óbvia, é a eliminação (ou não criação) de
postos de trabalho para populações que assim se tornam excedentárias. Mas
o que nos interessa aqui é a segunda consequência: a redução da taxa de
lucro (a qual varia inversamente à composição orgânica) nas actividades
produtivas da economia real. A lei tendencial da queda da taxa de lucro,
descoberta por Marx, tem na nossa época a sua comprovação plena na
realidade efectiva (há numerosos estudos empíricos que o confirmam).

No entanto, a mola real que faz funcionar este modo de produção é a busca
do lucro por parte dos capitalistas. Assim, a queda da taxa na economia
real teve como efeito que o capital monopolista e financeiro passasse a
buscar o lucro fora das actividades produtivas, sem a intermediação da
mercadoria. Tenta assim que o dinheiro gere dinheiro, provocando no último
quarto de século o fenómeno avassalador da financiarização. É inútil
classificar tal fenómeno como "perverso" pois isto seria apenas uma
crítica moralista do sistema. Importa sim entender o como e o porque da
sua existência, bem como as formas como se manifesta. As principais
manifestações são a titularização de dívidas, a explosão dos derivativos,
a desregulamentação da actividade bancária convencional, os hedge funds,
os paraísos fiscais, a especulação desenfreada que transformou o sector
financeiro num casino e a criação de uma actividade parabancária
totalmente desregulamentada. Esta última movimenta um volume de capital
tão grande ou maior do que o da banca convencional. É a esta gigantesca
acumulação de títulos de dívida, ou "pretensões a dinheiro" ( claims, em
inglês), que se pode chamar capital fictício. Trata-se de capitais que
giram pelo mundo pois não encontram aplicações produtivas às taxas de
lucro desejadas pelos seus detentores. O seu volume, hoje, é muitas vezes
maior do que o Produto Mundial Bruto [1] .

Esta infestação de capital fictício no mundo todo representa um problema
fatal para o modo de produção capitalista na sua fase financiarizada. Ele
já não pode crescer pois está tolhido pela camisa de força do
endividamento, o qual jamais poderá ser pago. O capital fictício paira
como uma nuvem negra sobre a economia mundial. Como notou Sapir , "Ele
trava os processos de investimento e deprime ao mesmo tempo o consumo,
produzindo estas economias de desemprego em massa que se vê a
desenvolverem-se nos países ocidentais". Instalou-se assim nos países
centrais o capitalismo rentista – mas já não há renda que chegue para tal
volume de títulos e é impossível resgatá-los.

Chega-se assim ao cerne do problema do capital fictício: provoca a
estagnação económica perene. Como escapar à estagnação? Uma das maneiras é
transcender o modo de produção de capitalista, o que elimina rentismo
parasitário e liberta o mundo do peso do endividamento geral – a aplicação
de recursos em actividades úteis já não será estrangulada pela obtenção ou
não de taxa de lucro. A outra, se se mantiver este modo de produção, é
esterilização do excesso de capital fictício. Nas últimas décadas isto tem
sido possível através de gastos governamentais inúteis, como por exemplo a
corrida armamentista. Só que agora, dado o volume atingido, tais soluções
já não são mais suficientes. Tal como um drogado, o capital financeiro
exige doses cada vez maiores do estupefaciente.

Historicamente, nas últimas duas crises gerais do capitalismo que
conduziram a depressões, o restabelecimento da taxa de lucro que permitiu
a retomada do crescimento foi feito através de destruições provocadas por
guerras mundiais. No século XX ambas permitiram gloriosas saídas em "V" .
Mas na actual depressão, iniciada em 2008, está a verificar-se uma saída
"em raiz quadrada" do tipo ondulante. A situação é de tal modo
catastrófica que nem mesmo a baixa drástica do preço do petróleo
verificada nos últimos seis meses está a ser suficiente para a retomada do
crescimento. Ainda que seja uma baixa artificial, provocada pelo
imperialismo em conluio com a Arábia Saudita, ela deveria estar a ter
algum efeito de reanimação. Mas até agora, nada. O sacrifício da sua
indústria do shale pelos EUA não parece estar a ser suficiente. O doente
continua nos cuidados intensivos em estado comatoso.

A actual agressividade do império é um indício do seu desespero. A
imposição de uma junta nazi na Ucrânia, de cerco à Rússia e à China com
bases militares, de sabotagem à Venezuela, etc são indícios alarmantes. E
o servilismo da União Europeia chega até à abjecção, submetendo-se
totalmente aos desígnios imperiais. Esperemos que as guerras energéticas e
monetárias agora iniciadas pelo imperialismo para salvar a hegemonia do
dólar não se transformem em guerra nuclear. Nesse caso, a alternativa
"Socialismo ou barbárie" formulada por Rosa Luxemburgo teria de ser
corrigida para "Socialismo ou extermínio".

Neste mar tormentoso, para a pequena nau lusitana a melhor saída será
retomar o seu destino nas suas próprias mãos: Recuperar a soberania
monetária de que a classe dominante portuguesa abdicou; criar uma moeda
nacional de emissão estatal; abandonar a UE e o seu tratado orçamental;
libertar-se das peias de organismos internacionais e iniciar um programa
de recuperação económica do país. Esta seria a melhor saída possível
diante da actual situação desastrosa. Quando será?

Votos de bom 2015.
[1] Cerca de 12 vezes segundo Jorge Beinstein, v. Capitalismo, violência e
decadência sistémica

Ver também:

O capital fictício, nova obra de Cédric Durand

Crises, os desenlaces possíveis

Este artigo encontra-se em http://resistir.info/ .


03/Jan/15

RESISTIR.INFO
http://www.resistir.info/jf/perspectivas.ht

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