quinta-feira, 19 de março de 2015

Colombo, um D. Quixote que chegou à América desafiando a Geografia e a História



Miguel Urbano Rodrigues


Independentemente da ignorância da geografia e da ciência náutica e da sua
teimosa insistência em invocar a Bíblia e Ptolomeu em defesa de um projecto
irresponsável, a chegada de Colombo a um Novo Mundo foi um acontecimento que
alterou profundamente a História da Humanidade.




Li alguns livros dedicados a Cristóvão Colombo. Sobre ele autores de muitas
nacionalidades, historiadores, ensaístas, romancistas, cineastas, jornalistas e
aventureiros das letras escreveram obras de valor muito desigual. A minoria
sérias, a maioria textos sensacionalistas.
Está hoje provado que Cristóforo Colombo, seu nome de batismo, nasceu em Génova
em 1451. Mas se há certeza quanto ao ano há dúvidas sobre o dia e o mês.
Adolescente, foi tecelão como o avô e o pai.
A polémica envolve também a própria nacionalidade. Autores em busca de
notoriedade afirmam que nasceu em Portugal; para outros era catalão, corso,
inglês, suíço, ou, pasme-se, polaco. Um escritor português, de escasso talento,
mas traduzido em mais de uma dezena de línguas, retomou num romance (que
inspirou um filme) a tese da origem lusitana.
Meio milénio transcorrido desde a sua morte, os atos e a personalidade de
Colombo, longe de gerar consensos, desencadeiam polémicas.
Fases da sua vida estão bem iluminadas, alternando com outras envolvidas em
densa neblina.
Sabe-se pela sua correspondência e por textos de Fernando - seu filho e
biógrafo- que aos 22 anos optou por ser marinheiro. Primeiro no Mediterrâneo,
depois no Atlântico. A paixão pela aventura nasceu da paixão pela História e
pela Geografia, deformando-as. A Bíblia era a sua referência, e o fascínio que
sentia pelos Profetas do antigo testamento acompanhá-lo-ia pela vida adiante.
As conceções geográficas de Ptolomeu tinham já perdido credibilidade,
desmentidas pelos cartógrafos italianos e portugueses, mas não para Colombo. Uma
estranha fusão de profecias hebraicas e de opiniões disparatadas de Ptolomeu
contribuiu para dar gradualmente forma a uma ideia absurda. Acreditou que,
navegando para Ocidente, era possível atingir Catay (a China) e Cipango (o
Japão). Essa convicção adquiriu caracter obsessivo nos anos em que residiu em
Portugal, sobretudo em Porto Santo e na Madeira. Foi fonte de um projeto
tresloucado.
Um dos biógrafos sérios de Colombo, o historiador soviético Iakov Svet, dedica
atenção a um tema que tem gerado controvérsia: o seu saber náutico.
Colombo aprendeu muito com os portugueses. Viajou até à Guiné, à Inglaterra e à
Irlanda. Mas não há provas de que tenha visitado a Islândia e navegado no Oceano
Ártico. O que escreveu a esse respeito carece de credibilidade.
Registe-se que os vikings tinham chegado ao Continente Americano no século X.
Dessa aventura restam vestígios de um povoado em L’Anse aux Meadows, na Terra
Nova, património da Humanidade.
Como marinheiro, Colombo tinha intuição. Conhecia o regime dos ventos
atlânticos e as correntes oceânicas. Mas manejava mal os instrumentos náuticos
da época; não tinha a noção das distâncias. Pinzon, o imediato na primeira
viagem, comandante da Pinta, navegador veterano, chamou-lhe desencaminhador de
longitudes e latitudes.
Grande leitor de obras pseudocientíficas, o seu livro de cabeceira foi o Imago
Mundi,de Petros de Aliaco, um geógrafo italiano que sustentava como Ptolomeu que
a superfície dos mares do planeta era muito inferior à das terrestres, a massa
continental Euroasiática e africana.
Extraía daí a conclusão de que a distância a percorrer para se atingir a China
e a Índia – conhecia o Livro de Marco Polo – seria muitíssimo menor do que
afirmavam os cartógrafos portugueses.
Os cálculos que submeteu a D Joao II, na esperança de que o monarca português
financiasse o seu projeto, estavam obviamente errados. Um erro de muitos
milhares de milhas marítimas, como a viagem de circunavegação de Fernão de
Magalhães (1519/1522) demonstraria. A Junta de Matemáticos do rei concluiu que o
projeto carecia de base cientifica; foi rejeitado.
Tentou então obter em Espanha o que não conseguira em Portugal.
Durante sete anos de peregrinação por Castela acompanhou a corte itinerante dos
reis Católicos. Tenaz, acabou por ser recebido em audiência pela rainha Isabel
após a conquista de Granada. E a sorte, finalmente, favoreceu-o.
Apresentou o seu projeto e a rainha, após alguma hesitação, aprovou-o. Saiu de
Palos, na Andaluzia, com duas caravelas e uma nau, rumo ao Ocidente.
Talvez por ser cética quanto ao êxito de Colombo, Isabel aceitou as suas
enormes exigências: nomeou-o Almirante do Mar Oceano e vice-rei das terras a
descobrir, com direito a colossais recompensas futuras.
Isabel era tão ignorante em História quanto o audaz genovês. Atendendo a uma
sugestão de Colombo, escreveu uma carta ao Grão Khan. Ambos desconheciam que o
império edificado por Gengis Khan se desmoronara há mais de um século e que o
ultimo imperador mongol fora derrubado na China em 1368.
Sobre a primeira viagem de Colombo foram escritas milhares de páginas. O
original do seu Diário de Bordo perdeu-se assim como eventuais cópias. Frei
Bartolomé de las Casas editou uma versão, décadas após a sua morte, mas
introduziu no texto alterações.
A travessia do Atlântico foi rápida. Saiu de Espanha a 3 de agosto de 1492, das
Canárias a 6 de Setembro, e chegou a Guanahin, nas Bahamas, a 12 de Outubro. A
brevidade da viagem contribuiu para que Colombo insistisse numa visão do mundo
nascida de tremendos erros geográficos. Acreditou que aquelas ilhas estavam
muito próximas da India e da China.
Não hesitou em chamar índios aos indígenas nus que encontrou nas Bahamas, e
depois em Cuba e na Espanhola (hoje Haiti e Republica Dominicana). E a palavra
ficou.
Mas as terras que descobrira do outro lado do Atlântico em vez de
proporcionarem à Coroa espanhola ouro e outras riquezas foram para ela um
sorvedouro de dinheiro, túmulo de soldados e marinheiros.
A glória do Almirante do Mar Oceano durou pouco. O balanço da segunda viagem
foi pior do que o da primeira. Não encontrou minas de ouro e dos 39 companheiros
que deixara no forte erguido na Espanhola não encontrou um só vivo no regresso.
A rainha recebeu-o com frieza.
A terceira viagem foi desastrosa. Principiou bem. Ancorou os navios no estuário
do Orenoco, na atual Venezuela, sem se aperceber de que chegara a terras de um
continente.
A água trazida pelo rio era ali doce em pleno mar pelo que concluiu ter chegado
ao Paraíso, berço, segundo a Bíblia, dos grandes rios. Em carta aos Reis
Católicos evocou mais uma vez Ptolomeu segundo o qual o Hemisfério Ocidental
podia ter a forma do pedúnculo de uma pera.
Ao chegar à Espanhola, Bobadilla, um juiz enviado por Isabel, acusou-o de
corrupção e responsabilizou-o por escravizar índios; foi um percursor do
genocídio dos ameríndios. Voltou a Espanha em 1500, preso, com cadeias nos pés.
Na Europa sabia-se que Vasco da Gama, pela rota do Índico tinha chegado a
Calicut. As armadas portuguesas regressavam da India carregadas de especiarias.
Pedro Alvares Cabral atingira o Brasil em l500 e, pelo disposto no Tratado de
Tordesilhas, uma parte do continente sul-americano pertencia a Portugal.
O rumo da Historia desmentira e ridicularizara as conceções geográficas de
Colombo.
Mas, caído em desgraça, revogados os seus títulos- exceto o de almirante- e
privilégios, continuava a sustentar, desafiando a ciência, que as terras por ele
descobertas no Atlântico Ocidental eram vizinhas da China e da India.
Viveu em Castela modestamente durante quase dois anos. Foi então que escreveu o
Livro das Profecias O original dessa obra inacabada perdeu-se, tal como Diário.
Sabe-se que resvalara para um misticismo atípico. Recorria sempre aos profetas
bíblicos e a Ptolomeu numa tentativa de justificar as suas teses sobre o Novo
Mundo. Inspirado pela Santíssima Trindade, Colombo atribuía aos reis Católicos a
missão divina de libertar Jerusalém.
Sonhava com uma nova viagem para chegar, afirma, ao Quersoneso Áureo (antiga
colónia grega na Crimeia), a Calecut na India, e à Arábia Feliz (o Iémen). Esse
desabafo é, como outros, revelador da sua ignorância da História e da Geografia.
Perguntam os historiadores o que terá levado Isabel a confiar a Colombo quatro
navios para uma quarta viagem?
Milhares de espanhóis haviam emigrado na época para a Espanhola e para a grande
ilha de Cuba. Trocavam a Espanha empobrecida por um futuro de aventura incerto.
A rainha terá talvez admitido que nas terras de além Atlântico que pertenciam à
coroa de Castela as riquezas acabariam por aparecer.
Mas a tarefa de Colombo, desta vez, era muito modesta. Cabia-lhe somente
realizar novos descobrimentos. Estava expressamente proibido de entrar em águas
da Espanhola, salvo em caso de força maior.
Ao Papa Alexandre VI dirigiu, antes de partir, uma carta que, pela insensatez,
trás à memoria discursos do Quixote dirigindo-se a Sancho.
«Ganhei – escreveu - mil e quatrocentas ilhas e trezentas e trinta léguas de
terra firme na Ásia (referia-se a Cuba), sem contar outras ilhas famosíssimas,
grandes e numerosas, situadas a leste da Espanhola. Estas ilhas são Társis,
Cethia, Ofir, Onofray e Cipango».
Espantosa confusão. Colocava ao lado da Espanhola quatro lendários países
bíblicos e o Japão de Marco Polo.
Na quarta e última viagem, Colombo estava persuadido de que iria navegar por
mares que banhavam a India e a Etiópia, regiões que, aliás, se situavam na zona
de expansão atribuída pelo Vaticano a Portugal. Mitómano, esperava regressar a
Espanha pelo Índico, dando a volta ao mundo.
A travessia foi rápida. O irmão Bartolomeu e o filho bastardo, Fernando,
integravam a expedição. Dois meses depois de zarpar de Sevilha, a frota chegou à
Martinica. E, desobedecendo às instruções recebidas, pediu licença a Ovando,
então governador da Espanhola para entrar na cidade de Santo Domingo, a nova
capital. O pedido foi recusado, mas, apesar disso fundeou próximo da cidade para
evitar um furacão.
Navegou depois pelo litoral sul de Cuba e inflectiu para sudoeste. A 30 de
Julho os navios ancoraram em frente a uma serrania, numa terra desconhecida.
Estava nas atuais Honduras, mas não percebeu que aquela terra era parte de um
continente. Conduziu os navios até um golfo a sul da Peninsula do Yucatan.
A sorte foi lhe adversa. Se tivesse prosseguido viagem para o Norte teria
chegado a áreas habitadas pelos maias e entrado em contato com uma das grandes
civilizações do Continente, quase um quarto de século antes de Grijalbo e Hernan
Cortés.
Mas inverteu o rumo e navegou ao longo das costas da Nicarágua, da Costa Rica e
do Panamá.
Numa carta aos reis declarou que, segundo os índios de Ciguare (Panamá) esse
lugar distava «dez jornadas do rio Ganges».
O enorme disparate tem uma explicação. O intérprete hondurenho abandonara a
expedição e Colombo entendia-se por gestos com os índios, inventando o que não
compreendia.
Após alguns dias de descanso na baia da atual Nombre de Dios, a expedição
assumiu contornos de pesadelo. As caravelas estavam em péssimo estado; as
tripulações (quase 150 homens) sofriam de muitas doenças. A fome era tamanha que
chegaram a comer as larvas que infestavam o biscoito apodrecido. Os navios
permaneceram no estuário do rio Belén durante cem dias.
Colombo, muito debilitado pela gota e pelas febres, tinha estanhas visões. Num
texto que lhe sobreviveu relata os seus monólogos com Deus, cita Moisés, David,
a fuga do Egipto, Abrão e Isaac.
Um dos navios foi desmantelado. O almirante seguiu com os outros três para a
Jamaica em meados de Abril de 1503. Não acabaram ai as suas desditas. As
caravelas, podres, não estavam em condições de percorrer as 108 milhas que
separavam a frota da Espanhola. A tripulação dividiu-se. Uma fação liderada por
Diego Porras amotinou-se e atacou Colombo e os marinheiros que o apoiavam.
Um amigo do genovês enviado a Santo Domingo num escaler voltou numa caravela
onde embarcaram o almirante e os seus companheiros, incluindo os homens de
Porras. A travessia, devido a tempestades, durou seis semanas.
Colombo foi mal recebido pelo governador Ovando que libertou os promotores do
motim.
Negou ao almirante mantimentos e navios para regressar a Castela. Após
negociações morosas, Colombo conseguiu alugar à sua custa uma pequena caravela
mas nela couberam apenas, para a larga viagem, 20 homens. Os restantes ficaram
em Santo Domingo. O barco chegou a San Lucar de Barrameda a 7 de novembro de
1504. Dois anos, cinco meses e vinte e oito dias durou a expedição que teve
facetas de tragédia grega.
A rainha Isabel faleceu duas semanas após o seu regresso a Espanha. Fernando,
que assumiu a regência de Castela, desprezava o almirante. Concedeu-lhe uma
pensão humilhante, mas ignorou as suas reivindicações sobre dívidas da Coroa
relativas aos seus serviços.
Morreu em Valladolid, em maio de 1506, amargurado, mas convicto de que tinha
chegado muito próximo da China e da India.
O rei não se fez representar no seu discreto funeral.

***
Transcorridos cinco séculos, a celebridade que lhe negaram na sua época envolve
o nome de Cristóvão Colombo.
Sobre o Almirante do Mar Oceano foram escritos centenas de livros. Mas o
julgamento do homem e do navegador pelos historiadores não é consensual. Para
uns foi um génio merecedor da gratidão da Humanidade; para outros um aventureiro
ambicioso bafejado pela sorte.
Independentemente da ignorância da geografia e da ciência náutica e da sua
teimosa insistência em invocar a Bíblia e Ptolomeu em defesa de um projeto
irresponsável, a sua chegada a um Novo Mundo foi um acontecimento que alterou
profundamente a História da Humanidade.
Mas o nome pelo qual ficou conhecido o Continente fronteiro à Europa não é o
seu. Foi um escritor da Lorena, Martin Waldseemuller, que ao ler uma carta de
Américo Vespúcio lhe deu o nome de América «em honra do sábio que a descobriu».
Duplo e lamentável engano. O navegador florentino não foi um sábio e limitou-se
percorrer áreas do litoral do continente; a carta era, aliás, uma falsificação.
Mas a palavra América passou a correr mundo e ficou.
O de Colombo é hoje apenas o de um país da América do Sul, o de uma província
do Canadá e da capital do Sri Lanka.
Não é fácil qualificar o homem Cristóvão Colombo.
Vejo nesse cavaleiro da utopia um ser fascinante e contraditório que me faz
recordar Don Quijote de la Mancha, o herói de Cervantes.

Serpa e Vila Nova de Gaia, Fevereiro de 2015

In
O Diário.info
http://www.odiario.info/?p=3590
19/3/2015

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