quarta-feira, 20 de abril de 2016

Guerra híbrida das hienas dilacera o Brasil***





por Pepe Escobar [*]

A sombria e repulsiva noite em que a presidente da 7ª maior economia do
mundo foi a vítima escolhida para um linchamento de hienas num insípido e
provinciano Circo Máximo viverá para sempre na infâmia.

Por 367 votos a favor e 137 contra, o impeachment/ golpe/ mudança de
regime contra Dilma Rousseff foi aprovado pelo circo parlamentar
brasileiro e agora irá para o Senado, onde uma "comissão especial" será
instituída. Se este for aprovado, Rousseff será então marginalizada
durante 180 dias e um ordinário Brutus tropical, o vice-presidente Michel
Temer, ascenderá ao poder até o veredicto final do Senado.

Esta farsa desprezível deveria servir como um alerta não só para os BRICS
como também para todo o Sul Global. Quem é que precisa de NATO, R2P
("responsability to protect") ou "rebeldes moderados" quando pode
obter a sua mudança de regime apenas com o ajustamento do sistema
político/judicial de um país?

O Supremo Tribunal brasileiro não analisou o mérito da questão – pelo
menos ainda não. Não há qualquer evidência sólida de que Rousseff tenha
cometido um "crime de responsabilidade". Ela fez o que todo presidente
americano desde Reagan tem feito – para não mencionar líderes de todo o
mundo: juntamente com o seu vice-presidente, o desprezível Brutus,
Rousseff foi ligeiramente criativa com os números do orçamento federal.

O golpe foi patrocinado por um vigarista certificado, o presidente da
câmara baixa Eduardo Cunha, confirmadamente possuidor de várias contas
ilegais na Suíça, listado nos Panama Papers e sob investigação pelo
Supremo Tribunal. Ao invés de reger hienas quase analfabetas num circo
racista, em grande medida cripto-fascista, ele deveria estar atrás das
grades. Custa a crer que o Supremo Tribunal não tenha lançado acção legal
contra Cunha. O segredo do seu poder sobre o circo é um gigantesco esquema
de corrupção que perdura há muitos anos, caracterizado pelas contribuições
corporativas para o financiamento das suas campanhas e de outros.

E aqui está a beleza de uma mudança de regime light, uma revolução
colorida da Guerra Híbrida, quando encenada numa nação tão dinamicamente
criativa como o Brasil. A galeria de espelhos produz um simulacro político
que teria levado descontrucionistas como Jean Braudrillard e Umberto Eco,
se vivos fossem, a ficarem verdes de inveja. Um Congresso atulhado com
palhaços/tolos/traidores/vigaristas, alguns dos quais já estão a ser
investigados por corrupção, conspirou para depor uma presidente que não
está sob qualquer investigação formal de corrupção – e que não cometeu
qualquer "crime de responsabilidade".

A restauração neoliberal

Ainda assim, sem um voto popuplar, os maciçamente rejeitados gémeos
Brutus tropicais, Temer e Cunha, descobrirão que é impossível governar,
muito embora eles encarnassem perfeitamente o projecto das imensamente
arrogantes e ignorantes elites brasileiras. Um triunfo neoliberal, com a
"democracia" brasileira espezinhada abaixo do chão.

É impossível entender o que aconteceu no Circo Máximo neste domingo sem
saber que há um rebanho de partidos políticos brasileiros que está
gravemente ameaçado pelos vazamentos ininterruptos da investigação de
corrupção Lava Jacto. Para assegurar a sua sobrevivência, a Lava Jacto
deve ser "suspensa"; e isto será feito sob a falsa "unidade nacional"
proposta pelo desprezível Brutus Temer.

Mas antes a Lava Jacto deve produzir um escalpe ostensivo. E este tem de
ser Lula na prisão – comparado ao qual a crucificação de Rousseff é uma
fábula de Esopo. Os media corporativos, conduzidos pelo venenoso império
Globo, saudariam isto como a vitória final e ninguém se preocuparia com a
aposentadoria da [investigação] Lava Jacto.

Os mais de 54 milhões que em 2014 votaram pela reeleição de Roussef
votaram errado. O "projecto" global é um governo sem voto e sem povo; um
sistema parlamentar de estilo brasileiro, sem aborrecimentos com
"eleições" incómodas e, crucialmente, incluindo campanhas de
financiamento muito "generosas" e flexibilidade que não obrigue a
incriminar companhias/corporações poderosas.

Em resumo, o objectivo final é "alinhar" perfeitamente os interesses do
Executivo, Legislativo, Judiciário e media corporativos. A democracia é
para otários. As elites brasileiras que fazem o controle remoto das hienas
sabem muito bem que se Lula concorrer outra vez em 2018 vencerá. E Lula já
advertiu; ele não endossará qualquer "unidade nacional" sem sentido;
estará de volta às ruas a combater qualquer governo ilegítimo que surja.

Agora estamos abertos à pilhagem

No pé em que está, Rousseff corre o risco de se tornar a primeira grande
baixa da investigação Lava Jacto, com origem na NSA , que perdura há dois
anos. A presidente, reconhecidamente uma gestora económica incompetente e
sem as qualificações de um político mestre, acreditou que a Lava Jacto – a
qual praticamente impediu-a de governar – não a atingiria porque ela é
pessoalmente honesta. Mas a agenda não tão oculta da Lava Jacto foi sempre
a mudança de regime. Quem se importa se no processo o país for deixado à
beira de ser controlado exactamente por muitos daqueles acusados pela
iniciativa anti-corrupção?

O desprezível Brutus Temer – uma versão fútil de Macri da Argentina – é a
conduta perfeita para a implementação da mudança de regime. Ele representa
o poderoso lobby bancário, o poderoso lobby do agronegócio e a poderosa
federação de indústrias do líder económico do Brasil, o estado de São
Paulo.

O projecto neo-desenvolvimentista para a América Latina – pelo menos
unindo algumas das elites locais, investindo no desenvolvimento de
mercados internos, em associação com as classes trabalhadoras – agora
está morto, porque o que pode ser definido como capitalismo
sub-hegemónico, ou periférico, está atolado na crise após a derrocada de
2008 provocada pela Wall Street. O que resta é apenas restauração
neoliberal, a TINA ("there is no alternative"). Isto implica, no caso
brasileiro, a reversão selvagem do legado de Lula, políticas sociais,
políticas tecnológicas, o impulso para expandir globalmente grandes
companhias brasileiras competitivas, mais universidades públicas, melhores
salários.

Numa mensagem à nação, Brutus Temer admitiu isto; a "esperança" de que
o pós o impeachment será absolutamente excelente para o "investimento
estrangeiro", pois lhe permitirá pilhar a colónia à vontade; um retorno à
tradição histórica do Brasil desde 1500.

De modo que a Wall Street, o Big Oil dos EUA e os proverbiais "American
interests" vencem este round no circo – graças às, mais uma vez
proverbiais, elites vassalas/compradoras. Executivos da Chevron já estão
a salivar com a perspectiva de porem as mãos nas reservas de petróleo do
pré sal; que já foram prometidas por um vassalo confiável na oposição
brasileira.

O golpe continua. As hienas reais ainda não atacaram. De modo que isto
está longe de ter terminado.


19/Abril/2016

NR: Ao publicar um artigo resistir.info não está necessariamente a
corroborar todo o seu conteúdo.

Ver também:
O xadrez do dia da ressaca e a geopolítica mundial

[*] Autor de Globalistan (2007), Red Zone Blues (2007), Obama does
Globalistan (2009) e Empire of Chaos (2014) e 2030 (2015). Seu mais
recente projecto editorial é http://newsbud.com .

O original encontra-se em
www.rt.com/op-edge/340207-rousseff-brazil-impeachment-regime/
In
RESISTIR.INFO
http://resistir.info/brasil/escobar_19abr16.html
20/4/2016

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O blog não necessariamente concorda, no todo ou em parte, com os materiais que publica

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