segunda-feira, 29 de agosto de 2016

Tabuleiro quebrado: Brzezinski entrega o Império




Dos Comentários, em Unz Review:

 "A única coisa que me intriga é que Mr. B esteja dizendo tudo isso
publicamente. Por quê? Essa gente jamais diz publicamente o que já não tenha
vendido mil vezes 'em sigilo'. Fala agora, provavelmente, porque os EUA já não
têm condições nem para salvar as últimas panelas" [Pano rápido].+
.....
Mike Whitney
 O principal arquiteto do plano de Washington para governar o mundo abandonou o
esquema e, agora, fala de construir laços com Rússia e China. Embora o artigo de
Zbigniew Brzezinski na revista The American Interest, intitulado "Towards a
Global Realignment" (17/4/2016) [Rumo a um realinhamento global] tenha sido
praticamente ignorado na mídia-empresa, ele mostra que poderosos membros do
establishment produtor de projetos políticos já não creem que Washington
conseguirá vencer, no esforço para ampliar a hegemonia dos EUA no Oriente Médio
e na Ásia.
 Brzezinski, principal propositor dessa ideia e quem traçou o rascunho da
expansão imperial em seu livro de 1997, The Grand Chessboard: American Primacy
and Its Geostrategic Imperatives [O grande tabuleiro de xadrez, port. PDF],
rendeu-se e clama agora por uma revisão dramática de toda a estratégia. Eis um
excerto do artigo de AI:+

 "Com o fim da era da dominação global dos EUA, o país tem de assumir a
liderança no realinhamento da arquitetura do poder global.
 Cinco evidências básicas relacionadas à emergente redistribuição do poder
político global e o violento despertar político no Oriente Médio assinalam a
chegada de um novo realinhamento global.
 A primeira dessas evidências é que os EUA ainda são a mais poderosa entidade
politicamente, economicamente e militarmente, mas, dadas complexas mudanças
geopolíticas nos equilíbrios regionais, os EUA já não são a potência globalmente
imperial" ("Toward a Global Realignment", Zbigniew Brzezinski, The American
Interest)+

 Repitam comigo: os EUA "já não são a potência globalmente imperial". Compare-se
essa avaliação e o que Brzezinski disse anos antes, no Tabuleiro, que os EUA
eram "a potência excepcional máxima do mundo".+

 " (...) A última década do século 20 testemunhou uma mudança tectônica nos
assuntos do mundo. Pela primeira vez em todos os tempos, uma potência não
eurasiana emergiu, não só como árbitra chave nas relações de pode eurasianas,
mas também como potência excepcional máxima do mundo. A derrota e colapso da
União Soviética foi o passo final na rápida ascensão de uma potência no
Hemisfério Ocidental, os EUA, única e, realmente a primeira verdadeira potência
global" (The Grand Chessboard: American Primacy And Its Geostrategic
Imperatives," Zbigniew Brzezinski, Basic Books, 1997, p. xiii).+

 Eis um pouco mais do artigo de 2016, em AI:+

 "O fato é que nunca houve potência global verdadeiramente "dominante" até a
emergência dos EUA no cenário mundial. (...) A nova e decisiva realidade global
foi o surgimento no cenário mundial, dos EUA como, simultaneamente o ator mais
rico e militarmente o mais poderoso. Durante a parte final do século 20, nenhuma
outra potência chegou sequer perto. Essa era agora está terminando." (AI)+

 Mas por que "essa era agora está terminando"? O que mudou desde 1997, quando
Brzezinski referia-se aos EUA como "a potência excepcional máxima do mundo"?
 Brzezinski aponta a ascensão de Rússia e China, a fraqueza da Europa e o
"violento despertar político dos muçulmanos pós-coloniais" como causas mais
próximas dessa virada repentina. Os comentários sobre o Islã são particularmente
instrutivos, posto que há ali uma explanação racional para o terrorismo, não a
típica conversa fiada dos governos sobre "odeiam nossas liberdades". Diga-se a
favor dele, que Brzezinski vê o crescimento do terror como a "eclosão de
ressentimentos históricos" (de "injustiça profundamente ressentida"), não como
violência sem direção, de psicopatas fanáticos.
 Naturalmente, em artigo curto, de 1.500 palavras, Brzezinski não pode recobrir
todos os desafios (ou ameaças) que os EUA podem vir a enfrentar no futuro. Mas é
claro que está muito preocupado com o fortalecimento de laços econômicos,
políticos e militares entre Rússia, China, Irã, Turquia e outros estados
centro-asiáticos. Essa é a área principal de suas preocupações e, de fato, até
antecipou o problema em 1997, quando escreveu Tabuleiro. Eis o que disse:+

 "Assim sendo, os EUA podem ter de determinar o modo como enfrentar coalizões
regionais que tentarão expulsar os EUA para fora da Eurásia, ameaçando assim o
status dos EUA como potência global" (p.55).
 "(...) Em termos que nos devolve à era mais brutal dos antigos impérios, os
três grandes imperativos da geoestratégia imperial são impedir a colusão e
manter vassalos dependentes de segurança, para manter os tributários submissos e
protegidos e impedir que os bárbaros se unam" (p.40).+

 "... impedir que os bárbaros se unam." Está bem claro, não?
 A política externa temerária do governo Obama, particularmente as ações que
derrubaram os governos na Líbia e na Ucrânia, acelerou muito gravemente o ritmo
em que se formaram essas coalizões anti-norte-americanas. Em outras palavras, os
inimigos de Washington emergiram como resposta ao comportamento de Washington.
Obama tem de culpar-se, ele mesmo e só ele mesmo.
 O presidente Vladimir Putin da Federação Russa respondeu à ameaça de
instabilidade crescente na região e ao movimento de empurrar forças da OTAN para
cima das fronteiras russas, e fortaleceu alianças com países no perímetro russo
e por todo o Oriente Médio. Ao mesmo tempo, Putin e seus colegas nos países
BRICS (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul) estabeleceram um sistema
bancário alternativo (Banco dos BRICS e Banco Asiático de Investimento, BAII),
que eventualmente desafiará o sistema dominado pelo dólar que é a fonte do poder
global dos EUA. Eis por que Brzezinski tratou de fazer meia-volta rápida e
abandonar o plano da hegemonia dos EUA: porque está preocupado com os perigos de
um sistema não baseado no dólar, que surja entre países não alinhados e em
desenvolvimento e que substitua o oligopólio do banco central mundial. Se
acontecer, então, sim, os EUA perderão o controle que ainda mantêm sobre a
economia global e terá fim o sistema de exploração viciosa da natureza e do
trabalho dos mais pobres hoje vigente.+

NOTA DE ATUALIZAÇÃO: O golpe em curso no Brasil, em julho-ago. 2016, parece ter
relação direta e imediata com esses desenvolvimentos. Alijados do Oriente Médio
e fracos dentro de uma Europa mortalmente enfraquecida, só resta aos interesses
hegemonistas norte-americanos recorrer ao seu velho quintal tradicional dos anos
50s: a América Latina. Para terem sucesso, aqueles interesses hegemonistas têm
de desconstruir o grupo dos BRICS e as instituições multipolares que estão sendo
construídas. Evidentemente, não podem 'desconstruir' China e Rússia, muito menos
se aliadas entre elas; mas Brasil e Índia, sim, podem ser detonados. Trata-se
disso, no golpe em curso contra o governo do Partido dos Trabalhadores no Brasil
[NTs].

 Infelizmente, a abordagem mais cautelosa de Brzezinski não será considerada
pela candidata Hillary Clinton, que se aproxima da presidência dos EUA e que é
crente obcecada da viabilidade de alguma expansão imperial pela força das armas.
Foi Clinton quem introduziu o movimento "de pivô" no léxico estratégico, em
discurso de 2010, intitulado "O século do Pacífico Norte-americano" [ing.
"America's Pacific Century"]. Eis um excerto daquele discurso, publicado na
revista Foreign Policy:+

 "Com a guerra do Iraque já em recessão, e os EUA retirando seus soldados do
Afeganistão, os norte-americanos estão hoje num momento pivô. Ao longo dos
últimos dez anos, alocamos recursos imensos naqueles dois teatros. Nos próximos
dez anos, temos de ser espertos e sistemáticos sobre onde investir tempo e
energia, de modo a nos posicionar do melhor modo para manter nossa liderança,
proteger nossos interesses e promover nossos valores. Uma das tarefas mais
importantes do estado norte-americano na próxima década será portanto firmar-se
em investimento substancialmente ampliado - diplomático, econômico, estratégico
e qualquer outro - na região do Pacífico asiático. (...)
 Aproveitar o crescimento e o dinamismo da Ásia é central para os interesses
econômicos e estratégicos dos EUA e prioridade chave para o presidente Obama.
Abrir mercados na Ásia oferece aos EUA oportunidades sem precedentes para
investimento, comércio e acesso a tecnologia de ponta. (...) Empresas
norte-americanas [devem] mergulhar na vasta e sempre crescente base de
consumidores da Ásia. (...)
 A região já gera mais de metade da produção global e quase metade do comércio
global. Quando nos empenhamos para alcançar o objetivo do presidente Obama, de
duplicar as exportações até 2015, estamos à procura de oportunidade de mais e
mais negócios na Ásia (...) e de nossas oportunidades para investir nos
dinâmicos mercados asiáticos" ("America's Pacific Century", secretária de Estado
Hillary Clinton", Foreign Policy Magazine, 2011)+

 Comparem-se o discurso de Clinton e os comentários de Brzezinski em Tabuleiro,
14 anos antes:+

 "Para os EUA, o principal prêmio geopolítico é a Eurásia (p.30). (....) Eurásia
é o maior continente do globo e geopoliticamente axial. Potência que domine a
Eurásia também controlará duas das três regiões mais avançadas e economicamente
mais produtivas do globo (...). Cerca de 75% da população do mundo vive na
Eurásia, e a maior parte da riqueza física do mundo está lá, seja nas suas
empresas seja no subsolo. A Eurásia gera 60% do PIB mundial e cerca de ¾ dos
recursos de energia conhecidos do planeta" (p.31).+

 Os objetivos estratégicos são idênticos, a única diferença é que Brzezinski
fez, no século 21, uma correção de curso, consideradas as circunstâncias
mutantes e a crescente resistência em todo o mundo contra os abusos, a dominação
e as sanções de que os EUA são agentes. Ainda não chegamos ao fundo do poço do
primado dos EUA, mas o fundo do poço aproxima-se rapidamente e Brzezinski sabe
disso.
 Bem diferente dele, Clinton continua obcecadamente dedicada a ampliar a
hegemonia dos EUA na Ásia. Não compreende os riscos que essas ações criam para o
país e para o mundo. Vai persistir nas intervenções, até que o monstro bélico
dos EUA seja detido e paralisado - o quê, a julgar pela retórica hiperbólica da
candidata, acontecerá logo, provavelmente ainda no seu primeiro mandato.
 Brzezinski oferece plano racional, embora autoindulgente, para desescalar,
minimizar conflitos futuros, evitar conflagração nuclear e preservar a ordem
global (codinome "sistema dólar"). Mas a sanguinária Hillary ouvirá seus
conselhos? Sem chance. *****+

http://www.counterpunch.org/2016/08/25/the-broken-chessboard-brzezinski-gives-up-on-empire/

In
PORT.PRAVDA.RU
http://port.pravda.ru/mundo/29-08-2016/41637-brzezinski_imperio-0/
29/8/2016

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