sexta-feira, 21 de outubro de 2016

Reflexão sobre histórias polémicas do PCUS, da Revolução de Outubro e da URSS


 Miguel Urbano Rodrigues    

Este artigo foi escrito para ser incluído num livro póstumo que estou a
preparar. Alterei essa decisão porque a minha companheira me persuadiu de que a
sua publicação imediata, nestes dias em que a Humanidade (incluindo Portugal)
está atolada na crise estrutural do monstruoso sistema do capital condenado a
desaparecer pode ser útil.


Li em l961, na Guiné Conakri, a tradução francesa da História do Partido
Comunista (bolchevique) da URSS, revista e aprovada em 1938 pelo Comité Central
do PCUS. Em Portugal, por iniciativa do camarada Carlos Costa, a referida
História foi publicada em 2010 com o subtítulo Breve Curso e um prefácio, muito
elogioso, de Leandro Martins, então chefe da redação do «Avante!». A iniciativa
gerou polémica no PCP.
OLHARES INCOMPATÍVEIS SOBRE A HISTÓRIA
Tenho na minha biblioteca de Gaia a citada História do Partido Comunista
(bolchevique), diferentes edições da História da União Soviética, editadas em
espanhol pela Editorial Progresso de Moscovo, e a tradução portuguesa da
História da Grande Revolução Socialista de Outubro da mesma editora, editada en
l977.
A História do PCUS publicada em 1938 e aprovada pelo Comité Central do Partido
foi traduzida em 67 línguas e dela foram vendidos mais de 42 milhões de
exemplares. Mas, após o XX Congresso, foi retirada das livrarias e bibliotecas
soviéticas.
Não foi sem uma sensação de mal-estar que decidi expressar a minha opinião sobre
essa obra, a da Revolução de Outubro e uma das Histórias da Rússia e da URSS, a
elaborada pelos historiadores A. Fadeiev, Bridsov, Chermensky, Golikov e A.
Sakharov, membros da Academia das Ciências da União Soviética. Foi editada em
espanhol, também pela Progresso, em 1960.
Porquê o mal-estar?
Por estar consciente da extrema dificuldade de estabelecer fronteiras entre o
positivo e o negativo, entre a evocação da História e a deturpação da História
que, por vezes no mesmo capítulo, ora coincidem ora se fundem ou cruzam em
confusão labiríntica.
Na História do Partido Comunista (bolchevique) os primeiros três capítulos são
dedicados ao combate pela criação de um partido operário revolucionário (o
futuro Partido Operário Social Democrata da Rússia - POSDR, inicialmente
marxista), à luta dos bolcheviques contra os mencheviques e à primeira revolução
russa (1904/1907). A narrativa é interessante, com destaque para o papel
decisivo que Lenin desempenhou nessa fase histórica.
Os capítulos 4, 5 e 6 incidem sobre o período que vai da reação stolypiana à
Revolução de Fevereiro de 17 que derrubou a autocracia czarista. Uma informação
muito rica e inédita para os leitores do Ocidente valoriza essas páginas que
iluminam a ascensão e o fortalecimento contínuo do Partido bolchevique e a
importância da obra teórica de Lenin como ideólogo. As Teses leninistas de
Abril, que implicaram uma viragem decisiva na linha do Partido, merecem atenção
especial. Ao exigir «todo o Poder aos Sovietes», Lenin sepultou a ideia da longa
duração da revolução democrático-burguesa, mobilizando o Partido e os
trabalhadores contra o Governo Provisório da Rússia, esboçando a estratégia da
revolução proletária rumo ao socialismo.
 No capítulo 7 os autores da História do Partido evocam os acontecimentos que
precederam a Revolução de Outubro e a preparação desta, com muitas citações de
Lenin que facilitam a compreensão das lutas travadas contra o Governo de
Kerenski e no próprio Soviete de Petrogrado.
Mas a linguagem do livro, a partir do 4º capítulo, dedicado à reação stolypiana
no período que precedeu o início da guerra de 1914/18, muda muito e distancia-se
do rigor, da serenidade e isenção exigíveis a historiadores responsáveis, como
são académicos soviéticos de prestígio mundial como Evgueni Tarlé.
Para caracterizar o oportunismo dos mencheviques, dos economicistas, dos
empiriocriticistas e denunciar e criticar os erros de Kamenev, Zinoviev, Rikov,
Preobrazhensky, Trotsky e demonstrar a sua incompatibilidade com o leninismo, os
autores da História do Partido Comunista (bolchevique) da URSS recorrem a uma
adjetivação agressiva e insultuosa e deturpam grosseiramente a História.
Repetidamente, Stalin começa a aparecer em muitas páginas, sendo-lhe atribuídas
decisões e iniciativas importantes numa época em que era ainda um dirigente
pouco destacado do Partido, embora próximo de Lenin.
Não é verdade que Trotsky tenha aderido ao Partido para o minar por dentro, com
o objetivo de o destruir.
Kamenev e Zinoviev assumiram nas vésperas da insurreição de Outubro posições que
levaram Lenin a qualificá-los de traidores, mas a atitude de Trotsky, que era
presidente do Soviete de Petrogrado, não suscitou então qualquer crítica de
Lenin.
Relativamente às negociações de Brest Litovsk os autores da História do Partido
Comunista deturpam também os acontecimentos. Lenin censurou Trotsky, que era o
chefe da delegação soviética, por não ter cumprido as instruções para assinar a
paz com os alemães, mas nunca chamou traidores a ele e a Bukharin, que assumira
uma posição ultraesquerdista, nem a Radek e Piatakov. Afirmam os referidos
historiadores que eles formavam um grupo anti bolchevique que travou «no seio do
partido uma luta furiosa contra Lenin». É falso que planeavam «prender V.I.
Lenin, J.V. Stalin e I.M. Sverdlov, assassiná-los e formar um novo governo de
bukharinistas, trotskistas e sociais revolucionários de esquerda».
É falso que Trotsky, tendo «como lugar tenentes na luta Kamenev, Zinoviev e
Bukharin, tentava «criar ma URSS uma organização politica da nova burguesia,
partido da restauração capitalista».
A prova de que não tinham agido como conspiradores e traidores foi a nomeação
posterior de todos eles para tarefas da maior responsabilidade, precisamente por
indicação de Lenin. Trotsky foi Comissário da Defesa durante o período mais
dramático da guerra civil e da intervenção militar das potências da Entente, dos
EUA e do Japão; Zinoviev assumiu a presidência da III Internacional com a
aprovação de Lenin; Bukharin foi chefe da redação do Pravda de l924 a 1929, com
o aval de Stalin.
No capítulo 9 a deturpação da História prossegue.
Ainda em vida de Lenin, Trotsky, durante o debate sobre os Sindicatos e a função
da NEP assumiu posições que foram duramente criticadas por Lenin, mas continuou
no Politburo com a aprovação deste.
Nas páginas dedicadas ao XIII Congresso do Partido, a breve referência à Carta
que Lenin, já inválido, lhe dirigiu a 24 de dezembro de 1922, meses antes de
sofrer o último e devastador derrame cerebral, omite o conteúdo e significado
desse documento fundamental.
Os autores da História afirmam que «Nos acordos tomados pelo XIII Congresso
foram levadas em conta todas as indicações feitas por Lenin nos seus últimos
artigos e cartas».
Trata-se de uma indesculpável inverdade.
A Carta de Lenin e a adenda do dia 4 de Janeiro de 1923 foram lidas a muitos
delegados mas não publicadas. Somente foram publicamente divulgadas na URSS em
1956.
Porquê?
Nessa Carta Lenin transmitia ao Congresso a sua opinião sobre os mais destacados
membros do Comité Central, cuja ampliação ele propunha.
A CARTA DE LENIN AO XIII CONGRESSO
Pela sua importância transcrevo a seguir excertos da extensa carta de Lenin ao
XIII Congresso na qual chamava a atenção para o grave perigo que ameaçava o
Partido se não fossem introduzidas alterações na sua estrutura de direção:
«O camarada Stalin, tendo chegado a secretário-geral, tem concentrado nas suas
mãos um enorme poder, e não estou seguro de que o utilizará sempre com
suficiente prudência. Por outro lado, o camarada Trotsky, como já demonstrou a
sua luta contra o CC devido ao problema do Comissariado do Povo para as Vias de
Comunicação, não se destacou apenas pela sua grande capacidade. Como pessoa,
embora seja o homem mais dotado do atual CC, tem demasiada confiança em si mesmo
e é excessivamente atraído pelas facetas puramente administrativas das coisas».
Esboçava depois em poucas linhas os perfis de Kamenev, Zinoviev, Piatakov, e
Tomsky que eram então, com Bukharin, Trotsky, Stalin e ele, membros do
Politburo. A Bukharin apontava as fragilidades, mas elogiava-o também muito.
Sobre Stalin advertia nessa adenda: “É demasiado brutal e esse defeito,
perfeitamente tolerável nas relações entre nós, comunistas, não o é nas funções
de secretário-geral. Proponho portanto aos camaradas que estudem uma forma de o
transferir e nomear para esse lugar uma outra pessoa que somente tenha em todas
as coisas uma única vantagem, a de ser mais tolerante, mais leal, mais educado,
e mais atento para com os camaradas, de temperamento menos caprichoso, etc.
Essas características podem parecer apenas pormenores, mas pelo que disse antes
das relações entre Stalin e Trotsky, não são ínfimos pormenores mas pormenores
que podem assumir uma importância decisiva».
Contrariando especulações frequentes em historiadores do Ocidente, a hipótese de
Trotsky ser nomeado secretário-geral é absurda. A velha guarda do Partido nunca
o aceitaria.
Há leves discrepâncias entre as traduções em inglês, francês, português e
espanhol da Carta de Lenin ao Congresso e da adenda posterior. Mas são
irrelevantes.
A EPOPEIA DA RECONSTRUÇÃO DA RUSSIA E DA INDUSTRIALIZAÇÃO
O capítulo 10 é o melhor do livro.
A Rússia saíra arruinada da guerra mundial, da civil e da agressão das potências
da Entente. Dezenas de cidades e centenas de aldeias tinham sido destruídas. A
produção na agricultura e na indústria caíra para níveis muito inferiores aos de
1913. Durante a catastrófica seca de1921/22 milhões de pessoas morreram de fome.
O governo soviético enfrentou tremendos desafios.
As fábricas existentes eram obsoletas.
Transcrevo da História do Partido:
«Era necessário construir toda uma serie de setores industriais desconhecidos na
Rússia czarista; construir novas fábricas de máquinas e ferramentas, de
automóveis, de produtos químicos e metalúrgicos; organizar uma produção própria
de motores e de materiais para a instalação de centrais elétricas; aumentar a
extração de metais e carvão, pois assim o exigia a causa do triunfo do
socialismo na URSS.
Era necessário criar uma nova indústria de guerra, construir novas fábricas de
artilharia, de munições, de aviões, de tanques e de metralhadoras, porque assim
o exigiam os interesses de defesa da URSS nas condições do cerco imperialista.
Era necessário construir fábricas de tratores, fábricas de máquinas agrícolas
modernas para abastecer a agricultura, para dar a milhões de pequenos camponeses
individuais a possibilidade de passarem à grande produção kolcosiana, porque
assim o exigiam os interesses do triunfo do socialismo no campo».
Essas tarefas gigantescas exigiam milhares de milhões de rublos. Ora os cofres
do Tesouro estavam vazios.
Como o Poder soviético havia anulado todas as dívidas a países capitalistas
contraídas pela autocracia czarista, o crédito estrangeiro era uma
impossibilidade absoluta.
Os excedentes da agricultura eram a única fonte a que o Poder soviético podia
recorrer. Mas para os obter era indispensável que a agricultura estivesse em
condições de os produzir.
Um duplo desafio se colocava: empreender a coletivização das terras e modernizar
em tempo mínimo a agricultura, dotando os kolkhoses e os sovkhoses (quintas do
Estado) de meios técnicos adequados.
O Poder Soviético, contra as previsões de Paris, Londres e Washington, que
consideravam impossível a sua sobrevivência, ganhou essa batalha épica.
 Ela coincidiu com intensas lutas internas no Partido (Trotsky foi expulso em
1927 e deportado para o Cazaquistão, Kamenev e Zinoviev também foram expulsos,
embora tenham sido posteriormente readmitidos) e exigiu a destruição dos kulaks
que tinham enriquecido enormemente durante a NEP.
 Não há precedentes na História da Humanidade para transformações tão profundas
e rápidas como as que então ocorreram na URSS.
En l926/27 foram investidos na indústria mil milhões de rublos, três anos depois
5 mil milhões. Nesse breve período foram construídas a Central Elétrica do
Dnieper, o caminho-de-ferro que ligou o Turquestão à Sibéria, a gigantesca
fábrica de tratores de Stalinegrado, a fábrica de automóveis AMO.
 Em 1928 a superfície dos kolkhoses era de 1 390 000 hectares; em 1929
ultrapassava 4 262 080 hectares e em 1930 15 milhões de hectares.
 No triénio l930/33 a indústria cresceu o dobro.
Esses êxitos foram porem manchados por graves desvios dos princípios e valores
leninistas.
Na coletivização das terras não foram apenas os kulaks o alvo da repressão. Ela
atingiu também e brutalmente, milhões de pequenos camponeses que resistiram à
integração nos kolkhoses.
Stalin criticou os «excessos esquerdistas» de quadros do Partido num artigo em
que denunciou os «graves erros daqueles que se tinham desviado da linha do
Partido» através de medidas de coação administrativa».
São obviamente fantasistas as estatísticas forjadas no Ocidente segundo as quais
dezenas de milhões de camponeses russos e ucranianos foram mortos no processo de
coletivização.
Mas é inegável que cabem a Stalin grandes responsabilidades por crimes cometidos
nesse período.
A História do Partido Comunista (bolchevique) é omissa a esse respeito.
As ideias de Lenin sobre a coletivização eram incompatíveis com a política de
Stalin para a agricultura e com os métodos a que recorreu num contexto de
exacerbada luta dentro do Comité Central.
Mas, a minha discordância frontal da estratégia do secretário-geral do PCUS, já
investido do enorme poder que Lenin temia e denunciou, não me impede de
reconhecer que ele foi um revolucionário excecionalmente dotado que realizou em
menos de uma década uma obra colossal.
Distancio-me totalmente dos elogios insistentes e ditirâmbicos a Stalin, mas
registo que, terminado com êxito antes do prazo o I Plano Quinquenal, a Rússia
se transformara de país agrário atrasado, com estruturas medievais, num grande
país industrial. Um país em que quase 75% da população adulta era analfabeta
tornou-se um país instruído e culto com uma rede impressionante de escolas
superiores, secundárias e básicas em que eram ensinadas as línguas de dezenas de
nacionalidades que conviviam no espaço soviético do Báltico e do Mar Negro ao
Pacífico; o primeiro país do mundo em que o Estado garantia a saúde a educação
gratuita a todos os cidadãos.
CONCLUSÕES
No capítulo das Conclusões os autores da História do Partido (bolchevique)
tentam apresentar o regime soviético no final dos anos 30 como a concretização
do leninismo. Stalin seria o seu intérprete fiel.
O andamento da História demonstrou a falsidade dessa aspiração.
Já na época, o culto da personalidade de Stalin era incompatível com o projeto
de Lenin.
Somente em 1956 no XX Congresso do PCUS foi levantado o tema.
Khrushchov, que nunca havia dirigido a mais leve critica ao secretário-geral,
esboçou dele um perfil medonho. Posteriormente soube-se que o famoso Relatório
ao Congresso estava semeado de informações falsas. Mas o culto da personalidade
de Stalin, por ele estimulado, foi uma realidade.
 A chamada desestalinização não pode esconder que a chegada ao poder de
Khrushchov assinalou o início da política revisionista que conduziu à destruição
da URSS.
Quem enterrou o Socialismo na União Soviética foi Gorbatchov, mas quem abriu a
cova foi Khrushchov.
 SOBRE A HISTÓRIA DA GRANDE REVOLUÇÃO SOCIALISTA DE OUTUBRO
A versão portuguesa, publicada em 1977 pela Progresso foi preparada por um grupo
de académicos, mas a editora soviética não cita os seus nomes.
 Pelo estilo, pela linguagem e pelas fontes consultadas (que ocupam 71 páginas
no índice) é uma obra muito diferente da História do Partido Comunista
(bolchevique) de 1938.
As primeiras referências a divergências na fração bolchevique do POSDR aparecem
somente nas páginas 152 e 163. Os autores sublinham que Trotsky, Kamenev e
Zinoviev não acreditavam na «vitória da revolução socialista na Rússia», Os dois
últimos denunciaram mesmo num artigo a preparação da insurreição do 7 de
novembro (25 de Outubro no calendário Juliano, ainda vigente) o que levou Lenin
a acusá-los de «traidores».
A III Parte da História em apreço é dedicada à Edificação do Estado Soviético e
a Transformações Revolucionárias no País.
Nas 200 páginas que ocupa são frequentes as críticas a Kamenev e Zinoviev e
escassas as referencias a Stalin e Trotsky.
As críticas a Trotsky surgem a propósito das posições contraditórias que assumiu
como chefe da delegação soviética nas negociações de paz de Brest Litovsk com os
alemães e os austríacos.
Mas a linguagem dessas críticas não é agressiva. Os autores escrevem que «Tal
como os comunistas “de esquerda” (então liderados por Bukharin), Trotsky não
acreditava na possibilidade de conservar o Poder Soviético sem o apoio das
revoluções nos países da Europa ocidental. Lenin tinha dado instruções para
assinar o tratado de paz se os alemães apresentassem um ultimato».
E Trotsky, como chefe da delegação, ignorou as indicações de Lenin,
refugiando-se na fórmula absurda «nem paz nem guerra!» Mas quando os alemães
retomaram a ofensiva a 18 de Fevereiro, Trotsky, na reunião de emergência do
Comité Central, votou com Lenin pela assinatura imediata do tratado imposto
pelos alemães, o que se fez a 3 de Março.
Os autores não referem sequer a expulsão de Trotsky do Partido em 1927 e a sua
deportação para a Ásia Central.
Esse grupo de historiadores são obviamente seguidores disciplinados da linha
revisionista adotada pelo PCUS após o XX Congresso. E refletem na sua História
um tipo de sectarismo tão condenável como o dos redatores da História do Partido
Comunista (bolchevique).
 A escassez de referências a Trotsky não se justifica.
Se é falso que ele tenha sido o cérebro de um plano tenebroso que visaria
desmembrar a URSS, entregando o Extremo Oriente aos japoneses e a Ucrânia a
Hitler, é indesmentível que o fundador da IV Internacional conspirou
permanentemente no exílio contra a União Soviética.
UMA HISTÓRIA DA URSS TAMBÉM POLÉMICA
A História da URSS preparada pelos cinco membros da Academia das Ciências
citados no início deste artigo é também uma obra polémica na qual a deturpação
dos acontecimentos históricos reflete o espirito do revisionismo khrushchoviano.
É um manual pouco ambicioso destinado à juventude. O título é aliás incorreto
porque os autores tentam condensar em quatrocentas e poucas páginas a história
dos povos que desde o paleolítico se instalaram ao longo dos séculos no espaço
da futura União Soviética.
O Capítulo I, de Bridsov e A. Sakharov, é dedicado às comunidades primitivas e
ao período da escravidão.
No Capítulo II, de Sakharov, o tema é o feudalismo e abrange a fundação do
Estado Russo, as invasões mongóis, a desintegração da Horda de Ouro, e finda com
o desenvolvimento na Rússia das relações capitalistas.
A perspetival marxista não é facilmente identificável nessas páginas que contêm
informações muito interessantes, ausentes nos trabalhos de historiadores
ocidentais sobre esses períodos. O nome de Stalin aparece pela primeira vez na
página 141, incluído numa lista de bolcheviques que lutavam contra os
mencheviques. Kamenev é citado na página 202 como líder dos «oportunistas de
direita». Bukharin e Preobrazhensky na página 206 como «capituladores».
Trotsky é criticado (pág. 212) por «ter violado as instruções do CC do Partido e
do governo soviético, negando-se a assinar as condições de paz».
O Stalin é atribuído, com Vorochilov, o êxito da vitória sobre Krasnov (pág.
231) em Tsaristsin (futura Stalinegrado).
O trotskismo volta a ser citado criticamente na pág. 258. Bukharin e Rykov são
qualificados de «grupo anti partido de oportunistas» (pág. 261)
Nas páginas dedicadas à coletivização da agricultura a violação dos princípios
do Partido é atribuída a funcionários e aos sovietes locais e valorizada como
importante a crítica de Stalin a esses desvios. Mas não há referências aos
crimes cometidos e à deportarão maciça de camponeses.
O Historiador não alude sequer aos processos dos anos 30 que findaram com os
fuzilamentos de Kamenev, Zinoviev, Rakovsky, Bukharin, Preobrazhensky e outros
velhos bolcheviques.
As primeiras referências ao culto da personalidade de Stalin aparecem na página
281. O autor do capítulo afirma que «a idolatria a Stalin infligiu graves danos
ao Partido Comunista e à sociedade soviética» e sublinha que os êxitos obtidos
pelo Partido e as massas populares foram injustamente atribuídos a Stalin.
No capítulo dedicado à II Guerra Mundial salienta-se que Stalin «assumiu a
direção militar, económica e politica dom país, concentrando nas suas mãos a
plenitude do Poder do Estado» (pág. 287).
No Capítulo IV, o académico F. Golikov dedica largo espaço (página 312 e
seguintes) ao XX Congresso, informando que nele foi discutido o relatório do
primeiro secretário, Khrushchov, sublinhando que «a questão de superar o culto
da personalidade de Stalin e as suas consequências» mereceu especial atenção.
«O Congresso – escreve Golikov - revelou audaz e sinceramente as faltas e as
deficiências no trabalho, resultantes da idolatria a Stalin, sobretudo nos
últimos anos da sua vida e atividade. Alheio ao espirito do marxismo-leninismo e
à natureza do regime socialista da sociedade, a androlatria travou o
desenvolvimento da democracia soviética e impediu o avanço da União Soviética
para o comunismo.
Mas, ao criticar os «aspetos erróneos da atividade de Stalin» a nova direção do
Partido afirma que «como fiel marxista-leninista e firme revolucionário Stalin
ocupará o seu devido lugar na História».
Na sessão plenária do CC de junho de 1957 salienta-se que «foi derrotado e
desmascarado o grupo anti partido integrado por Malenkov, Kaganovitch, Molotov,
Bulganin e Shepilov».
Seguem-se páginas apologéticas dos extraordinários êxitos que o PCUS sob a
direção de Khrushchov estaria alcançando e que permitiriam à URSS «ocupar nos
próximos 15 anos o primeiro lugar no mundo tanto quanto ao volume global da
produção como à produção per capita. No país será criada a base material e
técnica do comunismo».
Para mal da humanidade, essa previsão otimista foi desmentida pela História.
Pelo estilo e linguagem, no Ensaio em apreço transparece com clareza a
mentalidade revisionista que empurrou a URSS para a sua desagregação e a
reimplantação na Rússia do capitalismo.
É um trabalho que não contribuiu para o prestígio da historiografia soviética.
Transcorridas décadas, é minha convicção firme que a História do Partido
Comunista (bolchevique) de 1938, a História da Grande Revolução de Outubro e as
diferentes Histórias da URSS editadas nos anos 70 deturparam todas, com
objetivos opostos, a História real de acontecimentos que deixaram marcas
inapagáveis no caminhar da humanidade.
É útil recordar que a grande maioria dos historiadores ocidentais, epígonos do
capitalismo, longe de contribuírem para iluminar a história real da União
Soviética, a deturpam com perversidade para demonizar o marxismo e Lenin.
Em vésperas das comemorações do centenário da Revolução de Outubro, sinto a
necessidade de afirmar que, não obstante as graves deformações que desnaturaram
o projeto de Lenin, o desaparecimento da URSS configurou uma tragédia para a
humanidade. A vitória da Revolução Socialista foi o maior acontecimento da
História e a sua herança confirma que foi a experiência mais justa e ambiciosa
de libertação do homem da sua exploração milenária.
 *História do Partido Comunista (bolchevique) da URSS, Edição de Para a História
do Socialismo, Portugal, Agosto de 2010, 527 páginas
 ** História da Grande Revolução Socialista de Outubro, Edições Progresso,
Moscovo, 1977, 676 páginas
 *** Historia de la URSS (Ensayo), publicada em 1960 pelas Edições Progresso, de
Moscovo, 422 páginas
Serpa e Vila Nova de Gaia, Setembro e Outubro de 2016 
In
O DIARIO.INFO
http://www.odiario.info/reflexao-sobre-historias-polemicas-do-pcus/
21/10/2016

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