segunda-feira, 12 de fevereiro de 2018

O mundo arde enquanto a esquerda ocidental anda em querelas


       por Andre Vltchek [*] 



       É realmente uma vergonha, e cansativo, mas na verdade não há nada de
      novo: na actual desordem entre os inúmeros "progressistas"' e intelectuais
      "semi-esquerda", publicações, movimentos e partidos políticos do ocidente.
       Covardia, egos enfatuados, falta de disciplina e mesquinhez intelectual
       são muitas vezes culpados, mas isto não é tudo.
       Agora é absolutamente claro que a  esquerda  ocidental perdeu, de modo
      evidente e vergonhoso. Não tem quase nenhum poder, não tem coragem para
      lutar ou assumir riscos, e não dispõe de seguimento político real na
      Europa, América do Norte, Austrália ou Nova Zelândia. "As massas", aquelas
       proverbiais "massas oprimidas", ultimamente têm votado e eleito vários
      populistas semi-fascistas, demagogos de direita sem desculpas e
       pró-oligarcas estúpidos.
       Todas as "certezas teóricas" marxistas têm estado a desmoronar-se diante
      dos nossos olhos, pelo menos no ocidente.
       Em grande medida, o que agora acontece é absolutamente natural. A
       esquerda  europeia traiu, já nos anos 80 do século passado, tornando-se
       demasiado maleável, demasiado indisciplinada, demasiado cautelosa e
       demasiado centrada em si própria. Colocou o pragmatismo acima dos ideais.
      Rapidamente adoptou o léxico do establishment liberal, completado com as
      concepções ocidentais de  direitos humanos, princípios democráticos  e
       correcção política.  Deixou de ser revolucionária; no essencial cessou
      toda actividade revolucionária e abandonou o elemento central de qualquer
      verdadeira identidade de esquerda – o internacionalismo.
       Sem pelo menos alguns princípios internacionalistas básicos, a esquerda
      está agora reduzida essencialmente a algum sindicalismo de nível local:
      "Deixem-nos lutar por melhores condições de trabalho e cuidados de saúde
      no nosso país e que se dane isso da pilhagem neocolonialista do mundo, que
      se espera poder pagar a maior parte dos nossos benefícios. Enquanto nós
      comermos bem e tivermos férias prolongadas, por que nos deveríamos
      revoltar, por que deveríamos lutar?"
       A  esquerda  do ocidente também falhou em se referir honestamente à
       História global, em particular ao papel que a Europa e América do Norte
      têm desempenhado. Muitos dos chamados pensadores "progressistas"
      ocidentais no fundamental adoptaram as interpretações da retórica
      imperialista e revanchista de vários acontecimentos históricos essenciais,
      tornando-se portanto eles próprios "anticomunistas".
       Depois disso, quase tudo foi perdido, foi por água abaixo.
       Bandeiras revolucionárias foram queimadas, pelo menos metaforicamente.
       Boas velhas palavras de ordem foram descartadas. Então, em vez de
       marchas, manifestações e confrontos com as autoridades que representam o
      regime, rapidamente cada vez mais confortáveis sofás frente aos mais
      recentes televisores de alta definição encheram-se com milhões de corpos
       flácidos excessivamente acomodados.
       Agora desencadeiam-se lutas torpes sobre um bolo em contracção. Teóricos
      trotskistas e maoístas atiram-se às gargantas uns dos outros. Há também
      leninistas e outros, muitos outros.
       As coisas ainda foram mais longe: por estes dias, no Ocidente, a maior
      parte dos "progressistas" adopta uma "agenda dos acontecimentos
       correntes", recusando comprometer-se de alma e coração com qualquer coisa
      maior. Esta posição está cada vez mais em voga e essencialmente proclama:
      "Tenho minha própria filosofia. Não preciso de absolutamente nenhuma
      ideologia".
       Nenhuma revolução foi ganha desta forma. Mas no Ocidente, não há qualquer
      desejo de verdadeira revolução. Pertencer à  esquerda  é sobretudo apenas
      uma pose, com uma conta num site de media social e uma  selfie.  Não é
      sério e não pretende sê-lo.
       Há, naturalmente, anarco-sindicalistas com seu ar de superioridade e
       teorias sublimes que seriam totalmente rejeitadas e ridicularizadas pela
      grande maioria dos povos verdadeiramente oprimidos em lugares como a Ásia
      ou a África.
       Ultimamente, nem mesmo sei mais quem é quem, nesse pequeno e
       insignificante mundo. Não o estou seguindo, dificilmente participo em
       discussões teóricas.
       Escrevo, usando basicamente apenas duas publicações como minha
       plataforma, a partir dos quais a minha escrita vai para o mundo, em
       vários idiomas.
       Mas esse "pequeno e mesquinho mundo" obviamente está a seguir-me. E não
      gosta do que ele vê.
       Depois de haver publicado cerca de 300 ensaios nos últimos sete ou oito
       anos numa das mais importantes publicações do ocidente (na verdade não
      quero dizer o nome da publicação, mas a maior dos meus leitores certamente
      sabe de qual estou a falar), fui literalmente atirado fora no final de
      2017. Nunca descobri a verdadeira razão, mas muito provavelmente foi
      devido às minhas convicções "demasiado à esquerda" e demasiado
      anti-ocidentais, de retórica demasiado aberta. E, sim, havia na verdade
      uma indicação: os editores não gostavam que eu escrevesse para "media
      russos apoiados pelo Estado", os quais por sua vez têm algumas ligações a
      sites alegadamente da esquerda radical nos EUA.
       Aos olhos dos anticomunistas, que se guiam pela agenda dos meios de
       comunicação ocidentais, qualquer media "patrocinado pelo Estado"' ou
      "controlado pelo Estado" é  mau,  muito mau!
       Mesmo que pertença a países que estão lutando heroicamente contra o
      imperialismo ocidental, tentando salvar o nosso Planeta. Ou talvez seja
      considerado  particularmente mau  se se pertencer a tais países. O que
      obviamente se aplica aos meios de comunicação chineses, russos, cubanos,
      venezuelanos ou iranianos. Em resumo – aplica-se a todos os media que em
      todo o mundo lutam para impedir que se verifique o monstruoso destino
      preparado pelo imperialismo ocidental; aos media que combatem com empenho
      e com (ultimamente) tremendo êxito.
       Ao invés de obedientemente esperar pela  direita  ou pela  esquerda  do
      ocidente a fim de definir o mundo, agora os chineses, russos,
       latino-americanos e os povos do Médio Oriente estão de súbito a
      atreverem-se a redefinir os acontecimentos que acontecem neste planeta.
      Eles entrevistam os próprios ocidentais, reflectindo aqueles monstros em
      que se tornaram as sociedades europeia e norte-americana.
       Ao invés daquele "nobre" "olhem o que estamos a fazer pelo o mundo", as
      verdadeiras vítimas, mas também os verdadeiros revolucionários estão a
      liderar debates apaixonados.
       Ao invés de alguns professores doutorados debaterem em Londres sobre se a
      China é verdadeiramente comunista ou não, agora é o povo chinês a falar,
      esclarecendo o que seu país é e não é.
       E a  esquerda  do ocidente não gosta. É claro que não gosta absolutamente
      nada de tais desenvolvimentos.
       A  esquerda  do ocidente "não gosta de quaisquer media patrocinados pelo
       Estado". Não gosta quando outros falam. Bem, pode ser ainda mais profundo
      do que isto: parece que efectivamente realmente não gostam de quem
      realmente está a lutar e de quem está a ganhar: "  não gostam da esquerda
      que realmente se mantém no poder"
       Porque a  esquerda  no ocidente é muito mais parte do  ocidente  do que
      da  esquerda. 
       Porque bem lá no fundo, está confortável e mesmo obcecada com a sua
      excepcionalidade.
       Porque apesar de horríveis séculos de pilhagem imperialista e
       colonialista do mundo pela Europa e América do Norte, realmente não
      acredita que os crimes foram cometidos  por causa  da cultura ocidental e
      do seu modo de pensar.
       Porque, no fundo, realmente não acham que as nações não-ocidentais, os
      seus media e pensadores sejam capazes de definir e descrever o mundo com
      precisão ou até mesmo descrever os seus próprios países com precisão. Os
      media não-ocidentais simplesmente não podem e não devem ser de confiança.
      Só os intelectuais ocidentais têm o direito herdado para tomar decisões
      plenamente qualificadas sobre temas tão importantes como: se China é
      comunista ou não, se a Rússia sob o presidente Putin é um país
      progressista ou não, se o Irão é socialista ou apenas um brutal Estado
       religioso, se o governo de Assad é "legítimo", se a liderança
      norte-coreana é "louca" ou se o presidente Maduro da Venezuela "foi longe
      demais".
       Quando o mundo finalmente se prepara para se defender contra as
       inevitáveis agressões ocidentais, quando os povos da Ásia, Rússia,
      América Latina, África e Médio Oriente estão a descobrir as suas próprias
      vozes silenciadas durante séculos pela barbárie colonialista, quando os
      governos desses países estão a tornar possíveis tais plataformas de
       discussão, a  esquerda  ocidental uiva para a lua, batendo no peito em
      gestos de arrogante narcisismo e basicamente insulta aqueles que estão a
      lutar, a manter-se de pé, a construir um mundo muito melhor e, sim, –
      governando!
       Em vários países da América do Sul, a esquerda foi recentemente derrotada
      precisamente porque foi demasiado influenciada "ideologicamente" (ou mais
      precisamente, "anti-ideologicamente") por aqueles fracos, obsoletos e
       super-cautelosos pseudo-revolucionários ocidentais. Os povos
       latino-americanos não deveriam cometer semelhantes erros no futuro e
       esperançosamente não os cometerão.
       Nenhum país revolucionário pode visar a perfeição, por enquanto. A
      Revolução não é um mar de rosas, disse Fidel. Defender o país contra
      invasões estrangeiras brutais não é uma coisa gentil: é extremamente
      confuso e sangrento.
       A  esquerda  fraca e de pele fina do ocidente pode exigir dos governos
       revolucionários não-ocidentais tanto "pureza" como uma "abordagem com
      luvas de seda", simplesmente porque não tem ideia (ou não se importa) do
      que é governar países em que milhões de homens, mulheres e crianças foram
      obrigados a viver na miséria absoluta, depois de serem roubados de tudo
      por europeus e norte americanos condutores de escravos. Um simples erro
      que esses governos façam, um sinal de fraqueza e os seus países irão
       esfumar-se, acabar em ruínas, no esquecimento: como o Iraque, o
       Afeganistão, a Rússia de Yeltsin, ou a China durante o "século da
      humilhação".
       O "excesso de sensibilidade" da  esquerda  ocidental é na verdade apenas
      uma  fachada,  não é real.
       Apenas como exemplo:   os editores da revista acima mencionada, a qual
       tão sem cerimónia deixaram de publicar meus trabalhos, nunca demonstraram
       qualquer interesse no meu bem-estar ou segurança. Acho que se caísse
      morto numa das zonas de guerra que cobri, eles mal notavam. Artigos e
      ensaios assinados por mim iriam simplesmente deixar de vir. Afinal, toda a
      gente é substituível. Oferecer apoio qualquer estaria abaixo de sua
      dignidade. Mas pedir regularmente apoio financeiro ao leitor nunca esteve.
       Os meios de comunicação nos países revolucionários "patrocinados pelo
      Estado" tratam o seu pessoal de forma diferente. Pelo menos alguns assim o
      fazem.
       E a querela continua. Perdi o interesse nos pormenores. É muito
       consumidor e tempo e irrelevante.
       Entretanto, sinto-me mais confortável escrevendo para esses altivos
       media, de todo o mundo, editados longe do ocidente. Gosto quando os meus
       camaradas estão a fortalecer-se, quando estão a vencer. Quero que eles
      governem e governem bem. E quero que os seus países sobrevivam.
       As coisas são tão simples como isso!
       É uma grande honra mostrar meus filmes na  TeleSur  e  Al-Mayadeen, 
      escrever para a  New Eastern Outlook, China Daily, Countercurrents, Global
      Research  e  Russia Today.  E gosto de aparecer ao vivo, regularmente, na
       PressTV  iraniana. Sinto que cada palavra que escrevo e emito através
      desses meios de comunicação se destina aos meus amigos, aos meus
       camaradas, pela nossa luta e por um mundo muito melhor.
       E deixem-me repetir: Quero que meus amigos e camaradas vençam, tenham
       êxito e, sim, governem!
       A  esquerda  ocidental pode continuar a querelar e mastigar-se: "  Quem
      disse o quê? Quem é realmente de esquerda e quem não é? Quem é marxista
      puro e quem é simplesmente um social-democrata?"
      
       Nem todos os media da  esquerda  ocidental são como o acima descrito.
      Ainda existem alguns maravilhosos escritores e editores no ocidente. Mas a
      situação geral na Europa e América do Norte está a deteriorar-se.
       A governação e a luta revolucionária e internacionalista da esquerda nos
      países independentes geralmente não tem tempo para debates sublimes. Temos
      Moscovo, Pequim, Caracas, Havana, La Paz, Damasco e muitas outras cidades
      maravilhosas às nossas costas – para defender. Lidaremos com a teoria mais
      tarde, muito mais tarde, depois de vencermos, depois de haver verdadeira
      paz, acompanhada por justiça, depois todos nós neste planeta podemos nos
      orgulhar do que realmente somos – nós próprios e definidos por nós
       próprios!
      [*] Filósofo, romancista, cineasta e jornalista de investigação.   Cobriu
      guerras e conflitos em dezenas de países.   Três de seus  livros mais
      recentes são o romance revolucionário Aurora e dois best-sellers de
      não-ficção política:  Exposing Lies of The Empire  e Fighting Against
      Western Imperialism .   Vltchek actualmente reside no sudeste da Ásia e no
      Médio Oriente e continua a trabalhar em todo o mundo.   Pode ser
      contactado através do seu  sítio web e do seu  Twitter
       O original encontra-se em New Eastern Outlook ,   
      www.globalresearch.ca/...
       e em  www.informationclearinghouse.info/48728.htm 

In
RESISTIR.INFO
http://resistir.info/crise/o_mundo_arde.html
12/2/2018

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