sexta-feira, 1 de junho de 2018

A recuperação do Imperio e a desaparição dos trabalhadores


 James Petras   

Um dos aspectos da decadência dos EUA é o da sua classe dominante fazer
sobreviver e consolidar o seu poder sobre uma crescente desigualdade interna e
uma profunda degradação das condições de vida dos trabalhadores e do povo do seu
próprio país. Derrubado o mito da “american way of life”, a violência militar e
a exploração que exporta têm uma frágil rectaguarda.


Introdução
Os impérios entram em decadência ou expandem-se em função, basicamente, das
relações entre governantes e governados. Há vários factores determinantes, entre
os quais se incluem: 1) o rendimento, a terra e a habitação; 2) a evolução do
nível de vida; 3) o aumento ou descida da taxa de mortalidade; e 4) a diminuição
ou o aumento das famílias.
 Ao longo da história, os impérios em expansão incorporaram a população no
império, distribuindo às massas uma parte dos recursos espoliados,
proporcionando-lhes terras, arrendamentos reduzidos e habitações. Os grandes
latifundiários que tinham que fazer frente aos jovens veteranos regressados das
guerras evitavam uma excessiva concentração da terra para evitar distúrbios nos
seus feudos.
 Os impérios em expansão melhoravam as condições de vida, pois empregados
assalariados, artesãos, mercadores e escriturários encontravam emprego quando a
oligarquia dava rédea solta ao seu consumo de ostentação e crescia a burocracia
que administrava o império.
 Um império próspero é causa e consequência do aumento das famílias e do número
de plebeus sãos e educados que servem os governantes e são mantidos por eles.
 Um império em decadência, pelo contrário, saqueia a economia interna e
concentra a riqueza à custa da mão-de-obra, ignorando o decréscimo da sua saúde
e da sua esperança de vida. Como consequência, os impérios em decadência vêm
crescer a taxa de mortalidade; a propriedade de terras e habitações concentra-se
numa elite de rentistas que vivem graças a uma riqueza adquirida imerecidamente
por herança, fruto da especulação ou das rendas, que degrada o trabalho
produtivo baseado na perícia e nos conhecimentos.
 Os impérios em decadência são causa e consequência da deterioração das
famílias, compostas frequentemente de trabalhadores dependentes dos opiáceos que
sofrem o aumento da desigualdade entre eles e os seus governantes.
 A história do Imperio Americano ao longo do último século encarna na perfeição
a trajectória da expansão e queda dos impérios. O último quarto de século é um
bom exemplo das relações entre governantes e governados em plena decadência do
império.
 As condições de vida dos estado-unidenses deterioraram-se a toda a velocidade.
As empresas deixaram descontar para as pensões e reduziram ou eliminaram a
cobertura sanitária dos seus trabalhadores, e viram reduzidos os seus impostos
de finalidade social, o que redunda numa quebra da qualidade da educação
pública.
 Nos últimos vinte anos, os salários que a maior parte dos lares recebem
estagnaram ou foram reduzidos; os gastos em saúde e educação arruinaram muitos,
e converteram os graduados universitários em escravos das suas dívidas a longo
prazo.
 Nos EUA, o acesso à propriedade da habitação para menores de 45 anos diminuiu
de 24% em 2006 para 14% em 2017. Ao mesmo tempo, os arrendamentos dispararam,
especialmente nas grandes cidades de todo o país, e na maioria dos casos
absorvem entre um terço e metade do rendimento mensal.
 As elites empresariais e os seus peritos imobiliários desviam a atenção para as
desigualdades “intergeracionais” entre pensionistas e jovens empregados
assalariados, em lugar de reconhecer o aumento da desigualdade entre os altos
executivos e os trabalhadores e pensionistas, cujos rendimentos passaram de 100
a 1 para 400 a 1 nas três últimas décadas.
 Aumentaram também as diferenças entre a taxa de mortalidade da elite
empresarial e dos trabalhadores, pois os ricos cada vez vivem mais anos sem
perder a saúde enquanto os trabalhadores sofrem um decréscimo na esperança de
vida ¡pela primeira vez na história dos EUA! Graças aos rendimentos procedentes
de lucros, dividendos, aumento da taxa de juro, etc., os ricos podem pagar o
elevado custo da medicina privada e prolongar a sua vida, enquanto a milhões de
trabalhadores se receitam opioides para “reduzir a dor” e os conduzir a uma
morte prematura.
 Os nascimentos decresceram como consequência da carestia da saúde e da carência
de creches e de baixas remuneradas por maternidade ou paternidade. Os últimos
estudos revelaram que 2017 teve o menor número de nascimentos em 30 anos. A
suposta “recuperação da economia” posterior ao colapso financeiro de 2008-2009
teve um desvio de classe: as elites empresariais e imobiliárias receberam um
resgate superior aos 2 milhares de milhões de dólares enquanto mais de 3 milhões
de lares da classe trabalhadora eram despejados e desalojados das suas
habitações pelos financeiros que tinham adquirido as suas hipotecas. Resultado:
um aumento acelerado de gente sem lar, especialmente nas cidades com maiores
índices de recuperação da crise.
 Provavelmente, os factores que produziram esta descida da maternidade e aumento
da mortalidade são a falta de habitação e os desorbitados preços dos
arrendamentos de apartamentos saturados, juntamente com os salários mínimos.
O imperialismo expande-se, o nível de vida desce
Nas décadas posteriores à Segunda Guerra Mundial, a expansão no estrangeiro foi
acompanhada no âmbito interno pelo embaratecimento da educação superior,
hipotecas a preços razoáveis que facilitavam a propriedade de uma habitação, e
melhorias nas pensões e cobertura sanitária por conta dos patrões. Entretanto,
nas duas últimas décadas a expansão imperial baseou-se na redução forçada do
nível de vida.
 O Imperio expandiu-se e as condições de vida pioraram porque a classe
capitalista evadiu milhares de milhões de dólares de impostos através de
paraísos fiscais, preços de transferência e isenções fiscais. E como se isso
ainda fosse pouco, os capitalistas receberam imensas subvenções públicas para
infra-estruturas e transferências gratuitas de inovação tecnológica financiada
pelo Estado.
 Nos nossos dias, a expansão imperial baseia-se na deslocalização das
multinacionais manufactureiras com o fim de baixar os custos de mão-de-obra,
aumentando assim a percentagem de trabalhadores de serviços mal pagos nos EUA.
 O declínio das condições de vida da maioria é consequência da reestruturação do
Imperio, da instauração de um sistema tributário regressivo e da redistribuição
das transferências de gasto público com fins sociais do Estado de bem-estar para
subvenções e resgates ao sector imobiliário e financeiro.
Conclusão
Nas suas origens, o imperialismo incluía um contrato social explícito com a
força de trabalho: a expansão estrangeira compartilhava lucros, impostos e
rendimentos com a força de trabalho em troca do apoio político dos trabalhadores
à exploração económica imperial no exterior, o saque de recursos e a prestação
de serviço nas forças armadas do império.
 O contrato social era condicionado pelo equilíbrio relativo de poder: a maioria
dos operários fabris, do sector público e os trabalhadores especializados
estavam sindicalizados. Mas este equilíbrio de poder nas relações de classe
baseava-se na capacidade da força laboral em participar activamente na luta de
classes e, assim, pressionar o Estado. Ou seja, o imperialismo e a estrutura do
bem-estar baseavam-se numa serie específica de condições intrínsecas do pacto
social.
 Com o tempo, a expansão imperial teve que enfrentar constrangimentos no
exterior em resultado da emergente oposição de grupos nacionalistas ou
socialistas, que forçavam as empresas à deslocalização do seu capital no
estrangeiro. Os rivais do império na Europa e na Asia começaram a competir pelos
mercados exteriores, obrigando os EUA a aumentar a sua produtividade, reduzir
custos laborais, deslocalizar no estrangeiro ou reduzir lucros. Os EUA
escolheram reduzir os padrões de vida domésticos e relocalizar a sua produção no
estrangeiro.
 Os dirigentes sindicais separaram-se de outros movimentos mais amplos de base
e, ao carecerem de um movimento político independente, estarem assolados pela
corrupção interna e comprometidos com um agrupamento social em vias de
desaparição, reduziram-se em número e em capacidade de formular uma nova
estratégia combativa pós-pacto social. A classe capitalista adquiriu controlo
total sobre as relações de classe e, por conseguinte, começou a decidir
unilateralmente os termos da política fiscal, do emprego, das condições de vida
e, o mais importante, a despesa pública.
 As despesas militares e económicas do império cresceram na proporção directa da
redução das despesas sociais. Os grupos rivais de poder disputavam entre si
conseguir a sua parte dos orçamentos capitalistas e decidir as prioridades
político-militares. Os imperialistas económicos competiam ou uniam-se aos
imperialistas militares; os neoliberais do livre mercado competiam com os
militaristas pelos mercados exteriores em busca da ocupação de mais territórios,
novas conquistas, mercados fechados e clientes submissos. As estruturas de poder
rivais competiam para ditar as prioridades imperiais – as poderosas redes
sionistas urdiam guerras regionais favoráveis a Israel enquanto as
multinacionais tentavam impulsionar a sua expansão político-militar na Asia
(China, India e os mercados do sueste asiático).
 Facções rivais das elites monopolizavam orçamentos, impostos e gastos
comprimindo as condições de vida da força laboral. As classes imperialistas
pactuaram entre elas, a qualidade e quantidade de trabalhadores diminuiu. Mas os
descendentes dessas elites frequentavam as melhores escolas e garantiam os
melhores postos no governo e na economia.
 Os privilégios e o poder não produziram triunfos imperiais. A China soube
integrar os seus programas educativos e trabalhadores qualificados no trabalho
produtivo. Os privilegiados graduados universitários estado-unidenses, pelo
contrário, trabalham em postos financeiros parasitários e lucrativos, não em
sectores da ciência, da engenharia e da assistência social. Os graduados nas
academias militares associaram-se a redes de “comandantes” que são coniventes
com abusos sexuais, treinaram e promoveram oficiais que lançam misseis sobre
centros populacionais e treinam a capitães da armada especializados em fazer
colidir os seus próprios navios.
 Os graduados pela Ivy League conseguiram assumir altos cargos no governo e
conduziram os EUA a guerras intermináveis no Médio Oriente, multiplicando
adversários, antagonizando aliados e gastando milhares de milhões de dólares em
guerras que favorecem Israel, em vez de os gastar em apoios sociais e salários
mais elevados para os trabalhadores norte-americanos. Pois, a economia está a
recuperar… mas as pessoas estão a passar pior.
—-
Artigo original:
https://petras.lahaine.org/imperial-recovery-and-disappearing-workers/

In
O DIARIO.INFO
https://www.odiario.info/a-recuperacao-do-imperio-e-a/
30/5/2018

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