terça-feira, 25 de junho de 2019

O Brazilgate transforma-se no Russiagate 2.0





    – "Ridiculamente, a bomba de /The Intercept / acerca da corrupção
    brasileira está a ser alardeada pelos media e militares do país como
    uma conspiração russa".

*por Pepe Escobar [*]



O Garganta Funda de /The Intercept / – uma fonte anónima – finalmente
revelou em pormenores o que qualquer um com meio cérebro no Brasil já
sabia: que a máquina judicial/legal da investigação unilateral do Lava
Jato era de facto uma farsa maciça e uma trapaça criminosa destinada a
realizar quatro objectivos.

  * Criar as condições para o impeachment da presidente Dilma Rousseff
    em 2016 e a subsequente ascensão de seu vice, o fantoche manipulado
    pela elite Michel Temer.
  * Justificar a prisão do ex-presidente Lula em 2018 – exactamente
    quando ele estava para vencer a eleição presidencial seguinte com
    uma vitória esmagadora.
  * Facilitar a ascensão da extrema-direita brasileira via Steve Bannon
    (ele o chama de "capitão") Jair Bolsonaro.
  * Instalar o ex-juiz Sergio Moro como ministro da Justiça com
    esteroides capazes de promulgar uma espécie de Patriot Act
    brasileiro – pesado em espionagem e ligeiro quanto a liberdades civis.

Moro, lado a lado com o promotor Deltan Dallagnol, o qual liderava as 13
forças-tarefa do Ministério Público, são as estrelas vigilantes da
trapaça do lawfare <https://pt.wikipedia.org/wiki/Lawfare> . Ao longo
dos últimos quatro anos, os hiperconcentrados media de referência
brasileiros, afundados num pântano de /fake news, / glorificaram essa
dupla como heróis nacionais dignos do Capitão Marvel. A arrogância
acabou por afundá-los no pântano.

*Os mafiosos brasileiros *

/The Intercept / prometeu divulgar todos os ficheiros na sua posse,
chats, áudio, vídeos e fotos, um acervo supostamente maior que o de
Snowden. Aquilo que foi publicado até agora revela Moro/Dallagnol como
um duo estratégico
<https://theintercept.com/2019/06/09/brazil-lula-operation-car-wash-sergio-moro/>
em sincronia, com Moro como um /capo di tutti i capi / , juiz, júri e
executor numa só pessoa – repleto de falsificações em série de provas.
Isso, por si só, é suficiente para anular todos os casos da Lava Jato em
que ele esteve envolvido – incluindo o processo contra Lula e as
sucessivas convicções
<https://www.nytimes.com/2019/02/06/world/americas/brazil-lula-convict-corruption.html>
baseadas em "evidências" que nunca se sustentariam em um tribunal sério.

Em conjunto com uma abundância de detalhes escabrosos, o princípio Twin
Peaks [1] <#notas> – as corujas não são o que parecem
<https://www.youtube.com/watch?v=VCf-oiIbVnw> – aplica-se plenamente ao
Brazilgate. Porque a génese do Lava Jato envolve nada menos que o
governo dos Estados Unidos. E não apenas o Departamento de Justiça (DoJ)
– como Lula tem insistido
<https://www.telesurenglish.net/news/Brazils-Lula-Says-His-Prosecution-Is-Politically-Motivated-20170713-0014.html>
há anos em todas as suas entrevistas. A operação foi do Estado Profundo.

/A WikiLeaks / havia revelado isso <https://wikileaks.org/nsa-brazil/>
desde o início, quando a NSA começou a espionar
<https://theintercept.com/2015/07/04/nsa-top-brazilian-political-and-financial-targets-wikileaks/>
a gigante de energia Petrobrás e até mesmo o telefone /smart / de Dilma
Rousseff. Em paralelo, inúmeras nações e indivíduos aprenderam como a
auto-atribuída extraterritorialidade do DoJ permite que ele persiga
qualquer pessoa, de qualquer maneira, em qualquer lugar.

Isto nunca foi sobre anti-corrupção. Trata-se, ao invés, da "justiça"
americana a interferir em todas as esferas geopolíticas e geoeconómicas.
O caso mais gritante e recente é o da Huawei.

No entanto, o "comportamento maligno" dos mafiosos Moro/Dallagnol
atingiu um novo nível perverso na destruição da economia nacional de uma
poderosa nação emergente, um membro do BRICS e líder reconhecido em todo
o Sul Global.

O Lava Jato devastou a cadeia de produção de energia no Brasil, a qual
por sua vez gerou a venda – abaixo dos preços de mercado – de muitas
reservas valiosas de petróleo do pré-sal, a maior descoberta de petróleo
do século XXI.

A Lava Jato destruiu campeões nacionais em engenharia
<https://www.brasil247.com/blog/um-dia-de-luto-para-a-engenharia-brasileira>
e construção civil e também em aeronáutica (como na Boeing comprando a
Embraer). E a Lava Jato comprometeu fatalmente importantes projectos de
segurança nacional, como a construção de submarinos nucleares
<https://www.janes.com/images/assets/998/86998/Climbing_the_ladder_Brazils_PROSUB_submarine_programme.pdf>
, essenciais para a protecção da " Amazônia Azul
<https://en.wikipedia.org/wiki/Blue_Amazon> ".

Para o Council of America – visitado por Bolsonaro em 2017 –, bem como o
Council on Foreign Relations
<https://www.cfr.org/blog/latin-americas-market-friendly-governments-could-spur-regional-integration>
– para não mencionar os "investidores estrangeiros" – ter o Chicago boy
neoliberal Paulo Guedes instalado como ministro das Finanças era um
sonho ardente. Guedes prometeu de imediato colocar virtualmente todo o
Brasil à venda. Até agora, sua tarefa tem sido um fracasso absoluto.

*Como abanar o cão *

Os mafiosos Moro/Dallagnol eram "apenas um peão no seu jogo", para citar
Bob Dylan – um jogo de que ambos estavam inconscientes.

Lula enfatizou <https://www.youtube.com/watch?v=93MgeyNqc_k>
repetidamente que a questão-chave – para o Brasil e para o Sul Global –
é a soberania. Sob Bolsonaro, o Brasil foi reduzido ao status de uma
neocolonia de bananas – com abundância de bananas. Leonardo Attuch,
editor do portal líder /Brasil247/ <https://www.brasil247.com/> , diz
que "o plano era destruir Lula, mas o que foi destruído foi a nação".

Tal como está, os BRICS – uma palavra muito suja na Beltway – perderam o
seu "B". Por muito que possam valorizar o Brasil em Pequim e Moscovo, o
que está a funcionar no momento é a parceria estratégica "RC"
<https://www.asiatimes.com/2019/06/article/putin-and-xi-step-up-the-strategic-game/>
, embora Putin e Xi também estejam fazendo o melhor que podem para
reviver "RIC", tentando mostrar à Índia de Modi que a integração
eurasiana é o caminho a seguir, não o de desempenhar um papel de apoio
na difusa estratégia indo-pacífica de Washington.

E isso nos leva ao cerne da questão do Brazilgate: como o Brasil é o
cobiçado prémio na narrativa estratégica mestra que condiciona tudo que
acontece no tabuleiro de xadrez geopolítico no futuro previsível – a
confrontação sem limites entre os EUA e a Rússia-China.

Já na era Obama, o Estado Profundo dos EUA identificou que para
incapacitar os BRICS a partir de dentro o nó estratégico "fraco" era o
Brasil. E, sim; mais uma vez, trata-se do petróleo, estúpido.

As reservas de petróleo do pré-sal podem ser avaliadas em até espantosos
US$30 milhões de milhões. A questão não é apenas o governo dos EUA
querer uma parte disso; a questão é ele quer controlar a maior parte da
ligações petrolíferas do Brasil com a interferência dos poderosos
interesses do agronegócio. Para o Estado Profundo, o controle do fluxo
de petróleo do Brasil para o agronegócio equivale à
contenção/alavancagem contra a China.

Os EUA, o Brasil e a Argentina, em conjunto, produzem
<https://www.soymeal.org/soy-meal-articles/world-soybean-production/>
82% da soja mundial. A China implora soja. Esta não virá da Rússia ou do
Irão – os quais por outro lado podem fornecer à China petróleo e gás
natural suficientes (ver, por exemplo, a energia da Sibéria
<http://www.gazprom.com/projects/power-of-siberia/> I e II). O Irão,
afinal, é um dos pilares da integração eurasiana. A Rússia pode
eventualmente tornar-se uma potência exportadora de soja
<https://www.scmp.com/news/china/diplomacy-defence/article/2159713/russia-offers-25-million-acres-land-chinese-farmers>
, mas isso pode levar até dez anos.

Os militares brasileiros sabem que relações estreitas com a China – seu
principal parceiro comercial, à frente dos EUA – são essenciais, seja o
que for que Steve Bannon possa arengar
<https://www.washingtonpost.com/opinions/steve-bannon-were-in-an-economic-war-with-china-its-futile-to-compromise/2019/05/06/0055af36-7014-11e9-9eb4-0828f5389013_story.html?utm_term=.f809439ecb94>
acerca disso. Mas a Rússia é uma história completamente diferente. O
vice-presidente Hamilton Mourão, na sua recente visita a Pequim, onde se
encontrou com Xi Jinping, dava a impressão de estar a ler um comunicado
de imprensa do Pentágono, dizendo à imprensa brasileira que a Rússia é
um "actor maligno" que está a propagar uma "guerra híbrida por todo o
mundo".

Assim, o Estado Profundo dos EUA pode estar a cumprir pelo menos parte
do seu objectivo final: utilizar o Brasil na sua estratégia /Divide et
Impera, / ou seja, abalar a parceria estratégica Rússia-China.

Isto fica muito mais picante. O Lava Jato, recondicionado como Vaza
Jato, também poderia ser descodificado como um jogo de sombras maciço;
um cão a abanar, com a cauda composta por dois activos americanos.

Moro era um activo certificado pelo FBI, CIA, DoJ e Estado Profundo. Seu
uber-patrão seria, em última análise, Robert Mueller (portanto,
Russiagate). No entanto, para a Equipe Trump, ele seria facilmente
dispensável – mesmo se fosse o Capitão Justiça a trabalhar para o activo
real, o menino Bolsonaro de Bannon. Se caísse, Moro teria a garantia do
indispensável paraquedas dourado – completo, com residência nos EUA e
palestras em universidades americanas.

Greenwald, de /The Intercept, / é agora celebrado por todas as vertentes
da esquerda como uma espécie de Simon Bolivar americano/brasileiro com
esteróides. Mas há um problema enorme. /The Intercept / é de propriedade
de um praticante endurecido da guerra da informação, Pierre Omidyar
<https://www.mintpressnews.com/ebay-founder-pierre-omidyar-is-funding-a-global-media-information-war/255199/>
.

*De quem é a guerra híbrida? *

A questão crucial pela frente é o que as forças armadas brasileiras
estão realmente a fazer <https://duploexpresso.com/?p=105618> neste
enorme pântano – e quão profundamente estarão subordinadas ao /Divide et
Impera de / Washington.

Isto gira em torno do todo-poderoso Gabinete de Segurança Institucional,
conhecido no Brasil pela sigla GSI <http://www.gsi.gov.br/> . Os
integrantes do GSI estão todos no consenso de Washington. Depois dos
anos "comunistas" de Lula/ Dilma, estes sujeitos estão agora a
consolidar um Estado Profundo brasileiro supervisionando o controle
político em âmbito total, tal como nos EUA.

O GSI já controla todo o aparelho de inteligência, bem como a Política
Externa e de Defesa, através de um decreto sub-repticiamente lançado no
princípio de Junho, apenas alguns dias antes da bomba de /The Intercept.
/ Até o capitão Marvel Moro está sujeito ao GSI; eles devem aprovar, por
exemplo, tudo o que Moro discute com o DoJ e o Estado Profundo dos EUA.

Como tenho discutido <https://duploexpresso.com/?p=105618> com alguns
dos meus principais interlocutores brasileiros informados, o grande
antropólogo Piero Leirner, que sabe em pormenor como pensam os
militares, e o advogado internacional suíço e conselheiro da ONU Romulus
Maya, um Estado Profundo nos EUA parece estar a posicionar-se como o
mecanismo de desova para a ascensão directa dos militares brasileiros ao
poder, assim como dos seus responsáveis. Conforme a necessidade, se não
seguiu nosso roteiro ao pé da letra – relações comerciais básicas apenas
com a China; e isolamento da Rússia – pode-se balouçar o pêndulo a
qualquer momento.

Afinal, o único papel prático que o governo dos EUA teria para as forças
armadas brasileiras – na verdade, para todas as forças armadas da
América Latina – é como tropas de choque da "guerra às drogas".

Não há arma fumegante – ainda. Mas o cenário do Lava Jato como parte de
uma operação psicológica extremamente refinada, uma operação /psyops /
com dominância de espectro amplo, uma etapa avançada da Guerra Híbrida,
deve ser seriamente considerada.

Exemplo: a extrema-direita, bem como sectores militares poderosos e o
império de media da /Globo / subitamente começaram a propalar que a
bomba de /The Intercept / é uma "conspiração russa".

Quando alguém acompanha o síitio web <http://www.defesanet.com.br/> do
principal /think tank / militar – com muitas coisas praticamente
copiadas e coladas directamente da Escola de Guerra Naval dos EUA – é
fácil ficar surpreendido com a crença fervorosa deles numa Guerra
Híbrida Rússia-China contra o Brasil, onde a cabeça de ponte é fornecida
por "elementos anti-nacionais" tais como a esquerda como um todo,
bolivarianos venezuelanos, FARC, Hezbollah, LGBT, povos indígenas, pode
escolher.

Após o Vaza Jato, uma guerra relâmpago combinada de notícias falsas
culpou o aplicativo Telegram ("eles são os maus russos!") por hackear os
telefones de Moro e Dallagnol. O Telegram oficialmente desmascarou isso
em pouco tempo.

Disseram então que a ex-presidente Dilma Rousseff e a actual presidente
do Partido dos Trabalhadores, Gleisi Hoffmann, fizeram uma visita
"secreta" <http://duma.gov.ru/en/news/45218/> a Moscovo apenas cinco
dias antes da bomba Lava Jato. Confirmei a visita com a Duma
[parlamento], bem como o facto de que, para o Kremlin, o Brasil, pelo
menos por enquanto, não é uma prioridade. A integração eurasiana é.
Isso, por si só, desmascara o que a extrema-direita do Brasil elocubra:
Dilma a pedir ajuda a Putin, o qual então liberta seus maudosos hackers.

A Vasa Jato – segunda sessão do Lava Jato – pode estar a seguir os
padrões Netflix e HBO. Recorde que a terceira temporada do True
Detective <https://www.youtube.com/watch?v=YpUznQds8p4> foi um êxito
absoluto. Precisamos de rastreadores dignos de Mahershala Ali para
detectar fragmentos de evidências sugerindo que as forças armadas
brasileiras – com apoio total do Estado Profundo dos EUA – podem estar a
instrumentalizar uma mistura de Vasa Jato e da Guerra Híbrida "dos
russos" para criminalizar a esquerda para sempre e orquestrar um golpe
silencioso a fim de se livrar do clã Bolsonaro e do seu QI colectivo
sub-zoológico. Eles querem controle total – sem intermediários
ridículos. Estarão eles a morder mais bananas do que podem mastigar?

22/Junho/2019

[1] Twin Peaks é uma série da TV, combinação de drama policial e
surrealismo. O princípio Twin Peaks é que nada é verdade tal como aparece..

*[*] Jornalista, brasileiro, colaborador do /Asia Times. /

O original encontra-se em consortiumnews.com/...
<https://consortiumnews.com/2019/06/20/pepe-escobar-brazilgate-is-turning-into-russiagate-2-0/>
*

In
RESISTIR.INFO
https://www.resistir.info/brasil/escobar_22jun19.html
22/6/2019

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