sábado, 5 de novembro de 2022

VOZES DA ‘REVOLUÇÃO BRASILEIRA’ NO ABC PAULISTA DE ANTES E DEPOIS DO GOLPE DE ESTADO BURGUÊS-MILITAR DE 1964.

 

VOZES DA ‘REVOLUÇÃO BRASILEIRA’ NO ABC PAULISTA DE ANTES E DEPOIS DO GOLPE DE ESTADO BURGUÊS-MILITAR DE 1964.

Anteriormente a 1964 o ABC paulista contou com um dos mais importantes movimentos operários do país. E posteriormente um Movimento redivivo, confrontando-se com a ditadura, produziu o chamado novo sindicalismo, o Partido dos Trabalhadores e Lula. Esse Movimento foi herdeiro daquele dos anos 1960, inclusive mediante a atuação dos ativistas remanescentes daquela época, tais como comunistas, trabalhistas e católicos dentre outros, embora esse fato se encontre pouco presente na literatura.  

 

Esclarecimento

            Apresentamos em sequência depoimentos ou documentos segundo a pauta enunciada pelo título desta exposição “Vozes da ‘Revolução Brasileira”. Quando os depoimentos foram tomados, o temor à ditadura vigente ainda assombrava os atores do movimento operário e popular; particularmente aqueles que estavam ou estiveram envolvidos com partidos considerados ilegais. A obtenção de depoimentos de pessoas envolvidas mais diretamente na trama histórica era dificultosa, quando não inviável. Por essa razão, os depoentes foram e são ainda agora designados por nomes verdadeiros, fictícios ou simplesmente por uma letra. Os depoimentos não são apresentados na íntegra, ou seja, selecionamos aquelas partes que hipoteticamente podem ter maior interesse para o leitor. Porém, conservamos os textos tal qual foram anotados pelo pesquisador, retendo inclusive a sintaxe original. Os materiais apresentados constituíram uma base histórico-empírica para o livro “Reforma Nacional Democrática e Contrareforma no ABC Paulista - 1956-1964”, de Candido G. Vieitez. Marília: Lutas anticapital, 2019.  

I

DEPOIMENTO DE MARCOS ANDREOTTI, EM 17 de MAIO DE 1982

Marcos Andreotti, líder sindical e militante comunista foi um dos Fundadores do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC paulista, que à época de sua criação, 1932/1933, compreendia Santo André, Mauá, Ribeirão Pires, São Bernardo do Campo, Rio Grande da Serra e Caetano do Sul. O Sindicato sempre esteve na vanguarda do movimento operário da região, abordando tanto as questões regionais quanto nacionais, razão pela qual foi sempre tanto uma referência para o movimento operário da região quanto para as forças de repressão do Estado. Andreotti faleceuem 30 de setembro de 1984.   https://www.oexplorador.com.br/marcos-andreotti-lidersindical-ajudou-a-fundar-o-sindicato-dos-metalurgicos-de-santo-andre/.

...

            Eu nasci em Lindóia, Estado de São Paulo, em 22 de março de 1903.       Meus pais eram italianos, da Toscana. Vieram com trinta e poucos anos. Eram do campo. Ambos tinham curso primário.

            Meu pai tinha uma pequena horta, uma espécie de sitiozinho e a gente trabalhava a terra para ...o custeio da casa e da vizinhança.

            Meu pai era padeiro, empregado. Depois com o tempo ele adquiriu a padaria.

            No interior meu pai trabalhava nos serviços, etc. Não chegaram a trabalhar como colonos. Sempre viveram na cidade.  Ele trabalhava por conta, aqui e ali, até que foi pra essa padaria. 

            Depois precisou vender tudo aquilo que não dava mais. Devido a que não tinha aquele espírito de comerciante. Veio, então, para São Paulo e entrou numa fundição na Barra Funda. A metalúrgica mudou para Mogi. Ele trabalhou um tempo lá e depois veio  para cá, no Cambuci, e de metalúrgico passou para chapeleiro. Ele entrou na fábrica de chapéus (Ramenzoni) porque como metalúrgico não encontrava emprego

            Não tinha bem 14 anos quando comecei a trabalhar. Fui para uma oficina em baixo do Viaduto Santa Efigênia. Era uma oficina de elevadores e eles me mandaram para ser ascensorista de elevador.

            Aprendi o ofício de eletricista de curiosidade. E então como nessa oficina trabalhava com elevadores, eu mexia em toda a instalação do elevador. Qualquer probleminha, antes de chamar a oficina, eu procurava primeiro, de curioso, mexer nas coisas e acertava às vezes. Aprendi trabalhando com as instalações do próprio elevador. Daí onde me capacitei mesmo foi em Santo André quando entrei na fábrica.  Primeiro eu entrei na Ipiranguinha. Ali eu distribuía trama para os teares, mas sempre procurando mexer com eletricidade.  E assim fui na prática me formando eletricista. Depois da Ipiranguinha fui para uma fábrica, que já fechou, que se chamava “Conachi” (?). Era uma fábrica de fios elétricos. Eu provava o fio, se estava bem isolado. E daí fui desenvolvendo e na prática me formei eletricista.

            Tenho curso primário. Havia pouco ginásio naquela época. E não havia recursos. Todos nós precisávamos trabalhar para manter a casa.  Se comentava muito a questão do estudo, mas as condições não permitiam. Tanto é que às vezes a gente para fazer o primário fazia noturno.

            Nesse primeiro emprego que tive na oficina de elevadores comecei a tomar contato com o movimento operário. Ali, na Praça da Sé, naqueles porões havia anarquistas, sindicalistas...mas, um sistema anárquico.  Isso foi mais ou menos em 1920.

            Quando trabalhava no elevador entravam diversas pessoas no elevador e as conversas sempre se resumiam em a questão é....é anárquica. E tinha um elemento que trabalhava no prédio também e ele trazia às vezes um jornal que era A Lanterna, jornal dos anarquistas. E num dia ele deixou o jornal e comecei a ler. Não entendia nada daquilo, mas sempre procurando saber o que era aquilo. Então um dia me levou na Praça da Sé e era lá uma turma... Mas não se tratava de organizar nada. . . Só se discutia problemas da miséria, problemas disto e daquilo, mas não se tratava de organizar. Mas, tinha sempre elementos que tendiam mais para a organização.

            O que me levou ao movimento operário foi justamente o jornal A Laterna, que despertou uma curiosidade. Queria entender o que era aquilo. E mesmo devido à situação. Eu via alguma coisa, queria entender aquilo que não encaixava bem. Depois com diversos elementos lá dentro fui compreendendo melhor a coisa. Sabia que era necessário lutar pra gente viver, aquela coisa toda, e fui me encaminhando.

            Tinha muitos anarquistas no meu emprego. Eu me lembro de alguns nomes. Um tal Cepola. Tinha um Perez.  A maior parte eram descendentes de italianos e espanhóis.  Os brasileiros eram pouquíssimos. Os brasileiros que tinha eram mais para um sindicalismo.

            Em 1927 viemos pra cá, Santo André. Aqui existia uma organização anárquica, era a União Operária, já embrião de organização. Porque o anarquista nunca pensou em organizar. E aqui já havia esse embrião da União Operária. Agora, a União Operária aqui fazia de tudo. Tratava de discussões de greve, tratava de auxílio a companheiros. Essa União operária fez uma greve aqui na Ipiranguinha. Aí então surgiu em 5 de maio a questão da morte de Castelani, um operário que foi morto numa manifestação.

A gente organizou um grupinho de três, dois tecelões e eu metalúrgico. Começamos a organizar qualquer trabalho, assim na ilegalidade. A gente tinha umas árvores no tempo da Ipiranguinha, hoje é o Jumbo, ali era uma fábrica grande de tecidos: e tinha umas árvores, a gente ficava em baixo das árvores, conversando, organizando como devia fazer as coisas. Os elementos eram eu, Olivério Betani, vivo ainda hoje e Jorge Peloso que faleceu. Nós três é que resolvemos reavivar a União Operária.

            Naquela época a gente se considerava do partido (Partido Comunista Brasileiro), mas não tinha uma ligação constante, ligação de reunir, discutir com mais profundidade as coisas. A gente reunia assim, os três, discutia e tal o que vamos fazer, vamos organizar isso e tal, então a gente partia pra casa de uns amigos, sempre conversando no sentido de organizar, levantar a União. Sempre se insistiu em organizar a classe operária. Isso foi por meio do jornal a Classe Operária (jornal do PCB). E depois começou a vir um elemento do Partido para organizar. Mas isso foi muito mais tarde, em 1929 mais ou menos.

                        Mas, a gente já se considerava socialista né, aquela influência da União Soviética. Aí nós conseguimos o número suficiente para alugar uma sala, e ali funcionava a União Operária. Então começou-se aí. Em fins de 1929 já se faziam conferências. Vinham anarquistas de São Paulo. Nós conseguimos o cinema que tinha aí, era o Cine República, e ali então se fazia diversas conferências, todo domingo havia conferências. Então avolumava a União Operária. Veio a Revolução de 1930, e com ela veio a carta, uma cópia da carta italiana, que é a “Dopo Lavoro”, e Getúlio parece que copiou aquilo e jogou para o povo na revolução. E nós achamos dificuldade de funcionar ilegalmente, não tínhamos registrado a União Operária, nada. Funcionava assim aberto. E percebendo que a União não podia dar frutos daquela maneira, então resolvemos formar o sindicato. O primeiro sindicato que veio à mente foi o de vários ofícios porque era composição da União diversas categorias.           

            Quando houve a lei de sindicalização nós procuramos penetrar.  O Ministério do Trabalho tinha aberto aqui uma agência para reclamação e questões trabalhistas, para fazer carteira profissional, encaminhar, porque em São Paulo é que fazia as carteiras. Então, nós começamos a penetrar nessa agência e tomamos conta da agência.  Mas, como não havia número suficiente para organizar um sindicato nós fizemos um ofício ao Ministério do Trabalho pedindo o reconhecimento de um sindicato de vários ofícios. E não podia. Em 1932 o Ministério respondeu ao ofício dizendo que não podia. Então, vendo que não reconheciam e como queríamos vida legal, fundamos o sindicato dos metalúrgicos – a maior parte dos associados eram metalúrgicos- que em 1933 foi reconhecido.

            Tinha elementos da construção civil, de madeireiros, serrarias. E então bolamos a formação do sindicato da construção civil. Tinha algumas fábricas de cadeiras e englobamos tudo.

            Também tratamos de organizar os tecelões, que era um pouco maior que a construção civil. Então, ficou ali três categorias: metalúrgicos, tecelões e construção civil.

            Tecelões e construção civil demoraram um pouco mais para a fundação oficial e reconhecimento. Mas, ficou o embrião dos dois sindicatos. E os metalúrgicos então encampavam todas as lutas que surgiam.

            E surgiu uma luta na indústria têxtil quando o sindicato dos tecelões ainda não estava formado. Então os metalúrgicos encamparam a luta. Que foi na Ipiranguinha. As reivindicações levantadas eram aumento de salário e problemas como... Naquele tempo, os contramestres de fiação e tecelagem costumavam beliscar as meninas que trabalhavam (tudo menor). Beliscava..., enfim, até espancava. E nós então começamos a bater. Foi a primeira vitória que nós tivemos, como metalúrgicos, na indústria têxtil. Conseguimos abolir os beliscões. E aí conseguimos uma espécie de regulamento para essa indústria e também um pequeno aumento de salário. E então com essa luta pôde agrupar mais os tecelões e aí surgiu o sindicato dos tecelões.

            E aí também surgiu a construção civil e esses três sindicatos funcionavam na mesma sede. Não me lembro a data. Foi bem depois de 1933. Alguns anos depois, depois de 34 mais ou menos, não me lembro bem, começou a separar o sindicato e os metalúrgicos funcionando numa sede já separada. Em 35 veio o Movimento da Aliança Nacional Libertadora.  E nós os metalúrgicos, não o sindicato, mas a diretoria toda aderiu à Aliança.

            A maioria da diretoria era socialdemocrata, mas uma boa parte não era. Presidente, Vicepresidente, Secretário Geral, Primeiro Secretário, eram uns sete elementos. Os sete aderiram à Aliança. Aí veio a reação e a polícia bateu em cima da gente e nós tivemos que sumir daí. A polícia estava na porta da casa da gente todo dia, aquela perseguição, então a gente não tinha trabalho, não podia trabalhar, e tivemos que mudar, de um lado para outro. E ficaram alguns elementos que não eram procurados pela polícia, continuaram no sindicato, mas sem poder fazer nada que a reação era muito forte.

            Como a diretoria se envolveu na Aliança? Foi o seguinte. Nós como membros do Partido naquela época...a diretiva era desenvolver a Aliança.  Então nós diretores nos transformamos em núcleo da Aliança. E aí fizemos grandes agitações. Fazíamos grandes comícios, palestras, vinham esses elementos da aliança fazer as palestras e os comícios, e a agitação era forte.

            A classe operária atendia. Atendia o chamamento da Aliança.  Quando nós convocávamos qualquer palestra, qualquer comício, comparecia massa, mas massa mesmo.  Conseguia reunir milhares de pessoas. Não se fazia em praça pública. Mas tinha um parque, um parquinho, chamava-se Gibimba. A gente convocava para esse parquinho e o parquinho enchia. Então cessava a atividade do parquinho e então os oradores da Aliança falavam. Inclusive o Prestes esteve aí e falou naquela ocasião.

            Sobre 35? Sabia e não sabia do movimento. Porque os jornais publicavam e a gente, pelos jornais e por contatos com o Partido a gente percebia que havia qualquer coisa. Agora, quando estourou no nordeste, e me parece que naquela ocasião não era para estourar. Tinha que aguardar porque me parece que a revolução de 35 era para estourar no Rio, em São Paulo e no Norte. Mas houve precipitação. Quando estourou no norte, parece que Agildo Barata resolveu também entrar no Rio. Em São Paulo, Miguel Costa estava vacilante, entrava e não entrava, então ficou desorganizado o movimento e facilitou para a reação desbaratar o movimento.

            O movimento não estava sendo colocado como movimento armado. A pregação, a agitação, era todo nesse sentido... revolução..., mas preparação não tinha. Nada. Então se vê que a agitação maior era nos quartéis.  E na classe operária tinha aquela coisa, mas despreparadíssimo. Aqui se pregava o seguinte. Fazer bombas para explodir, p.e.,  as torres da Light e medidas sem preparação.

            Aqui o Partido forçava...aqui, não, em São Paulo forçava Miguel Costa a se levantar.  Ficava aquele hoje, amanhã e não saia nada. A classe operária estava se desenvolvendo, mas a reação se desenvolvendo a coisa desbaratou.

            Eu acho que hoje, devido à desunião e às lutas internas, criou uma certa apatia na massa. Então a massa hoje não atende mais como atendia naquele tempo. A massa hoje está mais recuada porque há tantos grupos aí que a massa não sabe a quem atender, então ela recuou e perdeu a confiança de luta. Com uma organização legal parece que a massa tá querendo atender, mas aí vem o caso do Lula. Lula com essa liberdade de agir, como ele tem... uma parte, porque nem todo trabalhador ainda confia nisso. Então tem aquele pequeno grupo que acompanha, agita, essa liberdade que têm deles agitarem o negócio.

            Imagine você, um Lula condenado, fazendo essa agitação sem nada acontecer a ele, quando se um outro fizesse o que o Lula faz estaria na cadeia já há muito tempo. Não teria essa liberdade de fazer isso. Então a massa pensa isso aí. Como é que esse homem tem essa liberdade de fazer isso?  Elemento condenado e chega a viajar para o exterior quando isso nunca aconteceu e não pode acontecer com, vamos dizer, um  dirigente comunsita, se fosse condenado, teria essa liberdade? Então a massa pensa isso. Não é só  o socialdemocrata que pensa, mas toda a massa.

            De 1935 a 1945 a coisa ficou preta. Foi muito difícil a organização.  Depois do golpe o Partido se dispersou. Não desapareceu porque o Partido nunca desapareceu. Mas os elementos dispersavam, os elementos ficaram marcados com a Aliança, então a dificuldade dele trabalhar na obscuridade foi grande. E então dificultou muito a luta de organização, principalmente da classe operária.  Nós aqui, ante de 1935, nós tínhamos organização em todas as fábricas, inclusive no setor têxtil, construção civil, metalúrgicos. Hoje a dificuldade é grande de penetrar nas indústrias, mesmo o receio do trabalhador. Você organiza mais fácil num bairro do que dentro de uma fábrica.

             Clandestinidade. Não podia trabalhar porque ninguém dava trabalho à gente. E nem podia procurar porque a polícia estava em cima. Então a gente tinha que viver em casa de parentes, amigos. Um tempo aqui, um tempo lá, sempre desnorteado, pode-se dizer, e aí toda a dificuldade da organização. Eu trabalhei, p.e., no Brás, com nome trocado, numa indústria, com documentação trocada. E a dificuldade de moradia. Na casa de parentes sempre era perigoso. A gente passava tempos na casa de parentes, e em casa estranha o elemento estava sempre com a pulga atrás da orelha. Se me pegam aqui é um troço, vou criar dificuldades para essa família, e às vezes ela não tinha nada com o peixe. E essa vida assim transtornou toda a organização, tanto do Partido quanto individual.

            Eu fiquei seis anos assim. Depois em 1939 fui preso. Em 37 eu estava em São Paulo, numa clandestinidade danada. O golpe dificultou mais ainda. Em 1939, fui denunciado em São Paulo por um cara que era do partido. Era dedo duro, era ligado à polícia. Fui condenado. Passei dois anos na cadeia. Quando eu saí eu vim para Santo André. Aí já instalei minha casa e comecei a trabalhar na Firestone, na construção da Firestone, como eletricista. Depois, quando terminou o serviço da Firestone eu continuei na companhia e fui trabalhar nas Perdizes, na Rua Cardoso de Almeida, num prédio grande que estavam fazendo lá.  E lá fui preso outra vez. Me pegaram em casa. Tomei mais dois anos. Fui julgado de novo. Fizeram outro processo. Saí com a anistia em 1945.

            Depois veio essa anistia. Depois o P achou que eu devia mudar pra cá. Aí mudei pra cá e continuei a me ligar ao setor sindical.

            Até 1964 a organização do Partido estava regularmente bem. O Partido estava organizado e com alguns elementos dispersos porque isso sempre tem. Mas, a gente fazia o contato e a organização estava se aprofundando cada vez mais. Com as greves havidas muitos elementos nossos dispersaram-se, foram despedidos das indústrias. Uns foram para São Paulo, outros para o interior.

            De 1935 a 1945 ficou gente do Partido na diretoria dos metalúrgicos. Mas, com a linha errada.  Era Partido na época Armando Mazzo Savietto. Daí eles quiseram me responsabilizar pela ligação.  Mas, não tinha nada com isso porque eles pegaram a ligação errada, não fui eu que dei a ligação.

            Me instalei aqui depois de 1945 e comecei novamente no movimento sindical.  Aí comecei a militar mas a turma não queria que eu fosse ao sindicato. Você vai lá, vai pintar o sindicato, aquela coisa toda, aquela conversa, os companheiros. Eu peguei e militava sindicalmente fora do sindicato. Um dia peguei e fui pro sindicato. Foi aquela gritaria... “Não, eu vou pro Sindicato”. O Sindicato tinha saído da intervenção, em 1956. Fui para o Sindicato em 1957. Fui devido a uma greve na Mercantil Suiça. O presidente era o Henrique Lopes, que já faleceu. Nós tínhamos conquistado o Sindicato aquele ano, em 1956. Em 1957 eu militei desde o início. Veio a greve da Mercantil e o presidente atrapalhado. E então ele muitas vezes dava a assembleia para mim dirigir. Dirigi a assembleia, aquela coisa toda. Dirigi aquelas assembleias na ausência do Presidente. Eu trabalhava à noite. De manhã cedo vinha para o Sindicato e à tarde ia pra casa para dormir um pouco, e à noite ia trabalhar.

            Aí veio as eleições sindicais. Formamos uma chapa, e concorremos e ganhamos a eleição. Aí passei a presidir o sindicato. DE 1958 a 1964 estive na presidência do sindicato [dos Metalúrgicos do ABC Paulista].

            Eu era presidente. Miguel Guillen era vice (simpatizante do PCB), Filadelfo Bras (um elemento do Partido Trabalhista Brasileiro), secretário geral, Novi Ferreira (primeiro secretário, era do Partido), o segundo secretário não me lembro se era ou não do Partido. Era uma composição. Mas quem dominava era o Partido. E aí fizemos palestras, desenvolvemos no Sindicato o Centro Popular de Cultura (CPC). Levamos festivais de teatro (peças como “Eles não usam black tie”), e outras peças operárias, sempre no sentido de educação operária. Fazíamos conferências, veio Prestes... enfim, todo elemento que se podia por pra fazer palestra e agente trazia. Fazia palestras continuamente, teatro, música, concertos, essa coisa toda. Enfim, desenvolvemos e organizamos de maneira que em qualquer manifestação o Sindicato estava sempre na frente. Organizamos passeatas. O Sindicato cresceu que foi uma coisa. Nós estávamos com 7 ou 8 mil associados quando pegamos o Sindicato. Quando saímos, em 1964, deixamos com 15 mil associados pagando o sindicato. Hoje parece que está com 10 mil.

            E aí houve 1964, houve a intervenção. Eu fui preso. Não fui processado, mas fui preso. Cassaram meus direitos sindicais e essa coisa toda. Agora, por final, fui anistiado, né. E Estamos aqui na luta novamente para ver até quando dá. Fiquei 15 dias, 6 dias na cadeia e o resto no hospital. Fiquei doente. Nós tínhamos um médico muito chegado a nós. Eu fui fazer uma consulta com ele, o delegado consentiu que eu fosse ao hospital e ele achou melhor internar. E fiquei internado mais 7 dias e depois veio a ordem de liberar.

            Fiquei afastado do sindicato uma temporada. Depois achei que devia voltar ao sindicato. Comecei a penetrar novamente, devagarinho.  Em 1968 houve uma batida em casa e levaram o diabo lá, tudo, quadros de familiares, discos (tinha uma coleção de discos russos). Aquilo foi um roubo porque levaram coisas que não tinha nada a ver com o Partido. E então eu desapareci.  Fui morar lá nos confins do Judas, no meio do mato, e fiquei 4 anos fora.  Mas, de vez em quando eu fazia o contato. Vinha às vezes ao sindicato e às vezes ia na casa de um companheiro. Mas, não podia aparecer publicamente.

            Depois veio essa anistia aí, então eu abri. Antes da anistia já tinha começado a aparecer.  Depois o Partido achou que eu devia mudar para cá. Aí mudei pra cá e continuei me ligando ao setor sindical essa coisa toda.

            Em 1956/1957 houve o rompimento interno no Partido, mas Santo André pouco sofreu. Houve um elemento que se bandeou para o lado da “abertura”, mas o resto continuou na mesma. Mesmo o problema Stalin, aqui pouco afetou. Se debateu bastante o culto [culto à personalidade]... É o que está acontecendo hoje no Partido. Os elementos que acompanham o Prestes eu acho que não tem nada do Partido porque eles são prestistas e não... Porque não se deve ver personagens, deve ser a linha, obedecer os estatutos e lutar para a aplicação daquilo, e não adoração a um...

            Até 1964 o movimento sindical tinha crescido.  Era mais fábrica. Por exemplo, a Pirelli [fábrica de pneumáticos]. Era grande. A gente arrumava por seção. A gente tirava um elemento dessa seção, da outra, da outra, reunia. Depois a diretiva ia pra todas as seções. A seção reunia, a seção, ele reunia a seção e levava a diretiva pra lá.  Se formava um “birozinho” para distribuir  para as seções. Cada seção formava uma base. Nem que fosse três, dois... A fábrica que tinha diversas seções, a gente formava o “birô”. Esse birô recebia a orientação do [assistente] e dava orientação no “birô”. O “birô” então distribuía.

            Antes de 56 houve certo desinteresse do Partido pela vida sindical. Mas aqui não atingiu. Não porque se nós estávamos na direção do sindicato não poderíamos sair e abandonar o sindicato. Então a diretiva era de organização do Partido sem fazer movimento no sindicato.

            Sim, houve certo desinteresse pela vida sindical, mas que aqui nós não aplicamos. De 1958 a 1964 houve certo crescimento do Partido. Na Firestone tinha uns 6 elementos. Nos têxteis uns 20. Na Rhodia química uns 6  ou 7. Na Laminação Nacional de Metais uns 10. Na Alumínio do Brasil, uns 15.

            Estávamos nas maiores industrias.  Agora, tinha também alguns picados em pequenas industrias, essa coisa toda. Numa indústria têxtil aqui tivemos 28 elementos organizados.  No bairro havia alguns elementos.  Pouca coisa, mas tinha.

            Tinha uma certa influência na massa operária. Porque nós tínhamos   no Têxtil dois diretores (presidente e tesoureiro). Na Construção Civil nós tínhamos uns 2 elementos de base, que era o mais fraco aquele setor. Nos Metalúrgicos nós tínhamos uma porção. Era muito grande. O setor metalúrgico foi sempre o que comandou o sindicalismo.

            Aqui tem 300 mil votos. O Partido tinha de 5 a 10 mil votos. Agora, para atingir essa votação tem que ter elementos trabalhando.

            No Partido havia duas coisas difíceis. A “conquista” e a “escolha”.  Você chegava, ia conversando e tal. Via até onde o elemento chegava.  Então aí torna-se um pouco difícil. Agora, também o receio de “convidar” o elemento (e hoje sofremos muito disso).

            Outra coisa que descuidou é a formação de quadros. Muito demais. Devia ter permanentemente uma escola.  Nunca cuidou disso. A minha impressão é que para eles [os dirigentes] se não aparece concorrência era melhor. Porque eu acho que o elemento vicia na direção e não quer perder. Então ele luta pra manter aquela posição dele. Isso é um mal. Se ele se lança-se, fizesse uma escola, seria nos Congressos sempre renovado. E assim você vê, o cara já está baqueado e ainda tá na direção, segurando o troço lá. Isso é muito ruim. E briga por ficar. E se sair, rompe.

            O Centro Popular de Cultura (CPC) era o Partido, mas dirigido pelo Sindicato. Quando o CPC queria fazer algum trabalho reunia com a direção do Sindicato e tocava pra frente. Era uma sociedade civil, com diretoria própria. Alguns elementos da diretoria eram Partido. Mas, o CPC não era registrado. Quem dava cobertura era o Sindicato. Alguns elementos de teatro vinham de fora para orientar.

            O CPC foi criado com o objetivo de educar as pessoas, conscientizar. Estava pondo em prática. Teve algum resultado, mas muito fraco porque teve muito pouco tempo de vida.

            Hoje leio “Novos Rumos”, “Folha da Manhã”.  “Última Hora”. Lia pouco. A seção sindical lia todo dia. Chegou alguma coisa de “Estudos Sociais” [revista]. Anterior a 1958 lia-se mais “Problemas” [revista]. Era pouco lida. Alguns dirigentes liam.

            Acho que li mais quando estava no Sindicato porque precisava estar ao par dos acontecimentos. Não foi por influência do Partido.

            “Novos Rumos”, se recebia uma cota de mais ou menos 100 jornais. Era vendido e era difícil a colocação. Recebia 25 no Sindicato para vender. O jornal não tinha atração de massas, era mais para os dirigentes.  O militante de base tem o seguinte, o orçamento já é apertado. Uma das coisas também que impedia era o rádio, a televisão, na época era mais o rádio.

            A agitação e propaganda era geralmente panfletos. Fazia fora porque o Sindicato não tinha equipamento.

            Sempre houve sectarismo. Eu nunca tive sectarismo porque eu estive sempre no trabalho de massa e aqui não cabe. Mas, no meio intelectual tem muito. Quando se pronuncia, se pronuncia de um jeito que a massa não aceita.

            Senti isso no Partido muitas vezes. É o seguinte. Querem impor ao elemento o que ele pensa. Ele não mede a capacidade do elemento com que discute. Leva a ponto de pregar diariamente a revolução que se vai fazer amanhã. De 1958 a 1964 melhorou. O Partido já tinha dividido. O pessoal mais sectário saiu. Agora, mandonismo é o elemento que chega numa base e, em vez de escutar, impõe. A base não entende e não faz, mas eles continuam insistindo sem conscientizar a base da necessidade daquela tarefa. Em Santo André, o único que usava era o dirigente principal, e refletia nos outros dirigentes que não queriam se submeter. E embora não aprovassem passava nas reuniões. Depois de 1958 esse aspecto melhorou.

Alianças com o PTB e o PSP. Também procurou-se fazer aliança com o o PSD de Ademar de Barros.  Sempre a maior aliança era com o PTB (Partido Trabalhista Braisleiro) e o PSP (Partido Social Progressista).

            Aqui não se localiza bem a burguesia nacional.  Se localiza a indústria nacional, fazendo frente única contra o imperialismo. Tinha a Laminação Nacional que a gente conseguiu alguma coisa nossa.  Ela nos ajudava no sentido financeiro, na luta política.  Moinho São Jorge, dava dinheiro para propaganda. Para a luta sindical não dava. O Sindicato dos Metalúrgicos nem podia mencionar porque aí dava margem para que os trabalhadores dissessem que a gente era compadre dos patrões. Mas a gente até conseguia abrandamento da situação de trabalho. O Moinho São Jorge, p.e., cedia o salão para promover bailes, etc., para angariar fundos para movimento político.

            As alianças políticas não interferiam no sindicato. Na luta sindical era o sindicato que decidia. Numa ocasião fui receber um dinheiro para o Partido na Laminação. O Partido fez questão que eu fosse. Fui eu com o Guillen. Fiquei surpreso porque eu não sabia. Então eu disse para a direção que eu estava ali como homem de Partido, não de sindicato e que aquilo não ia influir em nada no Sindicato.  Esse dinheiro foi gasto no Sindicato mesmo- embora é possível que o Partido tenha ficado com algum -  numa festinha com as crianças dos associados, acho que num Natal.  Antes o Sindicato fazia conferências mais restritas. Mas a partir de 1958 passou a abrir para passeatas, festas, com o Centro Popular de Cultura, etc.

            Os documentos do Partido traziam muito a questão da aliança operário-camponesa, mas aqui era impraticável porque não tem camponês. Mas, o Sindicato dos Metalúrgicos contribuiu. Se discutia o problema e se destacavam os elementos. Dois elementos daqui foram ao interior ajudar na fundação de sindicatos agrícolas. Não tinha ligação orgânica. Ajudava a fundar o sindicato e ia embora. De vez em quando esses sindicatos criados por nós nos convidavam para uma assembleia ou coisa assim.

            Alianças de cúpula às vezes tinha. Às vezes, por interesse financeiro do Partido fazia esse tipo de aliança. Não dava conhecimento à base. É o caso de São Caetano do Sul onde o Partido fez aliança com o Flaquer sem dar à mínima atenção à base.

            Apoiamos o Juscelino que era um elemento progressista. Politicamente foi um governo que não utilizou repressão contra o povo.

            Com o Lott foi pacífico embora errado. Porque o povo geralmente não se encaixava bem com militar.  E o Lott era um elemento duro pra carregar. Não tinha o dom da palavra...era um elefante. Fazia tudo para que o Lott fosse eleito. Só depois de alguns discursos o pessoal foi notando e viu que era duro. Não foi uma escolha certa.  Seria se ele tivesse um discurso, conhecesse um pouco o sindicalismo. Mas ele não sabia nada. O apoio a ele foi negativo, mas não tinha outra opção na época. O único era o Lott que aparecia como nacionalista.

            Aqui apoiamos o Newton Brandão para Prefeito. Era um tipo de aliança, mas não cumpriu nada. Acabou sendo apoio. E ainda ficou devendo cinquenta contos. As bases eram apenas reivindicativas, mas não me lembro. Uma delas era fazer uma sede para os aposentados. Na eleição seguinte foi eleito com nosso apoio. Ele é popular. É médico. Anda na rua com uma maleta. Atende todo mundo.

            Nessa época (1959) o Partido começou a se aliar com a Igreja.  Não me lembro o nome. Era o grupo mais moderado da Igreja. Tinha alguma penetração. Inclusive com o próprio bispo. Conseguia-se dar orientação aos trabalhadores. Muito movimento a gente fez junto. Greve da Fiação e Tecelagem de Santo André. No início a greve estava na mão de Mário de Jesus. Depois houve um atrito entre a minha pessoa e o Tal Mário de Jesus. Ele estava tirando proveito do movimento politicamente. A gente achava que tinha que resolver o problema, que estava mal.  No Sindicato eu disse a Mário que eu estava de acordo em defender os trabalhadores. Mas, que se era pra fazer política com os trabalhadores fechava a casa (as assembleias eram feitas nos Metalúrgicos e apoiávamos com material, tudo). Ele saiu com os grevistas para outro local. Aí como nós tínhamos gente na direção dos Têxteis, conseguimos uma reunião com a direção dos Têxteis e conseguimos que eles voltassem aos Metalúrgicos outra vez.  Aí entramos em contato com o bispo e fizemos passeatas com o bispo, com eu e ele à frente.  Até que se tirou uma comissão e fomos em São Paulo falar com Guilherme Jorge, o dono, e conseguimos uma vitória parcial e terminamos com a greve, onde a maioria era de moças.  De 1958 a 1964, uma parte era do Círculo Operário (Padre Afonso).  Depois apareceu a AP (Ação Popular). Com o pessoal da AP não dava mais para o Partido trabalhar porque  surgiu o movimento de renovação sindical, paralelo à estrutura sindical. Mas, não tinha força.

            Nós trabalhávamos com todo mundo. Na época não fazíamos distinção. Fora do grupo católico não tinha expressão. Em Santo André o PTB não tinha expressão no movimento operário. O maior desenvolvimento do movimento operário é que na sede dos Metalúrgicos se realizavam todas as assembleias. Todas as categorias frequentavam a sede dos Metalúrgicos.

            Algumas greves surgiam espontaneamente, às vezes até sem o sindicato. Nós os Metalúrgicos incorporávamos todas essas greves. A política era de encampar todas as greves, procurando até resolvê-las em favor do trabalhador. O Partido o que queria era ganhar os elementos. Se a gente resolvia um problema a gente ficava em contato com o elemento e a gente levava para o Partido.

            Greve por greve. Um dos erros constante era fazer com que a greve surgisse de fora para dentro. Nós dizíamos tais e tais reivindicações. Procurava conscientizar. Mesmo assim a greve não saia. Então formava um piquete. O resultado era fatal. Vinha borrachada. Em vez de conscientizar, desconcientizava. O sujeito ficava com medo e a polícia batia mesmo. Naquela época achava errado, mas como membro do Partido tinha que obedecer. Discutia com a direção mostrando o erro, mas não mudava. A direção considerava pacifista e a direção, geralmente o Secretário Geral, dava as bolas com cartas marcadas. Na votação ganhava porque que nem boi de presépio todo mundo balangava. Na direção municipal todo mundo acompanhava o secretário. Às vezes era a direção que levantava. Chamava a gente para discutir. Chegava lá já estava mastigada a coisa. Às vezes o organismo de base não era ouvido.

            Antes de 1958, palavras de ordem que não correspondiam à realidade nacional. Viva Stalin, fazer foice e martelo. Eu não achava certo. A partir de 1958 esse aspecto melhorou. A partir da discussão sobre a questão do culto à personalidade, melhorou. Mas, continuamos a fazer a questão Prestes. Criamos o prestismo. Acho que o Partrido é que criou o mito do “cavaleiro da esperança”. Eu acho que o Partido na direção discutia o problema, mas como a própria direção não tinha quadros formados politicamente... Formado era o secretário. Vinha, expunha e não havia discussão.  Politicamente, o secretário tinha mais argumento.  Então concordava porque era um elemento mais desenvolvido.

            Em 1958 se deu um caso comigo. No Sindicato a gente tinha um “jetão”. Do “jetão”... quase todo ele era contribuição pro Partido. Um dia o secretário veio e abriu a seguinte discussão comigo: que eu tinha que contribuir com mais para o Partido. Eu estava sendo muito prejudicado porque na indústria eu ganhava mais que no Sindicato. Eu disse que não. O Partido dizia que os cargos eram dele. Então eu disse: então eu devolvo o cargo e vocês ponham quem quiserem. Ele disse, o secretário geral: aguardem mais uns dias. E nunca mais tocou no caso. Mas, só aguentava mesmo um elemento que tivesse um ideal firme na coisa.

            Jurandir Alécio, vereador de Santo André, saiu do Partido por besteira da cúpula. Não recebia o pagamento na Câmara. Quem recebia era a cúpula que ia lá com uma procuração. Quando o Partido lançou ele para vereador, o Secretário exigiu que passasse uma procuração.  Ele recebia e dava uma importância x para o Jurandir. Era noivo e ia se casar. Pediu pro Partido montar a casa.  O Partido não quis dar. Quis só fazer uma coisinha muito mixuruca. E aí o Jurandir saiu fora. Brigou, desistiu, brigou com todo mundo. Foi o melhor vereador que nós tivemos em toda a época. Conseguiu botar abaixo as funerárias. Lutou até o fim contra toda a Câmara Municipal, contra a cassação do mandato do Prefeito Gimenez. Defendia realmente os interesses da população. Perdeu esse elemento até acho por incapacidade da direção.

            O Gimenez derrubou aqui a oligarquia dos Flaquer. Defendemos ele porque achamos que era injusto. Percebemos que a oligarquia queria a cabeça do homem. Inclusive os industriais, a Pirelli. Gimenez tinha sido eleito sem bancada. Tinha o Jurandir e o seu irmão. O Jurandir fazia a política do Partido e seu irmão nem sempre o apoiava. A vereança praticamente continuou nas mãos dos Flaquer. O Partido se mobilizou para apoiar o Jurandir e o mandato do Prefeito. Só teria direito de cassar o povo que elegeu e não meia dúzia de safadões. O Partido discutiu a questão da legalidade e achou que tinha que defender. Os Flaquer foram os que fizeram mais empenho em cassar aqui em Santo André, quando fizemos 13 vereadores e o Prefeito Armando Mazzo (Janeiro de 1947). [Naquela ocasião] mobilizamos todo o Partido. Fizemos passeatas nas ruas. Fomos os primeiros a fazer grandes cartazes quando até então eram papeis pequeninos. Nós criamos os grandes cartazes. Mobilizamos os bairros e trazíamos para o centro. A organização era mais ou menos a mesma. A gente bulia com as coisas que o povo sentia e o povo acordou. Como os trabalhadores da indústria moravam no bairro, eles conseguiram trazer o bairro para o movimento.  

            Havia uma coisa no Sindicato que eu acabei. O Partido exigia dos elementos uma certa quantia, mesmo dos elementos que não eram do Partido.  Um dia cheguei, chamei o Filadelfo. Vem cá, você está de acordo, fez acordo? Disse: “não, nunca me consultaram, nunca falaram nada”.

            Fui na tesouraria e cortei o negócio. Falei pro tesoureiro: você vai cobrar da gente do partido ou de simpatizantes que estiverem de acordo. Então, o Filadelfo não é do Partido, nem simpatizante nem nada. Se fosse poderia ter contribuído.

            Os metalúrgicos não eram muito ligados à que tão social. Se fossem toda vez que havia uma assembleia não comportaria.  Quando havia uma assembleia os operários não apareciam. Nas questões teatrais não apareciam Era mais a classe estudantil que lotava o Sindicato.  Iam, mas quando se tratava de assuntos salariais. Os que mais apareciam no Sindicato era operários conscientizados, ligados ao Partido. Isso antes de JK. Na saída de JK começou a ter um melhoramento. Não sei se porque tinha havido muita liberdade e o Partido tinha crescido. O efetivo do Partido era restrito, o [contingente] obreiro do Partido era pequeno. Mas, simpatizantes tinha muito. Sem isso o Partido não conseguiria fazer o que foi feito, dentro do sindicato e das eleições. Não era tão pequeno e tão fraco porque se fosse a gente não pararia as indústrias. E nós parávamos. Quando tocava na questão salarial a classe se movimentava. Ainda não se tinha ganhado uma grande massa para o Partido. Mas, já estava acompanhando o Partido. Quando nós fazíamos entrega dos panfletos os trabalhadores atendiam. E era o Partido que fazia. As bases trabalhavam no interior da indústria, procurando sindicalizar e levar gente para o Partido. Eram poucos para a necessidade do Partido. Mas eram suficientes para mexer com a classe.  O que crescia era aquela avalanche democrática que o Partido pregava. Na Pirelli chegou-se a discutir com os diretores. Também com os diretores da Fichet. Eles discutiam e depois procuravam cortar os elementos principais que tinham conversado. Mas, os trabalhadores frequentemente exigiam a reintegração.  Mas, quando se pediu para parar a mobilização

            Antes de 1964 o clima era bom. Era um clima de agitação. No comício do dia 13 a turma ficou no Sindicato ouvindo pelo alto-falante. Agora, acho que aquele comício precipitou 1964. Devido à maneira de colocar os problemas no comício. Alertou os capitalistas contra os trabalhadores. Havia um clima pacífico, de luta, mas pacífico. Aí houve realmente precipitação ou ilusão que teríamos força para tomar o poder. Mas não foi só a precipitação, mas o comício de Jango. As provocações na Marinha, a greve dos cabos, a tomada do CGT pelos fuzileiros .... levou ao golpe de 1964.

            Essa palavra de ordem houve... Mas, eu acho que nós não tínhamos força suficiente no meio da burguesia pra que se realizasse a revolução. Ao invés da burguesia tinha intelectuais que não tinham força. Naquela época a gente concordava mesmo porque  nós nunca tivemos no país uma democracia de verdade. Nós tivemos sempre o domínio de uma classe sobre a outra. Era necessário, como estava de baixo do imperialismo americano era necessário que a burguesia acordasse para que houvesse uma revolução democrática.

            O Estado era dominado pelo capitalismo internacional e só fazia aquilo que interessava ao capitalista. E a classe operária só tinha a perder.  Um estado democrático não é a mesma coisa que um socialista. Mas, o Estado democrático daria condições para se conscientizasse o povo para o socialismo.  O socialismo verdadeiro ainda não temos em nenhum país. Porque enquanto houver países capitalistas não pode nenhum país implantar o verdadeiro socialismo: a abolição das fronteiras. E só poderá existir quando terminar o capitalismo.

            Com o golpe veio a ordem de greve geral. Mas, aqui com a prisão nossa, logo no dia seguinte, o Sindicato ficou fechado. A única fábrica que correspondeu foi a OTIS, mas por poucas horas. O trabalhador mesmo não estava conscientizado da necessidade de greve política. Estava acostumado a greve econômica e nós dificilmente conscientizávamos para greve política. Minha companheira mais um grupo de mulheres do Sindicato foram ao delegado e tiraram a chave do delegado. Disseram que era necessário abrir o Sindicato porque os associados, crianças e tudo, precisavam usar o dentista, o médico, etc. 

            O trabalhador atendia mais nas greves econômicas.  Quando se punha na pauta das assembleias alguma reivindicação política a gente não esclarecia o porquê daquela reivindicação. Nós sempre procuramos fazer o trabalhador lutar mais por suas reivindicações econômicas. Mas, reivindicações políticas só se lia. A gente percebia mas achava que não tinha ressonância. Os organismos não discutiam a pauta política na indústria. Só apresentava na assembleia geral e aí não dava nem discussão. Não sei o porquê? Talvez nos passasse despercebido. Algumas vezes se discutia mas não se levava à prática. O organismo do Partido pegava a circular que vinha lá de cima e discutia a circular. A base discutia pouco ou nada seus problemas. Por exemplo, se discutia política nacional. Se discutia muito política internacional.  Outras vezes o baixo nível do trabalhador não deixava entender o que se discutia e aprovava a olho. O material vinha todo de cima. O que se produzia era o material para o trabalhador em geral.

            Eu acho que aí dependia mais do trabalho de educação do Partido. Os próprios elementos do Partido, politicamente muito atrasados, se fechavam ... Porque se o Partido tinha capacidade de arrebanhar a massa para o movimento de rua e não teve a capacidade de recrutar os elementos para o Partido?

            Outra coisa que é muito sentido é a ilegalidade. Então, na ilegalidade os elementos se fechavam mais. Era o que não acontecia comigo que atuava legalmente. Mas, eu acho que havia incompreensão e falta de quadros para atuar no meio da massa.  Mesmo eu pouca instrução tive do Partido para me lançar no movimento.  Fazia mais as coisas espontâneas e de acordo com o que lia nos jornais. A direção tinha muito pouca atividade fora do aparelho.  O Partido atuava mais no meio dos dirigentes sindicais. Quase que a maioria dos elementos do Partido aqui, sem ser a direção, foi recrutado por mim. Na direção havia alguns elementos que vieram de fora.  Ainda hoje é fraca a politização das bases.

            O Partido aqui sempre militou na classe operária, surgiu da classe operária. Só se procurava a classe média...alguns elementos, como contribuintes. E não se dava nenhuma importância à classe média, achando que o Partido devia militar só na classe operária. Os contribuintes eram geralmente militantes. A pequena burguesia era unicamente para contribuir como simpatizantes.

            No Partido não tinha muitos intelectuais. A gente procurava para finanças.  E pra criar o grupo do CPC (Centro Popular de Cultura) nós usamos alguns intelectuais na cabeça. Tinha dois dentistas, um médico, um engenheiro, três estudantes. Eles eram mais simpatizantes. Se dava algum material do Partido para eles lerem. Pouca discussão se fazia com eles. Mas, o CPC era mais composto por operários.

            Depois de 1958 já não se exigia do elemento uma disciplina férrea. Até hoje ainda tem elementos que viveram naquele ambiente. Alguns elementos se adaptaram logo, outros não. Mas, a mudança foi positiva.

            Antes de 1958 era cumprir as tarefas que vinham de cima. Nem se discutia as tarefas. O elemento do comitê municipal ia e dava a tarefa. Resultado: muitas vezes não se executavam. Outros faziam sem sabem porque.  Um dos erros sempre foi que o elemento que ia pra base só ele falava e no fim aprovava as tarefas. Às vezes não executadas por não ter compreensão.  O baixo nível da base não permitia um diálogo. Eram mais peões e alguns profissionais. Naquele tempo “nem existia”. O que existia não frequentavam o sindicato nem nada porque tinham bom salário. Esses vícios vinham desde antes de 1958 e continuaram em boa parte.

            O que mais se desenvolvia era o anti-imperialismo americano. A gente aproveitava de tudo para agitar o problema e levar ao conhecimento dos trabalhadores que o que emperrava o desenvolvimento era o imperialismo americano. A gente visava em primeiro lugar a Frente única, com um programa de reivindicações políticas e econômicas. Unir a outras forças para se chegar à conquista de um Estado democrático. Acho que é válido até hoje.  Era um sistema de frente contra determinada infiltração estrangeira no país. Só se podia fazer frente ao estrangeiro fazendo frente com a burguesia. Prejudicou o Partido na classe operária. Pela classe que não tem consciência vê pelo outro lado. “Mas, como, o Partido está aliado à classe dominante?”. Em Santo André tinha um industrial que nem greve se fazia contra ele. E se fazia fechava a indústria e ia conversar com ele. Não tomava nenhuma represália. Então, não era tão prejudicial porque havia um entendimento e estávamos procurando deter as forças estrangeiras.

            Na última greve, um pouco antes de 1964 ou em 1964, houve uma palavra de greve geral. A greve era iniciada pelos ferroviários. Aqui tinha-se feito, organizado os piquetes para a paralisação das fábricas. No domingo, ainda à noite, foi suspensa a greve. Embora o Secretário Geral aqui, tivesse recebido a palavra de ordem de suspensão, ele não transmitiu. Nós fomos pro trabalho. Os operários sabiam que a greve tinha sido suspensa, mas nós não sabíamos por causa do Secretário Geral. Isso deu uma certa desmoralização e desânimo para o Partido aqui. Ficou o dito pelo não dito e ninguém falou mais no assunto.

            O Sindicato criou uma escola de desenho mecânico. Os professores se preocupavam mais em dar as aulas do que politizar. Preocupação com o desenvolvimento da profissão. A politização acabava não sendo feita. Tinha alguns professores do Partido na escola, mas funcionava como profissionalizante.

            O Partido tinha ligações com o Movimento de Mulheres. Algumas ligações com as Sociedades Amigos de Bairro. A Associação Feminina era uma sociedade civil legal. Foi fundada pelo Partido mais ou menos em 1956.  Chegou a desaparecer com a reação, antes mesmo de 1964. Ela tinha certa expressão, mas não tinha atingido bem porque a maioria dos militantes era do Partido e como houve em 1962 a reação caiu em cima do Partido, a Associação se desarticulou.

            Havia um comitê de zona que fazia a ligação entre as várias cidades do ABC: São Bernardo do Campo, São Caetano do Sul, Santo André. Ribeirão Pires, Mauá, Alto da Serra.  Havia uma zona, o Grande ABC. Mas, o movimento mais forte era Santo André. Todo o movimento se irradiava de Santo André, principalmente o sindical.

            Apoiamos o movimento estudantil. Defendíamos as reformas de base do Tarso. Apoiamos aqui um Congresso da UNE. O Metalúrgicos nos empenhamos nisso. Nós que fizemos tudo, inclusive o local. Nessa época a UNE (União Nacional de Estudantes) não estava sob hegemonia da AP (Ação Popular). No Congresso era tudo em cima de mim, as tarefas, através do Conselho (Conselho Sindical da Borda do Campo). Perdi o encerramento porque estava exausto. 

            O Conselho Sindical da Borda do Campo foi uma iniciativa do Partido. Eu que articulei. O objetivo era procurar a unidade dos sindicatos. Nós tínhamos no Conselho Sindical, sindicatos completamente alheios ao Partido: bancários, comerciários. O Conselho foi construtivo. A política do Partido dentro do CS foi negativa porque queria impor as suas propostas dentro do Conselho. Podia-se fazer propostas mais leves e passar. Mas, às vezes a gente impunha propostas pesadas e não passava. A maior oposição era dos Químicos com Trajano. Os motoristas também.

            O Trajano era elemento com ideias burguesas, mesmo dentro dos Têxteis. No Conselho Sindical faziam-se debates e ali tinha a opção.  O Conselho não era deliberativo. Mas, dificilmente o Conselho ia contra o movimento dos trabalhadores. Não eram pelegos. Não eram capazes de ir contra porque visando o posto sindical, se eles se opunham, seriam queimados pelo Partido. O Partido tinha essa capacidade. Se o sujeito estava tendendo para o peleguismo, o Partido trabalhava o sujeito dentro da indústria e esse não se elegia.

            Não tinha movimento espontâneo. Era lançado o movimento de greve e era lançado o incentivo. A necessidade de melhor salário, mais a atuação do sindicalismo e do Partido, saia a greve. Havia aquela vontade que fosse pegar fogo. Mas, quem examinava com calma as coisas via que isso era fictício. Como o Partido podia propalar isso se não tinha meios de preparar a formação do exército de libertação nacional. Não tinha condições.

Saímos do golpe de 64 e foi imposto os comícios relâmpago, no ato do golpe. Eu  fiz 8 comícios. Com todos esses comícios não se conseguiu levantar a classe. Estava agitada, mas despreparada. Os dirigentes tiveram que bater em retirada. A palavra de ordem do Partido quando do golpe foi de paralisação total em defesa do governo de Jango. Ninguém parou em Santo André.

...

(continua com outros relatos)

                       

           

 

           

 

           

 

 

 

 

           

             

           

I

 

 

Nenhum comentário:

Postar um comentário