Terra e alimentos sãos: uma luta para todos   
Sílvia Ribeiro
No seu VI Congresso, realizado em Brasília de 10 a 14 de Fevereiro com 16 mil 
delegados de todo o país e centenas de aliados internacionais, o MST 
concentrou-se em denunciar os impactos do “milagre brasileiro” e em afirmar que 
a produção de alimentos não é assunto apenas dos camponeses mas de todos, e que 
exige uma “reforma agrária popular”.
 
O MST, Movimento dos trabalhadores rurais Sem Terra de Brasil é, por muitas 
razões, um dos movimentos sociais mais notáveis da América Latina.Mudou a 
realidade de milhões de despossuídos no seu país, para além de ter uma forte 
presença nas disputas do discurso político-social no Brasil e de ter inspirado 
muitos outros movimentos no planeta.Nos seus 30 anos de luta e construção o MST 
conseguiu arrancar ao latifúndio 6 milhões de hectares de terra, onde 
estabeleceu assentamentos para 350 mil famílias, um milhão e meio de pessoas. 
Tem outras 100 mil famílias ocupando terras ou acampados na berma de estradas, 
reclamando terras. As lutas, ocupações e acampamentos não são nem têm sido 
fáceis, são anos de viver sob tendas de lona negra, muitas vezes com repressão 
violenta, pela qual sofreram dezenas de assassínios de membros seus às mãos de 
latifundiários e dos seus pistoleiros, da polícia militar e até de milícias 
contratadas por transnacionais, como foi o caso de Syngenta, responsável pelo 
assassínio do companheiro Keno no Paraná. A contracorrente, e como parte 
essencial da sua luta, em cada um desses acampamentos de ocupação, ainda que 
provisórios, o MST instalou escola, creche e formação de adultos, para além de 
assembleias permanentes. Em cada assentamento legalizado construíram escolas 
primárias e há no movimento 50 centros de ensino médio e técnico superior, além 
de ter conseguido um programa especial para educação universitária dos jovens 
dos assentamentos, já frequentado por vários milhares. Isto entre muitos outros 
aspectos e realizações deste movimento multifacetado, que é também membro 
fundador da Via Campesina internacional.No seu VI Congresso, realizado em 
Brasília de 10 a 14 de Fevereiro com 16 mil delegados de todo o país e centenas 
de aliados internacionais, o MST concentrou-se em denunciar os impactos do 
“milagre brasileiro” e em afirmar que a produção de alimentos não é assunto 
apenas dos camponeses mas de todos, e que exige uma “reforma agrária popular”. 
Movimento sempre em movimento, anunciaram também uma campanha pela reforma 
profunda do sistema político, para acabar com a compra de políticos por parte de 
grandes interesses privados e transnacionais.
Com múltiplos testemunhos de especialistas e de militantes, o congresso do MST 
mostrou que o vertiginoso avanço das transnacionais dos agronegócios, 
particularmente favorecido pelos governos neo-desenvolvimentistas de Lula e 
Rousseff, significou a expulsão de camponeses e indígenas das suas terras e a 
quase paralisação da entrega de terras para reforma agraria, para além de 
provocar uma enorme deflorestação paralelamente com a instalação de mega 
monocultivos de soja e milho transgénico, cana-de-açúcar e eucalipto, com 
aumento brutal do uso de agro-tóxicos, devastação de solos, água, biodiversidade 
e áreas naturais. Todas as produções controladas por transnacionais para a 
exportação, enquanto crescia a importação de comida para a população. Os maiores 
lucros foram para Monsanto, Cargill, Nestlé e outras transnacionais do sistema 
agro-alimentar. Que metade da população brasileira receba subsídios do governo 
para se alimentar pode ser bom para que não morra de fome, mas não a torna 
sustentável e, definitivamente, não constitui soberania alimentar.Este modelo de 
agro-negócios, juntamente com a crise e com a permanente procura de novos 
mercados pelo capital financeiro - como os mercados do carbono, serviços 
ambientais e programas como REDD em bosques e agricultura - significou um 
aumento da disputa de territórios e da água contra camponeses, indígenas, 
comunidades quilombolas e locais.Como explica o MST, a sua principal 
reivindicação histórica, a reforma agrária, não é uma reivindicação 
revolucionaria. É exigir que se cumpra o que define a constituição brasileira, 
que é expropriar o latifúndio improdutivo e entregar terra aos camponeses sem 
terra. Mas, denunciam, no Brasil nunca houve reforma agrária: cada pedaço de 
terra, cada assentamento, cada expropriação foi arrancada ao governo e aos 
latifundiários com luta, ocupações e protestos.Agora que cada palmo de terra é 
objecto da cobiça de empresários, seja para monocultivos, para megaprojectos de 
mineração, represas, vias e outras infra-estruturas necessárias ao modelo, e que 
o que não se arrasa ou devasta pode ser potencialmente vendido ao mercado 
especulativo do carbono e dos serviços ambientais, para o governo não resta 
“latifúndio improdutivo” para os camponeses sem terra.Perante estas falácias, o 
MST lança a proposta e o desafio de lutar e construir uma Reforma Agrária 
Popular. Já não apenas contra o latifúndio mas também contra as transnacionais e 
o capital financeiro. Porque a produção de alimentos, sãos, suficientes e 
soberanos, e a reforma agrária que isso implica, é assunto de todo o povo e não 
apenas dos camponeses. Às suas reivindicações históricas pela terra e à luta 
contra agro-tóxicos e transgénicos juntam agora com destaque a construção de 
produção agro-ecológica, de agro-indústrias cooperativas locais, a defesa da 
biodiversidade e da diversidade cultural, o cuidado e controlo das sementes. 
Convidam e desafiam todos os movimentos sociais, do campo, de trabalhadores, de 
ambientalistas, de organizações políticas críticas, a juntar-se a esta nova 
etapa de resistência e construção.Face ao amplamente difundido mito de que 
necessitamos das transnacionais e dos seus transgénicos para alimentar o mundo, 
a trajectória do MST é um forte testemunho do contrário, que coloca um tema 
fundamental e iniludível: em todo o lado, as lutas camponesas e a sua obstinada 
reivindicação do direito a ser camponeses são essenciais para a sobrevivência de 
todos e para a sobrevivência do planeta.
La Jornada, 23/2/2014
* Investigadora do Grupo ETC Imprimir
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3/3/2014
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