quinta-feira, 17 de agosto de 2017

Mapa da derrota da direita na Venezuela



Por que a direita avaliou tão erradamente as condições para tomar o poder pela
força na Venezuela?

Por Marco Teruggi
 Do La Tabla

Aconteceu o que tantas vezes acontece à direita: erraram nas análises.
Superestimaram a própria força, subestimaram o chavismo, leram de maneira errada
o estado de ânimo das massas, calcularam mal as coordenadas do campo de batalha.
E nas batalhas as responsabilidades são coletivas, mas diferenciadas: o peso
maior cai sobre os generais – como ensina, dentre outros livros, A Estranha
Derrota, de Marc Bloch. 

 Porque fato é que houve a derrota, derrota tática, no marco de um equilíbrio
instável prolongado, mas derrota, sim, e derrotas implicam mudanças,
rompimentos, debandadas e mudanças de posição.

 Por que a direita avaliou tão erradamente as condições para tomar o poder pela
força na Venezuela? Foram vários elementos combinados. Em primeiro lugar, a
posição da classe dirigente. A direção do movimento golpista estava e está em
mãos de homens e mulheres da burguesia, da oligarquia, quadros em sua maioria de
classe média alta, formados todos nessa política imaginária tão típica das
direitas em todo o mundo. Não é verdade que a direita não desenvolveu estruturas
em algumas zonas populares, mas não dirigem realmente coisa alguma e onde
existem, são minoritárias. A esse elemento soma-se outro, que agrava o risco do
cálculo e leva a erro: uma parte da direção do movimento golpista, tanto
venezuelanos como norte-americanos, vive fora da Venezuela, muitos nos EUA.

 Essas interpretações, marcadas por grande distância de classe e de país,
acabaram por fracassar pelo efeito bumerangue de uma de suas reconhecidas
forças: as redes sociais predominantemente de direita. A direita golpista
venezuelana assumiu que a dinâmica manifestada nas redes seria representativa do
estado de ânimo das maiorias e que essas maiorias seriam de direita. Pensaram
que a fortuna que consumiram – da ordem de milhões de dólares – com veículos das
empresas Twitter, Facebook, Instagram, Youtube, obtivera real sucesso, seria a
expressão da verdade, o que realmente existia no mundo real, que a radicalidade
da direita ali expressa seria a radicalidade popular real.

 Desse modo, acabaram por se convencer de que o governo Maduro estaria caindo,
faltando só o empurrão final, que o governo tinha apoio popular, que era
minoritário e estava preso às cordas, que as massas descontentes atenderiam a
convocação da direita para que tomassem as ruas para derrubar o "regime", e que
a própria direita teria força suficiente para expandir-se até alcançar aa grande
massa policlassista e nacional necessária para derrubar o governo eleito. Essa
combinação de elementos incidiria por sua vez sobre fatores políticos e
institucionais do chavismo, os quais, ao ver o crescimento irrefreável das
massas a exigir eleições gerais, mudariam de lado. Só aconteceu com a Fiscal
Geral e alguns dirigentes intermédios pontuais – e não por pressão das massas,
mas por plano e suborno político. O mais importante nesse plano era a Fuerza
Armada Nacional Bolivariana, que a direita contava com que rapidamente mudaria
de lado: e essa se manteve intacta, não vacilou e não quebrou.

 Esses cálculos levaram a direita a manter a hipótese de saída violenta durante
mais de 100 dias. Com pontos chaves, como o anúncio de que o próximo presidente
seria eleito em eleições primárias. Foi o que disse Ramos Allup, o primeiro a
declarar logo que participará nas eleições regionais. Entre um e outro anúncio,
passaram-se 15 anos, e no meio houve um evento crucial: a vitória eleitoral de
30 de julho, com mais de 8 milhões de votos contra a violência golpista, e a
favor de uma solução democrática comandada pelo chavismo. A direita fez como se
nada tivesse acontecido, mas o impacto daquela vitória foi inegável: levou a um
rearranjo de posições e mudança de tática em desenvolvimento.

 Resultado disso tudo foi a inversão das premissas da direita: o chavismo não
estava nocauteado e aplicou uma lição histórica à direita venezuelana; os
setores populares adivinharam de longe o movimento que viria da direita e
rechaçaram a violência. E a direita, os grupos de choque e setores paramilitares
não conseguiram modificar o quadro nacional real. Com coordenadas desse tipo, é
impossível tomar o poder pela força. E uma depois da outra caíram as 'propostas'
da direita. Hoje já declaram que participarão de eleições coordenadas e
comandadas pelo governo chavista de Maduro que, há uma semana, a direita acusava
de ilegal, ilegítimo y fraudulento. Freddy Guevara, de "Voluntad Popular", já
anunciou que "o caminho é eleitoral".

 Alguns ainda não se pronunciaram, por desacordos, por incapacidade para
concorrer em disputa eleitoral limpa – como María Corina Machado –, por tensão
com uma base social fraudada, à qual haviam prometido poder iminente e forte,
mas à qual, cem dias depois, só têm a oferecer a via eleitoral e crise interna.

 Esses meses de escalada reconfiguraram o mapa interno da direita, que hoje
parece composta de três setores, os quais, embora sustentem posições diferentes
– por pragmatismo ou convicção – não parecem separados por fronteiras muito
claras.

 1.      O primeiro desses grupos da direita venezuelana reúne os partidos de
direita mais históricos, como "Acción Democrática" presidido por Ramos Allup, o
qual, embora tenha acompanhado a escalada da violência, aposta e sempre apostou
na estratégia de desgastar o governo – principalmente por efeito de ataques
econômicos –para assim 'herdar' os votos do descontentamento popular e apostas
em vitórias eleitorais.

 2.     O segundo grupo da direita venezuelana é coordenado, por exemplo, por
"Voluntad Popular" e "Primero Justicia" – cujos dirigentes estão proibidos de
candidatar-se – e grupo que desde o início apostou na saída pela violência,
trabalhou na formação/financiamento/treinamento de grupos de choque e
vinculou-se diretamente com setores paramilitares.

 3.     O terceiro grupo da direita venezuelana é o que se autodenominou
"resistência" e recebe vários nomes conforme as regiões na Venezuela. O discurso
desse grupo é rechaçar a traição dos dirigentes que aceitaram concorrer em
eleições, e insistir na necessidade de escalar a confrontação de rua, com
reivindicação de ações violentas – como as que se viram no dia das eleições.

 Esse grupo de direita extremista opera comunicacionalmente pelas redes sociais,
e diretamente de Miami. É difícil definir se há aí um processo de relativa
espontaneidade, ou se a dita "resistência" foi inventada exclusivamente para pôr
em execução ações planejadas, dentro do segundo grupo acima, sob diferentes
denominações. Quantos são? Quem os dirige e coordena? Segundo dizem os próprios
'representantes' maiameros [de Miami/*maiami*] seriam dispersos, sem centro de
comando.

Essa análise permite compreender por exemplo a ação de domingo passado no Fuerte
Paramacay.

 Não se trata, como os ataques a quarteis dos meses de maio/junho/julho, de
medidas no marco de alguma escalada que vise a encurralar o governo, como ação
ofensiva. Mais se assemelha a um esforço para manter medidas de alto impacto –
com forte repercussão internacional –, que contou com a participação dos grupos
mais radicais. A autoria do fato deve ser buscada no terceiro setor acima – que
parece vinculado, por baixo dos panos, também ao segundo e a dirigentes
assumidos da direita como o senador norteamericano Marco Rubio. – Seguramente há
planos para ações como essa, e maiores. Veem-se sintomas de desespero, o que
sempre pode gerar violência e apostas mais radicais.

 A esse quadro devem acrescentar-se as principais linhas de força da direita: os
ataques econômicos e a ação internacional. No primeiro caso, já se viu como,
logo depois do 30 de julho, produziu-se ataque frontal contra a moeda, quando o
dólar paralelo foi aumentado vertiginosamente. O objetivo é fazer disparar os
preços, desgastar o apoio popular, afastar do governo a população, agravar o
quadro de dificuldade material, tentar asfixiar os cotidianos das classes
populares. Quanto ao contexto internacional, a escalada continua, dirigida dos
EUA, com apoio central da Colômbia e de governos subordinados aos EUA na região.

 Resultado é que a direita voltou a depender de duas estratégias que manifestam
a incapacidade da própria direita. Uma é golpear a população do país, para
levá-la ao desespero e tentar converter o desespero em votos. A outra é pedir
intervenção norte-americana, a ser disfarçada como seja preciso. Essa realidade
é mostra de fraqueza, não de força.

 A eleição de 30 de julho, da Assembleia Constituinte, foi vitória tática do
chavismo. Essa nova situação, no equilíbrio instável, trouxe efeitos que
recaíram sobre uma direita que outra vez equivocou-se gravemente em sua análise
do campo de batalha, e também dentro dela. Essa vantagem a favor dos chavistas
tem de ser traduzida urgentemente em ações. O setor que mais exige ações
revolucionárias, além do Judiciário, é o setor econômico. A economia, já se
sabe, é política concentrada. Aí parece estar hoje o principal desafio que a
revolução bolivariana tem de enfrentar.

In
MST
http://www.mst.org.br/2017/08/16/mapa-da-derrota-da-direita-na-venezuela.html
16/8/2017

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