quarta-feira, 2 de agosto de 2017

Na dúvida, bombardear a China


 Pepe Escobar     

Militares dos EUA com altas responsabilidades – encorajados pelo Partido da
Guerra em Washington - voltam a falar da utilização de armamento nuclear como se
tal fosse algo de normal. Que militares dos EUA se sintam de mãos livres tem
precedentes e – como o provam as iniciativas do General MacArthur na Coreia –
esses precedentes mostram que há muito a recear.


O colapso do mundo unipolar actualmente em curso, com a inexorável emergência de
um enquadramento multipolar, abriu caminho a que um aterrorizante subenredo se
desencadeasse de forma desenfreada – a normalização da ideia de uma guerra
nuclear.
 A evidência mais recente disso surge sob a forma de um almirante dos EUA
garantindo a toda a gente que estará pronto a dar cumprimento a uma ordem do
Presidente Trump de lançar um míssil nuclear contra a China.
 Esqueçam o facto de que uma guerra nuclear no séc. XXI envolvendo grandes
potências será a Última Guerra. O nosso almirante – cujo nome, admiravelmente, é
Swift – apenas está preocupado com minudências democráticas, tais como que
“todos os militares dos EUA juraram defender a constituição dos EUA contra todos
os inimigos estrangeiros ou domésticos e obedecer aos seus oficiais e ao
presidente dos Estados Unidos, que foi colocado acima de nós como comandante e
chefe”.
Portanto, a questão resume-se à lealdade para com o Presidente, e ao controlo
civil sobre os militares – independentemente do risco de incinerar incontáveis
massas desses mesmos civis, norte-americanos incluídos (uma vez que iria existir
inevitavelmente uma resposta chinesa).
 Swift vem de novo em socorro: “Isto reside no coração da democracia americana,
e se em qualquer altura tivermos umas forças armadas que se desviem do foco e da
subordinação ao controlo civil, então teremos um problema relevante.”
Não importa que o proverbial porta-voz da esquadra dos EUA no Pacífico – neste
caso, Charlie Brown (um nome adequado?) – se tenha rapidamente empenhado no
controlo de danos, desvalorizando a premissa da questão (nuclear) como
“ridícula.” Tanto a pergunta como a resposta são efectivamente bastante
reveladoras.
O fantasma de MacArthur assoma na penumbra
Um olhar retrospectivo até Setembro de 1950 e à guerra da Coreia, com alguma
ajuda de Korea: The Unknown War de Bruce Cumings e John Halliday, ajuda-nos a
observar que a questão do “controlo civil sobre os militares” poderá estar longe
de ser “ridícula.” Especialmente agora, em que facções do Partido da Guerra em
Washington têm vindo a pressionar no sentido do bombardeamento nuclear não da
China mas da Coreia do Norte.
 É essencial recordar que em 1950 já o Presidente Truman tinha emitido uma ordem
de “controlo civil sobre os militares” no sentido de serem lançadas duas bombas
atómicas sobre o Japão em 1945 – uma estreia histórica.
 Truman tinha assumido a Vice-Presidência em Janeiro de 1945. Roosevelt
tratava-o com o mais completo desdém. Não tinha qualquer informação sobre o
Projecto Manhattan. Era vice-presidente há apenas 82 dias quando Roosevelt
morreu, e assumiu a presidência sem conhecer absolutamente nada de política
externa ou da nova equação nuclear/militar.
 Truman teve cinco anos depois de bombardear o Japão para aprender, no
desempenho do cargo, tudo sobre a matéria. A frente de acção era agora a Coreia.
Mesmo antes do desembarque anfíbio em Inchon comandado pelo General MacArthur –
o de maior escala desde o Dia-D na Normandia em 1944 – Truman autorizara já
MacArthur a avançar para além do paralelo 38. Existe um substancial debate
histórico acerca de MacArthur não ter sido exactamente instruído em detalhe
sobre o que fazer – enquanto estivesse ganhar. O que servia perfeitamente um
homem que gostava de citar Montgomery. “Os generais nunca recebem directivas
adequadas.”
MacArthur, contudo, recebeu de facto um memorando secreto de Truman sublinhando
que quaisquer operações a norte do paralelo 38 não seriam autorizadas se “não
houvesse entrada na Coreia do Norte de forças significativas da União Soviética
ou da China Comunista, não houvesse qualquer anúncio da sua entrada, nem a
ameaça de confrontarem militarmente as nossas operações”.
Mas, na mesma altura, MacArthur recebeu uma mensagem pessoal secreta do chefe do
Pentágono, George Marshall: “Queremos que se sinta táctica e estrategicamente à
vontade para intervir a norte do paralelo 38.”
MacArthur foi andando. Estava seguro de que a China não iria intervir na Coreia:
“Se os chineses tentassem chegar a Pyongyang verificar-se-ia a maior das
matanças.” Acontece que estava errado. As forças dos EUA capturaram Pyongyang a
19 de Outubro de 1950. Exactamente no mesmo dia nada menos que 250.000 soldados
do 13º Grupo de Exércitos do Grupo de Voluntários do Exército do Povo Chinês
atravessaram o rio Yalu e entraram em território coreano. Os serviços de
informações dos EUA desconheciam por completo o que o historiador militar S.L.A.
Marshall descreveu como “um fantasma que não projectava qualquer sombra”.
MacArthur foi progressivamente perdendo a cabeça, incluindo apelar ao
bombardeamento nuclear da Coreia do Norte. Tinha que ser afastado. A questão era
como. Os civis - Dean Acheson, Averell Harriman – eram favoráveis. Os generais -
Marshall, Bradly – eram contra. Mas estavam também preocupados com que, “se
MacArthur não fosse substituído, uma boa parte do nosso povo iria acusar as
autoridades civis de terem perdido o controlo dos militares”.
Truman tinha já tomado a decisão. MacArthur foi substituído pelo Tenente General
Ridgway. Mas a loucura guerreira prosseguia, refém da “ameaça” Sino-Soviética de
“dominação comunista mundial”. Mais de dois milhões de civis norte-coreanos
foram mortos. E aquilo que o General Curtis LeMay – um Dr. Strangelove da vida
real – disse mais tarde acerca de bombardear o Vietnam “de regresso à idade da
pedra” foi efectivamente realizado pelos EUA na Coreia do Norte.
 A indústria e a infra-estrutura do Norte foi completamente destruída. É
impossível compreender a acção dos dirigentes em Pyongyang no decurso das
décadas decorridas desde então sem tomar em consideração o modo como esta
destruição humana e física permanece muito viva no seu espírito.
 Portanto o que Almirante Swift disse foi – em código – que se vier uma ordem
civil, os militares dos EUA iniciarão a Terceira Guerra Mundial (ou a Quarta, se
se contar com a Guerra Fria), aplicando conscienciosamente a doutrina do
Pentágono acerca do “primeiro golpe”. O que Swift não disse é que o Presidente
Trump tem também o poder de fazer como Truman e despedir um qualquer general
tresloucado, aspirante a ser um clone de MacArthur.

In
O DIARIO.INFO
http://www.odiario.info/na-duvida-bombardear-a-china/
2/8/2017

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