terça-feira, 24 de janeiro de 2023

A guerra na Ucrânia para manter a União Europeia sob tutela

 
 

Thierry Meyssan

É difícil admitir, mas os Anglo-Saxões não o escondem. Parafraseando uma
citação célebre do primeiro Secretário Geral da Aliança, A OTAN foi
concebida para « conservar a Rússia fora, os Americanos dentro e a União
Europeia sob tutela ».
Não há nenhuma outra interpretação possível sobre a continuação das
inúteis « sanções » contra Moscovo e dos vãos combates mortíferos na
Ucrânia.



Faz já quase um ano que o Exército russo entrou na Ucrânia para aplicar
a Resolução 2202 do Conselho de Segurança. Rejeitando este motivo, a
OTAN considera, pelo contrário, que a Rússia invadiu a Ucrânia para a
anexar. Nos quatro “oblasts”, os referendos de adesão à Federação da
Rússia parecem confirmar a interpretação da OTAN, salvo que a História
da Novorossia confirma a explicação da Rússia. As duas narrativas
desenrolam-se em paralelo, sem jamais se tocarem.

Pela minha parte, tendo editado um boletim diário durante a guerra do
Kosovo [1 <#nb1>], recordo-me que a narrativa da OTAN à época era
contestada por todas os agências de imprensa dos Balcãs, sem que eu
tivesse meio de saber quem tinha razão. Dois dias após o fim do
conflito, jornalistas dos países membros da Aliança Atlântica puderam ir
até lá e constatar que haviam sido enganados. As agências de notícias
regionais tinham razão. A OTAN não tinha parado de mentir. Mais tarde,
quando eu era membro do governo líbio, a OTAN, que tinha um mandato do
Conselho de Segurança para proteger a população, alterou-o a fim de
derrubar a Jamahiriya Árabe Líbia, matando 120. 000 pessoas que ela era
suposta proteger. Estas experiências mostram-nos que o Ocidente mente
sem vergonha para encobrir as suas acções.

Hoje em dia a OTAN garante-nos que não está em guerra, uma vez que não
colocou homens na Ucrânia. Ora, assistimos por um lado a gigantescas
transferências de armas para a Ucrânia, para que os nacionalistas
integralistas ucranianos [2 <#nb2>], treinados pela OTAN, resistam a
Moscovo (Moscou-br) e, por outro lado, a uma guerra económica, também
ela sem precedentes, para destruir a economia russa. Tendo em conta a
amplitude desta guerra por interpostos Ucranianos, o confronto entre a
OTAN e a Rússia parece possível a qualquer instante.

Uma nova Guerra Mundial é, no entanto, altamente improvável, pelo menos
a curto prazo: no entanto, os actos contradizem já a narrativa da OTAN.

A guerra continua e prossegue sem parar. Não que os dois campos estejam
em paridade, mas porque a OTAN não quer enfrentar a Rússia. Vimos isso,
há três meses, durante a Cimeira (Cúpula-br) do G20, em Bali. Com o
acordo da Rússia, o Presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky, interveio
nos debates por vídeo, desde Kiev. Ele pediu a exclusão da Rússia do
G20, como acontecera com o G8 depois da adesão da Crimeia à Federação da
Rússia. Para sua grande surpresa e dos membros da OTAN presentes na
Cimeira, os Estados Unidos e o Reino Unido não o apoiaram [3 <#nb3>].
Washington e Londres acordaram que havia uma linha a não ultrapassar. E
por um bom motivo: as modernas armas russas são muito superiores às da
OTAN, cuja tecnologia data dos anos 90. Em caso de confronto, não há
qualquer dúvida que a Rússia certamente sofreria bastante, mas que ela
iria esmagar os Ocidentais em poucos dias.

É à luz deste acontecimento que devemos reler aquilo que se passa à
frente dos nossos olhos.

O afluxo de armas para a Ucrânia não passa de um engodo : a maioria dos
materiais enviados não chega ao campo de batalha. Já havíamos anunciado
que eles estariam a ser enviados para desencadear uma outra guerra no
Sahel [4 <#nb4>], o que o Presidente da Nigéria, Muhammadu Buhari,
publicamente confirmou, atestando que muitas armas destinadas à Ucrânia
estavam já em mãos dos jiadistas africanos [5 <#nb5>]. Além disso,
constituir um arsenal do género manta de retalhos, ao adicionar armas de
idades e calibres diferentes, não serve para nada. Ninguém tem logística
suficiente para abastecer os combatentes com munições múltiplas. Deve-se
concluir, portanto, que estas armas não são dadas à Ucrânia para que ela
vença.

O /New York Times/ deu o alerta explicando que os fabricantes ocidentais
da Defesa não conseguiam produzir armas e munições em quantidade
suficiente. Os stocks (estoques-br) estão já esgotados e os exércitos
ocidentais são forçados a dar o material que é indispensável à sua
própria defesa. Isso foi confirmado pelo Secretário da Marinha dos EUA,
Carlos Del Toro, que chamou a atenção face ao actual despojamento dos
exércitos americanos [6 <#nb6>]. Ele precisou que se o complexo
militar-industrial dos EUA não conseguisse, em seis meses, produzir mais
armas do que a Rússia, o exército dos EUA não mais seria capaz de
cumprir a sua missão.

    Primeira observação : mesmo que os políticos dos EUA queiram
    desencadear o Armagedom, eles não dispõem dos meios para o fazer nos
    próximos seis meses e não os terão provavelmente, de qualquer forma,
    no futuro próximo.

Avaliemos agora a guerra económica. Deixemos de lado a sua camuflagem
sob uma linguagem castigadora : as « sanções ». Já tratei desta questão
e sublinhei que não se tratava de decisões de um tribunal e que elas são
ilegais face ao Direito Internacional. Vejamos as moedas. O dólar
esmagou o rublo durante dois meses, depois ele voltou a descer para o
valor que tinha de 2015 a 2020, sem que a Rússia tenha assumido
empréstimos maciços. Por outras palavras, as pretensas « sanções »
tiveram apenas um efeito insignificante sobre a Rússia. Elas perturbaram
seriamente as suas trocas comerciais durante os dois primeiros meses,
mas já não a incomodam hoje. Além disso, elas não custaram nada aos
Estados Unidos e nada os afectaram.

Sabemos que, ao mesmo tempo que proíbem aos seus aliados importar
hidrocarbonetos russos, os Estados Unidos importam-nos via Índia e
reconstituem assim os stocks que haviam gasto durante os primeiros meses
do conflito [7 <#nb7>].

Pelo contrário, observamos um abalo na economia europeia que é forçada a
pedir emprestado maciçamente para apoiar o regime de Kiev. Não dispomos
nem de estatísticas sobre a extensão desses empréstimos, nem da
identificação dos credores. É, no entanto, claro que os governos
europeus fazem apelo a Washington no quadro da Lei de
empréstimo-arrendamento dos EUA (/Ukraine Democracy Defense Lend-Lease
Act of 2022/). Tudo o que os Europeus dão à Ucrânia tem um custo, mas
este só será contabilizado depois da guerra. Só nesse momento a factura
será apresentada. E ela será exorbitante. Até lá, tudo corre bem.

Impossible de lire la video

A sabotagem dos oleodutos /Nord Stream 1/ e /Nord Stream 2/ , em 26 de
Setembro de 2022, não foi reivindicada após o golpe, mas antes pelo
Presidente norte-americano, Joe Biden, em 7 de Fevereiro de 2022, na
Casa Branca, na presença do Chanceler alemão Olaf Scholz. É certo que
ele só se comprometeu a destruir o /Nord Stream 2 / em caso de invasão
russa da Ucrânia, mas isso apenas porque a jornalista que o interrogava
enquadou o assunto sem ousar imaginar que ele o poderia fazer também ao
/Nord Stream 1/. Por esta declaração e mais ainda por esta sabotagem,
Washington mostrou o desprezo em que tem o seu aliado alemão. Nada mudou
desde que o primeiro Secretário-Geral da OTAN, Lord Ismay, declarava que
o verdadeiro propósito da Aliança era o de « manter a União Soviética
fora, os Americanos dentro e os Alemães sob tutela » (« /keep the Soviet
Union out, the Americans in, and the Germans down/ ») [8 <#nb8>]. A
União Soviética desapareceu e a Alemanha assumiu a chefia da União
Europeia. Se ainda estivesse vivo, Lord Ismay provavelmente diria que o
objectivo da OTAN é manter a Rússia fora, os Americanos dentro e a União
Europeia sob tutela.

A Alemanha, para quem a sabotagem desses oleodutos é o golpe mais sério
desde o fim da Segunda Guerra Mundial, encaixou-o sem pestanejar.
Simultaneamente, ela engoliu o plano de Biden de salvação da economia
dos EUA às custas da indústria automobilística alemã. A tudo isso, ela
reagiu aproximando-se da China e evitando zangar-se com a Polónia, o
novo trunfo dos Estados Unidos na Europa. Agora, ela propõe-se
reconstruir a sua indústria desenvolvendo fábricas de munições para a
Aliança.

Como consequência, a aceitação pela Alemanha da suserania dos Estados
Unidos foi partilhada pela União Europeia que Berlim controla [9 <#nb9>]

.

    Segunda observação : os Alemães e os membros da União Europeia no
    seu conjunto tomaram nota de um declínio no seu nível de vida. Eles
    são, junto com os Ucranianos, as únicas vítimas da guerra actual e a
    ela se acomodam.

Em 1992, quando a Federação da Rússia acabava de nascer sobre as ruínas
da União Soviética, Dick Cheney, então Secretário da Defesa, encomendou
ao straussiano [10 <#nb10>] Paul Wolfowitz um relatório que só nos
chegou depois de amplamente manipulado. Os extractos do original, que a
propósito publicaram o /New York Times/ e o /Washington Post/, mostraram
que Washington já não considerava a Rússia como uma ameaça, mas a União
Europeia como uma potencial rival [11 <#nb11>][11]. Podia ler-se neles :
« Muito embora os Estados Unidos apoiem o projecto de integração
europeia, devemos tomar cuidado para prevenir a emergência de um sistema
de segurança puramente europeu que minaria a OTAN e, particularmente, a
sua estrutura de comando militar integrada » .
Por outras palavras, Washington aprova uma Defesa Europeia subordinada à
OTAN, mas está pronta a destruir a União Europeia se esta pensar
tornar-se uma potência política capaz de lhe fazer frente.

A actual estratégia dos Estados Unidos, que não enfraquece a Rússia, mas
a União Europeia com o pretexto de lutar contra a Rússia, é a segunda
aplicação concreta da Doutrina Wolfowitz. A sua primeira aplicação, em
2003, consistia em punir a França de Jacques Chirac e a Alemanha de
Gerhard Schröder que se haviam oposto a que a OTAN destruísse o
Iraque [12 <#nb12>].


Foi exactamente o que disse o Chefe do Estado-Maior Conjunto dos EUA, o
General Mark Milley, durante uma conferência (coletiva-br) de imprensa
após a reunião dos Aliados, em 20 de Janeiro, em Ramstein. Enquanto
exigia que cada participante doasse armas a Kiev, ele reconheceu que «
Este ano será muito, muito difícil expulsar militarmente as Forças
Russas de cada centímetro quadrado da Ucrânia ocupada pela Rússia » ( «
/This year, it would be very, very difficult to militarily eject the
Russian forces from every inch of Russian-occupied Ukraine/ » ). Por
outras palavras, os Aliados devem sangrar-se, mas não há nenhuma
esperança de ganhar, seja o que for, em 2023 à Rússia.

    Terceira observação : esta guerra não é feita contra Moscovo, mas
    para enfraquecer a União Europeia.

Em
VOLTAIRE.NET.ORG
https://www.voltairenet.org/article218709.html
24/1/2023

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