quarta-feira, 11 de janeiro de 2023

Porque a CIA tentou um "golpe Maidan" no Brasil

 
  Porque a CIA tentou um "golpe Maidan" no Brasil


    – O golpe falhado no Brasil é o último feito da CIA, no momento em
    que o país forja laços mais fortes com o oriente


    Pepe Escobar [*]
O Maidan brasileiro.

Um antigo responsável de inteligência norte-americano confirmou que a
caótica reencenação do Maidan em Brasília a 8 de Janeiro foi uma
operação da CIA e ligou-a às recentes tentativas de revolução colorida
no Irão.

No domingo, alegados apoiantes do ex-presidente de direita Jair
Bolsonaro invadiram o Congresso, o Supremo Tribunal e o palácio
presidencial do Brasil, contornando barricadas de segurança frágeis,
subindo em telhados, partindo vidraças, destruindo propriedade pública,
incluindo pinturas preciosas, ao mesmo tempo que apelavam a um golpe
militar como parte de um esquema de mudança de regime visando o
Presidente eleito Luís Inácio "Lula" da Silva.

De acordo com a fonte estado-unidense, a razão para encenar agora a
operação – a qual apresentou sinais visíveis de planeamento às pressas –
é que o Brasil está pronto para se reafirmar na geopolítica global ao
lado dos demais estados BRICS, Rússia, Índia e China.

Isto sugere que os planeadores da CIA são ávidos leitores do estratega
do Credit Suisse, Zoltan Pozsar, anteriormente do Fed de Nova York. No
seu relatório pioneiro de 27 de Dezembro, intitulado /War and Commodity
Encumbrance/
<https://drive.google.com/u/0/uc?id=1nWk-PqwkWzjCBn0saDqvR42j-HoKcb8k&export=download>, Pozsar afirma que "a ordem mundial multipolar está a ser construída não pelos chefes de Estado do G7, mas pelos 'G7 do Leste' (os chefes de Estado dos BRICS), o qual é realmente um G5 mas, devido à “BRICSpansão”, tomei a liberdade de arredondar para cima".

Ele se refere aqui a relatos de que a Argélia, a Argentina, o Irão já
solicitaram a adesão aos BRICS – ou melhor, à sua versão expandida
"BRICS+" – além do interesse manifestado pela Arábia Saudita, Turquia,
Egito, Afeganistão e Indonésia.

A fonte estado-unidense traçou um paralelo entre a Maidan da CIA no
Brasil e uma série de recentes manifestações de rua no Irão
instrumentalizadas pela agência como parte de um novo impulso de
revolução colorida: "Estas operações da CIA no Brasil e no Irão são
paralelas à operação na Venezuela em 2002, que foi muito bem sucedida no
início, uma vez que os desordeiros conseguiram apoderar-se de Hugo Chavez".

*Entra o "G7 do Oriente"*

Os neocons straussianos <https://pt.wikipedia.org/wiki/Leo_Strauss>
colocados no topo da CIA, independentemente da sua filiação política,
estão furiosos [com a possibilidade] de que o "G7 do Oriente" – tal como
na configuração BRICS+ do futuro próximo – estejam a afastar-se
rapidamente da órbita do dólar americano.

O straussiano John Bolton – que acaba de publicitar o seu interesse em
concorrer à presidência dos EUA – está agora a exigir a expulsão da
Turquia da NATO quando o Sul Global se realinha rapidamente no seio de
novas instituições multipolares.

O ministro russo dos Negócios Estrangeiros, Sergey Lavrov, e o seu novo
homólogo chinês, Qin Gang, acabam de anunciar a fusão do projeto
Cinturão e Estrada (Belt and Road Initiative, BRI) conduzido pela China
com o da União Económica da Eurásia (EAEU) conduzido pela Rússia. Isto
significa que o maior projeto de comércio/conectividade/desenvolvimento
do século XXI – as Novas Estradas da Seda chinesas – é agora ainda mais
complexo e continua a expandir-se.

Isto prepara o terreno para a introdução, já em fase de concepção a
vários níveis, de uma nova divisa de comércio internacional destinada a
substituir o dólar americano. Além de um debate interno entre os BRICS,
um dos principais vetores é a equipa de discussão criada entre a EAEU e
a China. Quando concluídas, estas deliberações serão apresentadas aos
países parceiros do BRI-EAEU e, claro, aos BRICS+ ampliados.

Lula ao leme no Brasil, no que é agora o seu terceiro mandato
presidencial não sucessivo, dará um tremendo impulso ao BRICS+. Nos anos
2000, lado a lado com o Presidente russo Putin e o antigo Presidente
chinês Hu Jintao, Lula foi um conceptualizador chave de um papel mais
profundo para os BRICS, incluindo o comércio nas suas próprias divisas.

Os BRICS como "o novo G7 do Oriente", tal como definido por Pozsar, está
para além do anátema – tanto para os neocons straussianos como para os
neoliberais.

Os EUA estão a ser lenta mas seguramente expulsos da Eurásia mais vasta
por ações concertadas da parceria estratégica Rússia-China.

A Ucrânia é um buraco negro – onde a NATO enfrenta uma humilhação que
fará o Afeganistão parecer-se com Alice no País das Maravilhas. Uma UE
fraca a ser forçada por Washington a desindustrializar e a comprar gás
natural liquefeito (GNL) norte-americano a um custo absurdamente elevado
não tem recursos essenciais para o Império pilhar.

Geoeconomicamente isso deixa o "Hemisfério Ocidental" dominado pelos
EUA, especialmente a imensa Venezuela rica em energia, como alvo
principal. E geopoliticamente o ator regional chave é o Brasil.

O jogo neo-conservador straussiano é fazer tudo para impedir a expansão
comercial russo-chinesa e a sua influência política na América Latina,
que Washington – independentemente do direito internacional e do
conceito de soberania – continua a chamar "o nosso quintal". Em tempos
em que o neoliberalismo é tão "inclusivo" que até os sionistas usam
suásticas, a Doutrina Monroe está de volta, com esteroides.

*Tudo sobre a "estratégia de tensão"*

Pistas para Maidan no Brasil podem ser obtidas, por exemplo, no Comando
Cibernético do Exército dos EUA, em Fort Gordon, onde não é segredo que
a CIA distribuiu centenas de ativos pelo Brasil antes das recentes
eleições presidenciais – fiel ao manual da "estratégia de tensão".

As conversas da CIA eram interceptadas em Fort Gordon desde meados de
2022. O tema principal era então a imposição da narrativa generalizada
de que "Lula só podia vencer fazendo trapaça".

Um alvo chave da operação da CIA era desacreditar por todos os meios o
processo eleitoral brasileiro, abrindo caminho para uma narrativa
pré-empacotada que agora está a desdobrar-se: um Bolsonaro derrotado a
fugir do Brasil e a procurar refúgio na mansão Mar-a-Lago do antigo
presidente dos EUA, Donald Trump. Bolsonaro, aconselhado por Steve
Bannon, fugiu do Brasil, saltando a posse de Lula, mas porque está
aterrorizado, pode estar a enfrentar a pancada mais cedo do que tarde. E
a propósito, ele está em Orlando, não em Mar-a-Lago.

A cereja no topo do bolo do Maidan requentado foi o que aconteceu neste
domingo passado: fabricar um 8 de Janeiro em Brasília a espelhar os
acontecimentos de 6 de Janeiro de 2021 em Washington e, claro, imprimir
a ligação Bolsonaro-Trump na mente das pessoas.

A natureza amadorística do 8 de Janeiro em Brasília sugere que os
planeadores da CIA perderam-se na sua própria trama. Toda a farsa teve
de ser antecipada devido ao relatório de Pozsar, a qual todos os que
importam leram ao longo do eixo New York-Beltway.

O que está claro é que para algumas facções do poderoso establishment
norte-americano, livrar-se de Trump a todo o custo é ainda mais crucial
do que estropiar o papel do Brasil no BRICS+.

Quando se trata dos factores internos de Maidan no Brasil, tomando
emprestado ao romancista Gabriel Garcia Marquez, tudo caminha e soa como
a /Crónica de um golpe anunciado./ É impossível que o aparelho de
segurança em torno de Lula não pudesse ter previsto estes
acontecimentos, especialmente tendo em conta o tsunami de sinais nas
redes sociais.

Assim, deve ter havido um esforço concertado para atuar com suavidade –
sem grandes cautelas – enquanto se limitava a emitir a habitual
tagarelice neoliberal.

Afinal de contas, o gabinete de Lula é uma confusão, com ministros
constantemente em confronto e alguns membros apoiantes do Bolsonaro
mesmo há poucos meses atrás. Lula chama a isso um "governo de unidade
nacional", mas é mais como uma colcha de retalhos de mau gosto.

O analista brasileiro Quantum Bird, um físico académico globalmente
respeitado que regressou a casa após uma longa estadia em terras da
NATO, observa como há "demasiados atores em jogo e demasiados interesses
antagónicos". Entre os ministros de Lula, encontramos bolsonaristas,
neoliberais-rentistas, convertidos ao intervencionismo climático,
praticantes de política identitárias e uma vasta fauna de neófitos
políticos e alpinistas sociais, todos bem alinhados com os interesses
imperiais de Washington".

*“Militantes" da CIA a rondar*

Um cenário plausível é que sectores poderosos das forças armadas
brasileiras – ao serviço dos habituais grupos de pensamento
neo-conservadores straussianos, mais o capital financeiro global – não
poderiam realmente conseguir um verdadeiro golpe, considerando a
rejeição popular maciça, e tiveram de se contentar, na melhor das
hipóteses, com uma farsa "suave". Isto ilustra bem o quanto esta facção
militar auto-grandecedora e altamente corrupta está isolada da sociedade
brasileira.

O que é profundamente preocupante, como observa Quantum Bird, é que a
unanimidade na condenação do 8 de Janeiro vinda de todos os quadrantes,
embora ninguém tenha assumido a responsabilidade, "mostra como Lula
navega virtualmente sozinho num mar raso infestado de corais afiados e
tubarões esfomeados".

A posição de Lula, acrescenta ele, "decretando uma intervenção federal
sozinho, sem rostos fortes do seu próprio governo ou autoridades
relevantes, mostra uma reação improvisada, desorganizada e amadora".

E tudo isto, mais uma vez, depois de os "militantes" da CIA terem
organizado os "protestos" abertamente nas redes sociais durante dias.

O mesmo velho manual da CIA continua, no entanto, a funcionar. Ainda
confunde a mente como é fácil subverter o Brasil, um dos líderes
naturais do Sul Global. Tentativas de golpes de Estado da velha escola,
com roteiros de mudança de regime/revolução colorida, continuarão a ser
ensaiados – lembrem-se do Cazaquistão no início de 2021 e do Irão há
apenas uns poucos meses.

Por muito que a facção auto-engrandecida dos militares brasileiros possa
acreditar que controla a nação, se as massas significativas de Lula
chegarem às ruas com toda a força contra a farsa de 8 de Janeiro, a
impotência do exército ficará assinalada de modo evidente. E uma vez que
se trata de uma operação da CIA, os manipuladores ordenarão aos seus
vassalos militares tropicais que se comportem como avestruzes.

O futuro, infelizmente, é agourento. O establishment dos EUA não
permitirá que o Brasil, a economia BRICS com o melhor potencial a seguir
à China, esteja de volta aos negócios com toda a força e em sincronia
com a parceria estratégica Rússia-China.

Os neocons e neoliberais straussianos, chacais e hienas geopolíticos
certificados, ficarão ainda mais ferozes à medida que o "G7 do Oriente",
Brasil incluído, se mover para acabar com a suserania do dólar americano
enquanto desaparece o controle imperial do mundo.


        10/Janeiro/2023


    [*] Jornalista.


    O original encontra-se em thecradle.co/Article/Columns/20209
    <https://thecradle.co/Article/Columns/20209>.
Em
RESISTIR.INFO
https://www.resistir.info/p_escobar/maidan_br_10jan23.html
10/1/2023

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