quarta-feira, 18 de novembro de 2015

Acordo nuclear: rendição do Irã e a reação russa na Síria


Ramez Philippe Maalouf


Em 14 de julho de 2015, Irã e EUA assinaram um acordo nuclear
na capital austríaca Viena. Os cinco demais participantes do
acordo, China, França, Reino Unido, Alemanha e União Europeia
(UE) eram apenas meros espectadores. Há quem diga que as
negociações entre ianques e iranianos tiveram começo em 2013,
por intermédio do sultanato de Omã, uma petromonarquia árabe
conservadora, porém, de maioria muçulmana ibadita, um ramo
minoritário do islã. Muito provavelmente, a questão nuclear
foi tratada, exclusivamente, a partir daquela data. O acordo
envolve, porém, questões que vão além meramente do programa
nuclear e, neste aspecto, a República Islâmica do Irã e os EUA
jamais cessaram o diálogo mesmo após a declaração de
independência do país persa com a Revolução de 1979,
deslanchada por forças esquerdistas (comunistas e
islamo-marxistas), mas que se converteu em islâmica,
conservadora e sectária em decorrência da feroz repressão
empreendida após a ascensão ao poder do aiatolá Ruhhollah
Khomeini.



Há fortes indícios de que o aiatolá Khomeini tenha sido levado
ao Irã, em 1979, com aprovação no mínimo tácita dos EUA, para
esmagar a esquerda iraniana e promover a guerra contra o
Iraque, a fim de derrubar o governo ba’athista iraquiano. É
preciso lembrar que, durante todo o mandato presidencial de
Richard Nixon (1968-74), o Irã, sob o regime do xá Reza
Pahlevi, foi armado pelos EUA, de modo que se converteu na
maior potência militar do Oriente Médio (OM) e uma das maiores
potências militares do mundo com o objetivo de neutralizar a
influência regional do governo socialista e pró-soviético do
Ba’ath iraquiano, liderado por Saddam Hussein, no momento em
que a Inglaterra se retirava do Golfo Árabe-Pérsico.



Para complementar o “superarmamento” do Irã no projeto de
desestabilização/neutralização do Iraque, Nixon autorizou a
continuidade da guerra dos curdos soranis iraquianos contra a
autoridade de Bagdá, iniciada em 1961, quando os
latifundiários soranis pegaram em armas contra a reforma
agrária empreendida pelo líder revolucionário, o coronel Abdul
Karim Kassem. Irã e Israel, com o auxílio extra da Inglaterra
(a partir de 1972), forneceram armas, dinheiro e treinamento
aos soranis contra o governo de Bagdá, com o beneplácito dos
EUA.



Relações perigosas



Quando o xá do Irã assinou um acordo de paz com o Iraque, em
1975, sem consultar os EUA, enfureceu o governo Gerald Ford,
que passou a ver o regime do xá como “aliado não confiável”, o
equivalente a um decreto de “sentença de morte” política. O
Irã havia assinado um acordo com o maior inimigo dos EUA no
Golfo Árabe-Pérsico poucos anos após a retirada militar
britânica da região e no momento em que o Afeganistão promovia
sua revolução socialista. Portanto, o xá iraniano não poderia
continuar no poder.



Durante a Guerra Irã-Iraque (1980-88), Khomeini rejeitou sete
propostas de cessar-fogo feitas por Saddam Hussein, que estava
reconhecendo implicitamente a sua derrota. O líder iraniano
xiita exigia a queda do governo do Ba’ath como pré-condição
para a paz, não escondendo o desejo de impor uma república
islâmica, aos moldes do Irã, no Iraque, mesmo sabendo que
grande parte da população iraquiana, laicizada e secularizada,
não era xiita e muito menos religiosa praticante. Isto levou o
Iraque a uma radicalização, que incluiu até mesmo uma tensa e
breve aproximação com os EUA, apesar de ter informações que o
governo de Ronald Reagan vendia armas para o Irã, seja
diretamente ou por intermédio da Argentina e de Israel.



Paradoxalmente, apesar da retórica antiamericana da república
islâmica e da retórica anti-iraniana do governo Reagan, Irã e
EUA continuavam a ter bons contatos, geralmente mediados por
Israel, arqui-inimigo declarado do Iraque. Esta relação
triangular foi revelada para o grande público – embora a
imprensa ocidental já a denunciasse timidamente desde o início
da guerra Irã-Iraque –, com o “Escândalo Irã-Contras”
(1986-87), que quase derrubou Ronald Reagan da presidência.
Foi o então presidente sírio Hafez al-Assad, quando entrou em
choque com a milícia libanesa pró-iraniana Hizbollah na Guerra
do Líbano (1975-90), quem autorizou um jornal libanês
nacionalista árabe e pró-Síria a denunciar o esquema
triangular de venda de armas dos EUA ao Irã. Naquele momento,
Hafez se aproximou de Saddam Hussein e quase cortou relações
com o Irã.



Foi neste período de aliança não declarada e não escrita entre
iranianos e ianques, na guerra contra o Iraque, que surgiu um
grupo de ex-diplomatas iranianos na ONU, chamado “círculo de
Nova Iorque”, que inclui até hoje o atual presidente Hassan
Rouhani, seu irmão, Hussein Fereydoun, o embaixador Mohammad
Jafad Zarif, além do ex-embaixador iraniano na França Sadegh
Kharrazi e do ex-chanceler Kamal Kharrazi, que serviam de
intermediários entre o governo de Teerã e Washington D.C. no
comércio de armas.



Porteira aberta



Com o fim da URSS (União Soviética) e a “neutralização” do
Iraque em 1991, cessaram de existir as barreiras geopolíticas
para os EUA reaverem a suserania sobre o Irã, perdida em 1979.
Sem a presença dissuasória soviética em suas fronteiras e sob
pesadas sanções econômicas impostas pelo Ocidente, o regime
dos aiatolás moderou o tom de sua retórica antiamericana para
evitar um choque frontal com Washington D.C., embora
mantivesse a oposição aos Acordos de Oslo (1993), nos quais a
Organização para a Libertação da Palestina (OLP) legitimava
oficialmente a invasão e a ocupação militar israelense dos
territórios palestinos da Cisjordânia e da Faixa de Gaza. Como
demonstração desta oposição, o Irã passou a armar e financiar,
por intermédio da Síria, o grupo de resistência islâmica
palestina Hamas, embora este defendesse um sectarismo
religioso sunita.



Nada disto impediu, no entanto, que o Irã armasse o
Azerbaijão, uma ex-república soviética de maioria xiita,
aliada de Israel e dos EUA, na guerra contra a ex-república
soviética da Armênia, que mantinha aliança com Moscou e
distanciamento do Ocidente, entre 1988 e 1991. Armênios e
azeris, embora em guerra nas suas respectivas pátrias, são
duas grandes comunidades que convivem e coexistem dentro do
Irã há séculos, como é o caso do atual Líder Supremo do Irã, o
azeri Ali Khamenei. O apoio iraniano ao governo pró-israelense
do Azerbaijão na guerra contra a Armênia, visando uma
acomodação com o Ocidente, foi uma manobra de alto risco que
poderia ter gerado uma guerra civil dentro do Irã.



Ainda como forma de negociar sua soberania e sobrevivência com
os EUA, o Irã enviou sua Guarda Revolucionária, em apoio ao
Ocidente na guerra contra a Iugoslávia, para lutar ao lado dos
sectários e ultradireitistas bósnios-herzegovinos contra os
sérvios. Estes últimos queriam manter a integridade
territorial e étnico-confessional da Iugoslávia, entre 1991 e
2006.



Reorganização pós-2001



Por fim, em outubro de 2001, o regime islâmico iraniano
invadiu o Afeganistão, ao lado dos EUA, na guerra contra o
regime extremista dos talibãs (termo em árabe que significa
“estudantes”, numa referência aos estudantes do Corão, livro
sagrado do Islã), acusado, pelo governo ditatorial de George
W. Bush, de dar abrigo ao grupo terrorista al-Qaeda.



Este último teve origem entre os remanescentes dos diversos
grupos terroristas criados pelos EUA, formados por extremistas
ditos “islâmicos” na guerra promovida contra os governos
revolucionários pró-soviéticos do Afeganistão nos anos 1970 e
a intervenção soviética para defender os seus aliados afegãos.
Grande parte dos integrantes do governo talibã é de origem
pashtun, um povo de origem iraniana que vive numa área que
compreende vastas porções dos territórios paquistanês e
afegão.



Estas atitudes conciliatórias do Irã com os EUA, visando sua
sobrevivência, ao longo da década de 1990, que se refletiram
inclusive nas eleições de dois presidentes abertamente
pró-Ocidentais Hashemi Ali Rafsanjani (1989-1997) e de
Mohammad Ali Khamenei (1997-2005), contrastava com a firme e
resoluta resistência do Iraque, sob o governo de Saddam
Hussein, em não ceder diante do embargo imposto pela ONU em
1991, sob o jugo dos EUA.



Este embargo causou o extermínio de mais de 500 mil crianças
iraquianas, além dos outros 500 mil iraquianos mortos
decorrentes do bloqueio que incluía alimentos e remédios.
Mesmo sendo sabotado internamente pelos clientes do Irã em
território iraquiano, incluindo a ultradireita liberal curda
sorani, Saddam Hussein se recusou a se aliar a Israel e aos
EUA contra o Irã, a Síria, o Hamas e o Hizbollah.



Certamente, esta firme atitude de resistência contribuiu
decisivamente para que o presidente sírio Hafez al-Assad
voltasse a se aproximar do Iraque, quando Turquia e Israel
estavam unindo esforços para um ataque em conjunto contra a
Síria, em meados de 1997. A aproximação se intensificou e, no
final dos anos 1990, a Síria já havia levantado
unilateralmente bloqueio contra o Iraque, furando o embargo
imposto pelos EUA, via ONU.



Certamente, esta aproximação sírio-iraquiana acionou os
alarmes nos EUA e deve ter contribuído muito para os planos de
destruição definitiva do Iraque e da Síria elaborado pelos
neoconservadores ianque-israelo-sionistas, ainda sob o governo
de “Bill” Clinton. O tímido ataque ianque, para os padrões
neoconservadores-sionistas, ao Iraque, em 1998, decretou a
“sentença de morte” para o governo Clinton.



George W. Bush foi nomeado presidente pela Suprema Corte dos
EUA, num golpe de Estado em dezembro de 2000, com a missão de
destruir definitivamente o Iraque, a Síria, o Irã e até mesmo
a Coreia do Norte. Os atentados terroristas de 11 de setembro
de 2001 nos EUA forneceram o álibi necessário para impor uma
ditadura de facto sobre o território ianque e também para
instalar uma cunha na Ásia Central, no Afeganistão, de maneira
a permitir às forças armadas ianques um raio de ação sobre
todo o continente asiático.



Rendendo o Irã



Com tal controle sobre esta região estratégica, os EUA visavam
impedir qualquer forma de integração do espaço asiático,
desconectando geograficamente Irã, Índia, China e Rússia. A
invasão do Afeganistão pela coalizão formada pelos EUA, OTAN e
Irã, no final de 2001, foi complementada pela segunda grande
invasão anglo-americana do Iraque em 20 de março de 2003, que
causou o extermínio de mais de 1,5 milhão de iraquianos.



A aparente facilidade com que os EUA derrubaram o governo
iraquiano, enfraquecido por longos doze anos de bloqueio de
armas, alimentos e remédios, provocou desespero ao governo
iraniano. Segundo o historiador iraniano Trita Parsi (2007), o
regime dos aiatolás ofereceu uma oferta irrecusável, por
intermédio do “círculo de Nova Iorque”, ao governo dos EUA,
logo após W. Bush declarar “missão cumprida” a bordo do USS
Abraham Lincoln, em 1º de maio de 2003.



Nesta oferta, com o pleno conhecimento e consentimento do
Líder Supremo Ali Khamenei, os iranianos, temendo serem os
próximos alvos da ofensiva ianque depois do ataque ao Iraque,
resolveram colocar na mesa de negociações todos os
contenciosos entre os dois países.



A saber, os pontos de negociação eram: a ocupação israelense
da Palestina, o apoio financeiro e militar ao Hizbollah
(libanês), Hamas (palestino) e Jihad Islâmica (palestino), a
colaboração à ocupação ianque do Iraque e até mesmo o programa
nuclear iraniano. No que se refere ao Hizbollah, quase o
“braço direito” do Irã no mundo árabe, o regime ofereceu aos
EUA o desarmamento da milícia e pressão para o fim das ações
militares contra Israel.



Quanto ao Hamas e Jihad Islâmica, o Irã prometeu acabar com
todo o apoio a estes grupos, assim como pressioná-los para
cessarem as ações militares contra Israel. O regime dos
aiatolás, para grande surpresa até mesmo de muitos membros do
governo iraniano, prometeu reconhecer o Estado de Israel nos
termos definidos pela proposta de paz feita, por iniciativa
saudita, na cúpula da Liga Árabe em Beirute, em 2002.



Outra questão muito sensível ofertada pelo Irã para negociação
era o seu programa nuclear, que seria aberto a inspeções
internacionais intrusivas, além da assinatura do Protocolo
Adicional do Tratado de Não Proliferação de Armas Nucleares
(TNP), abrindo ao extensivo envolvimento ianque no programa.



Sobre o Iraque, naquele momento martelado pelas bombas
ianques, os iranianos se comprometeriam a apoiar os EUA na
“estabilização política” (sic), no estabelecimento de
“instituições democráticas” (sic) e de um governo não
religioso (como Khomeini sempre sonhara). O historiador Parsi
afirma que W. Bush ficou embriagado pela aparente vitória
fácil sobre o Iraque e que, por isto, ele teria rejeitado a
“oferta irrecusável” iraniana. No entanto, os acontecimentos
posteriores que culminaram na assinatura do atual acordo
nuclear de 2015 nos sugerem um entendimento oposto ao do
acadêmico iraniano.



Os EUA impuseram verdadeiramente um governo não-religioso,
embora sectário, além de instituições liberais no Iraque com o
apoio do Irã. A cooperação iraniana com a invasão e ocupação
militar anglo-americana do Iraque também impediu a formação de
uma resistência nacional iraquiana unificada. Pressionando as
milícias iraquianas clientes, de caráter confessional
sectário, a república islâmica não autorizou que elas
atacassem abertamente as forças de ocupação, o que causou uma
profunda cisão na resistência. Isto ocorrera no momento em que
as tropas anglo-americanas se encontravam na defensiva,
encurraladas pela resistência iraquiana entre os anos de 2006
e 2007, quando a média de soldados invasores mortos alcançou a
cifra de 100 por mês.



Por este motivo, o feroz contra-ataque da resistência
iraquiana, entre 2006 e 2007, não apenas foi contido, mas,
também, neutralizado na medida em que um governo fantoche,
formado exclusivamente por estrangeiros, se consolidava,
fazendo com que o sectarismo religioso se disseminasse por
todo o tecido social e político de uma maneira até então
desconhecida no país mesopotâmico. Para aprofundar este
sectarismo, as forças de ocupação fomentaram uma guerra civil
entre “xiitas” e “sunitas”. Estão aí as raízes do surgimento
do esquadrão da morte chamado “Estado Islâmico do Iraque e do
Levante” (sic) celebrado pelas respectivas siglas em árabe,
inglês e português DAESH/ISIS/ISIL/EIIL/EIIS.



A cooperação iraniana na ocupação anglo-americana do Iraque,
dividindo a resistência, foi uma estratégia totalmente oposta
àquela empregada na Guerra do Líbano (1975-90). Neste
conflito, o Irã apoiou o Hizbollah, numa guerra civil
intra-xiita, contra a milícia Amal, apoiada pela Síria, para
salvar os palestinos e a população sul libanesa e expulsar as
tropas invasoras israelenses. Ao fazer isto, o Irã não fez
qualquer objeção ao Hizbollah se aliar à OLP, armada e
financiada, sobretudo, pelo governo ba’athista iraquiano de
Saddam Hussein, o ultranacionalista laico Partido Social
Nacionalista Sírio (PSNS), a mais antiga força de resistência
antissionista, e até mesmo com seus antigos inimigos, os
comunistas.



O inimigo era a ocupação israelense, encerrada após ser
expulsa do Líbano em maio de 2000. Quando a Intifada (levante)
eclodiu nos territórios palestinos ocupados pelos israelenses,
no final de 1987, o Irã enviou armas e dinheiro para as
resistências armadas palestinas confessionais e sectárias
sunitas como o Hamas e a Jihad Islâmica. Esta cooperação fez
do Irã uma força progressista no Levante, o que não ocorrera
na invasão do Iraque em 2003.



Embora esta mudança de postura do Irã fosse decorrência da
tentativa de acomodação das elites iranianas com os EUA, não
podemos descartar a existência de ameaças de ataques militares
(inclusive nucleares) ianques à república islâmica, veladas ou
explícitas. A partir da década de 1990, os EUA, juntamente com
Israel, passaram a acusar o programa nuclear iraniano de não
ser pacífico. Esta acusação era uma forma de se criar na
opinião pública ocidental, sobretudo, ianque, a ideia de que o
Irã não apenas queria fabricar armas nucleares, mas também
usá-las, sobretudo contra Israel e os EUA.



Isto daria legitimidade a um ataque ianque, até mesmo
preventivo e nuclear contra o Irã. Estas ameaças visam
pressionar a república islâmica para se obter um mínimo de
cooperação. Isto explica a recusa iraniana num envolvimento
direto para impedir e repelir os ataques israelenses contra o
Líbano em 2006, rechaçado pela resistência árabe, e contra a
Faixa de Gaza, a partir de 2006 até o presente momento.



Peças importantes da nova multipolaridade



Um mínimo de cooperação iraniana é necessária, pois os
ressurgimentos da Rússia e da China como outras duas grandes
potências no espaço eurasiático, no final da década de 1990,
constituem-se nos maiores desafios estratégicos aos EUA desde
o fim da URSS. Assim sendo, na Eurásia, o Irã é um país chave
tanto para os EUA quanto para Rússia e China, pois é acesso
para o Crescente Fértil, a Ásia Central, a Índia, o Cáucaso e
a Anatólia. Por ter se recusado a ser um vassalo dos EUA até o
presente momento, embora agisse como um aliado de facto, como
visto anteriormente, em vários momentos, a república islâmica
tem estabelecido alianças com Rússia e China, contrariando os
interesses ianques.



A nova abordagem estratégica de Barack Obama colocou o Irã
novamente como peça-chave na região, pois com a conquista
ianque do Iraque, todo o Crescente Fértil, a área core do OM,
ficou sob controle dos EUA, à exceção da Síria, que é aliada
do regime dos aiatolás e do Hizbollah e serve de base naval
para a Rússia.



Estabelecer um acordo com o Irã, baixo ameaças de ataques
israelense ao país persa, certamente foi uma importante
estratégia para isolar ainda mais a Síria e, por tabela, a
Rússia na região.



A invasão da Síria, patrocinada pelos EUA, a partir de 2011,
por esquadrões da morte/grupos de extermínio jihadistas,
seguindo os moldes das “guerras civis” (sic) na América
Central e no Afeganistão, entre as décadas de 1970 e 1980, tem
o propósito destruir este último baluarte do nacionalismo
árabe, enfraquecer Rússia e China, assim como forçar o Irã a
negociar e ceder permanentemente. Isto acabou ocorrendo em
2013, mesmo com a Rússia impedindo uma invasão ianque direta
da Síria, que quase eclodiu uma III Guerra Mundial.



No entanto, o veto russo foi neutralizado pelo ataque ianque à
Ucrânia, que provocou a dissolução de facto do Estado
ucraniano em 2014, na fronteira com a Rússia. Como tímida
resposta, os russos promoveram a unificação com a Criméia, a
pedido da população local. Isto colocou de novo a Síria sob
intensa pressão dos EUA, culminando na ofensiva do ISIS, que
ocupou quase a metade do seu território, além de um terço do
território iraquiano, cortando a ligação terrestre entre Irã e
Síria, em julho de 2014. Estes acontecimentos demonstraram as
limitações dos poderes russo e chinês e deixaram claro, mais
uma vez, que eles não tinham condições de garantir a segurança
do Irã em caso de ataque ianque.



As negociações foram iniciadas em 2013 e entabuladas pelo
secretário de Estado ianque John Kerry e o grupo de diplomatas
iranianos radicados no Ocidente, o “círculo de Nova Iorque”.
As negociações finalizaram com a assinatura do Acordo em julho
deste ano, classificado por muitos analistas, tais como Tony
Cartalucci (2015) e Akbar E. Torbat (2015), como uma rendição
do Irã. As cláusulas do Acordo tornam praticamente o programa
nuclear iraniano inútil.



Os termos da rendição



O acordo exige o desmantelamento da principal instalação de
enriquecimento em Fordow, eliminando cerca de 98% dos estoques
de urânio enriquecido, proibindo o enriquecimento acima de
3,75%. Também deve ser destruído o reator de água pesada de
Arak. Somente a usina de Natanz terá autorização para
continuar funcionando com 6 mil centrífugas velhas. Os EUA
também obrigaram o Irã a aceitar as inspeções da Agência de
Energia Nuclear da ONU (AIEA) em todas as usinas do programa
nuclear. Assim sendo, a AIEA terá acesso a todas as fases do
programa nuclear e até mesmo às instalações militares para
monitorar possíveis “desvios” para fins militares das
atividades nucleares iranianas.



Desta forma, o Irã deve permitir a AIEA entrevistar cientistas
e militares, sem quaisquer obstáculos. A destruição das
instalações nucleares iranianas deve ser verificada e
confirmada por uma junta de governantes e deverá ser reportada
ao Conselho de Segurança da ONU (CSONU) por um diretor-geral
da Agência.



As sanções impostas pela ONU contra as capacidades militares
do Irã continuarão a existir. No entanto, o professor Akbar E.
Torbat afirma que as restrições impostas pelo Acordo vão além
do programa nuclear. O Irã não poderá fabricar e nem testar
mísseis balísticos por oito anos e nem exportar armas por
cinco anos. E muito menos os iranianos poderão fabricar e
vender mísseis capazes de carregar armas nucleares. São tantas
restrições que impossibilitam, de facto, o Irã até de enviar
satélites para o espaço. Caso a república islâmica não cumpra
o Acordo, bastará que apenas um único membro das Seis
Potências proteste para que as sanções voltem a ser aplicadas
sem qualquer possibilidade de veto no CSONU.



O Acordo é visivelmente hostil ao Irã, criando severas
restrições à capacidade de defesa do país. Mais ainda, ele
abre a possibilidade muito real de os inimigos do Irã terem
acesso aos segredos militares do país, assim como identificar
suas estruturas estratégicas. Pois como é sabido, Iraque e
Líbia também foram submetidos às inspeções bastante intrusivas
da mesma Agência e logo depois foram varridos do mapa pelos
EUA e seus vassalos europeus.



Apesar da oposição da Guarda Revolucionária Iraniana (GRI), o
líder Ali Khamenei e o presidente Hassan Rouhani deram amplo
apoio ao Acordo, assim como estão pressionando para que seja
aprovado pelo parlamento. A GRI é um importante setor da
burguesia iraniana, seu corpo de oficiais é proprietário de
fábricas, terras e de outros estabelecimentos comerciais e
financeiros.



Porém, há outros setores da burguesia iraniana favoráveis ao
Acordo, como é o caso da tradicional alta burguesia urbana de
Teerã, liberal, laica, visceralmente antiárabe, pró-Ocidente,
que tinha profundos laços com o regime do xá, mas que se
acomodou com o regime dos aiatolás. A estes se somam a elite
clerical, que também faz parte da alta burguesia iraniana. Há
uma forte tendência para o regime, por meio do parlamento, de
aprovar este Acordo, que representa uma capitulação que pode
comprometer a futura existência do país.



Não podemos esquecer que, como contrapartida ao Acordo, há a
promessa ianque de descongelar mais US$ 100 bilhões de fundos
iranianos “sequestrados” pelo Ocidente desde a Revolução de
1979. Este dinheiro, que representa um quinto do Produto
Interno Bruto iraniano, é necessário para o país sair da crise
econômica, também resultante das sanções impostas pelo
Ocidente.



O descongelamento dos fundos iranianos pelo Ocidente e o pleno
retorno do Irã ao mercado energético são os “cantos de sereia”
dos EUA para seduzir iranianos, assim como obter aceitação
pelos russos e chineses, ao acordo de capitulação. Os russos,
que sofrem pesadas sanções econômicas do Ocidente, por terem
se unificado com a Crimeia, após o golpe de Estado
nazista-liberal na Ucrânia em fevereiro de 2014, estão ávidos
para entrarem no mercado iraniano, com seus expressivos 70
milhões de habitantes, assim como os chineses, cujo
crescimento econômico, mais tímido do que em épocas passadas,
ainda demanda gás e petróleo em grandes quantias.



Conclusão



Os EUA são, no entanto, os grandes vencedores deste acordo. As
vantagens são ao mesmo tempo econômicas e geoestratégicas. O
retorno do gás iraniano ao mercado internacional é importante
para substituir o de origem russa, especialmente no mercado
europeu, e, quem sabe, provocar uma rivalidade entre russos e
iranianos, estremecendo as relações entre ambos. Além disto,
Washington D.C., por ter trazido o Irã de volta ao mercado
internacional, espera que, certamente, as empresas ianques
tenham privilégios não declarados dentro do mercado iraniano
como gestos de gratidão por parte do governo de Teerã, mesmo
não havendo relações diplomáticas plenas entre os dois países.



Os ganhos geoestratégicos dos EUA com a rendição iraniana são
ainda maiores e mais expressivos. Certamente, o Acordo foi uma
derrota para Rússia e a China, que demonstraram graves
limitações na capacidade de garantirem a sobrevivência do Irã
e de dissuadirem um ataque ianque ao país persa. Ao assinar
este acordo, o Irã se comprometeu implicitamente a não se
engajar numa ofensiva aberta e direta contra os vassalos dos
EUA e Israel na região.



A Casa Branca, primeiramente, garantiu que nenhum de seus
vassalos regionais, formais (Turquia, Jordânia, Arábia
Saudita, Catar e Emirados Árabes Unidos) e não formais
(terroristas da al-Qaeda/Frente al-Nusra, ISIS, PYG), fossem
prejudicados. Assim, enquanto as negociações ocorriam em
Viena, Síria e os rebeldes houthis iemenitas, aliados do Irã e
da Rússia, continuaram sendo atacados incessantemente pelos
vassalos locais e regionais dos EUA.



E, além disto, a ocupação israelense dos territórios
palestinos não deu qualquer sinal de fadiga, muito pelo
contrário, a intensificação da invasão e ocupação sionista de
Jerusalém oriental, predominantemente árabe palestina,
aprofunda-se sem qualquer sinal de retrocesso. Tudo isto após
o grande massacre promovido pelos israelenses na Faixa de Gaza
em 2014, que exterminou mais de 2 mil palestinos em 50 dias.



Como se não bastasse, um acordo informal entre Rússia e Irã
com o Ocidente fez com que os houthis fossem praticamente
abandonados em troca da garantia de que os ocidentais
permitiriam a permanência do governo ba’athista no poder na
Síria. Esta última cláusula não foi acatada por Washington
D.C., uma vez que a burguesia wasppp (branca anglo-saxã
protestante e pós-protestante) é messiânica e qualquer
proposta de negociação é tida como sinal de fraqueza de quem
propõe.



Na verdade, o Acordo Nuclear com o Irã consolida o poder
ianque no OM. Praticamente, toda a região está sob sua
suserania: Egito, petromonarquias árabes do Golfo, Etiópia,
Sudão do Sul, Jordânia, Israel, Iraque, Turquia, governo
libanês, Azerbaijão, Geórgia. Os que lhes escapam ao controle
estão sob cerco e ou ataque: Somália, Eritreia, Armênia,
Síria, territórios palestinos ocupados por Israel (Cisjordânia
e Faixa de Gaza), sul do Líbano sob o controle do Hizbollah;
ou sob “normalização”/neutralização, como o Irã.



Estes territórios “rebeldes”, refratários ao poder ianque,
estão desconectados uns dos outros, não formam um contínuo
geográfico e, por isso, sofrem cerco. É o caso do governo
ba’athista de Bashar al-Assad, uma vez que ele se encontra
sitiado a oeste pelo Líbano; ao sul por Israel, os terroristas
da Frente al-Nusra (al-Qaeda) e a Jordânia, ao norte pela
Turquia e os esquadrões da morte ISIS, Frente al-Nusra
(al-Qaeda), Exército da Síria Livre (leia-se Irmandade
Muçulmana); a leste pelo ISIS; e a nordeste pelo grupo
terrorista curdo kurmanji YPG (dissidentes sírios do PKK –
Partido dos Trabalhadores Curdos kurmanjis).



Devemos acrescentar: a República do Iraque, sob impopular
governo fantoche iraniano-americano liberal (portanto,
ditatorial, sectário, corrupto, confessional) oferece de facto
retaguarda às ações do ISIS na Síria. Todos estes grupos de
extermínio, esquadrões da morte, terroristas e gangues
promovem, deliberadamente ou não, a geoestratégia ianque de
fragmentação territorial dos países do OM, recebendo, por
isso, armas e financiamento do Ocidente.



Foi neste sentido que a assinatura do Acordo trouxe a ameaça
real e concreta do Irã de abandonar a Síria e o seu aliado
mais fiel, o Hizbollah, como ocorrera em 2003. Há uma grande
possibilidade de a ofensiva russa na Síria, iniciada em
outubro deste ano, ser uma resposta ao Acordo
iraniano-americano, numa tentativa de romper o cerco às forças
governamentais sírias e de também pressionar o regime dos
aiatolás a manter o engajamento com Bashar al-Assad. Vamos
aguardar os desdobramentos da ofensiva russa em território
sírio.



A única conclusão a que podemos chegar é que o Acordo Nuclear
Irã-EUA forneceu a justificativa legal para Washington D.C.
atacar Teerã, impossibilitando, também legalmente, qualquer
reação por parte da Rússia ou da China ou de qualquer outra
potência, caso o regime dos aiatolás descumpra uma das
cláusulas do acordo. Definitivamente, isto não é uma boa
notícia.





Referências:



CARTALUCCI, Tony. Warning: nuclear deal with Iran prelude to
war, not “breaktrough”. Global Reseach. 14 de julho de 2015.



COOLEY, John K. An alliance against Babylon: the U.S., Israel,
and Iraque. London: Ann Arbor, MI: Pluto Press, 2005.



PARSI, Trita. Treacherous alliance: the secret dealings of
Israel, Iran and the U.S. Yale: Yale University Press, 2007.



TORBAT, Akbar E. Soft coup in Iran: western allies coerce Iran
into capitulating its nuclear program. Global Research. 19 de
agosto de 2015.


In
Correio da Cidadania
http://www.correiocidadania.com.br/index.phpoption=com_content&task=view&id=11217
10/11/2015

Nenhum comentário:

Postar um comentário