sexta-feira, 15 de julho de 2016

A teoria económica dos 1%: Como desconstruir a teoria convencional

A teoria económica dos 1%: Como desconstruir a teoria convencional


por John Weeks [*]

Durante muitos anos perguntei-me porque tantas pessoas bem informadas
manifestam ignorância de aspectos simples da nossa economia. Demorou
décadas para perceber que a resposta a esta pergunta repousa em grande
parte na resposta a uma segunda: por que estudantes da teoria económica
convencional (mainstream) não sabem quase nada acerca da economia real,
mas consideram-se peritos embrionários neste campo?

As respostas a estas perguntas são semelhantes e simples. Elas motivaram
o meu livro. Os economistas convencionais têm tido um êxito
extraordinário em doutrinar pessoas levando-as a acreditar que os
trabalhos da economia são demasiado complexos para qualquer pessoa
entender, excepto peritos (isto é, os próprios economistas). A economia
que eles afirmam revelar-nos não existe. Eles criaram-na, a alternativa
reaccionária ao mundo no qual as pessoas vivem e trabalham. Ensinar
estudantes acerca desta economia imaginária impede-os, assim como o
público, de entender a economia real.

A teoria económica mainstream doutrina tanto os estudantes como o
público pois representa mal os mercados, propalando falsidades
sistematicamente. Como parte desta doutrinação, os [economistas]
convencionais capturaram a profissão, a seguir expurgaram-na de
keynesianos, ricardianos, marxistas, institucionalistas e todos os outros
dissidentes. A disciplina que se chama a si própria ciência económica
(economics) é uma doutrina religiosa dedicada ao culto dos mercados e os
seus membros são sacerdotes desta doutrina.

Economistas convencionais tipicamente descartam dissidentes como
incompetentes, insuficientemente matemáticos e técnicos. Mas os
incompetentes são os seguidores da doutrina convencional, sobrecarregando
a profissão e o discurso público com um peso morto de inconsistências
absurdas que eles apresentam como teoria. Em séculos passados astrólogos e
alquimistas representaram uma barreira para o entendimento do mundo
natural. Em grande parte do mesmo modo, as constantes adulterações
neoclássicas da realidade impedem o entendimento das circunstâncias
económicas nas quais as pessoas vivem, trabalham e sustentam-se.

Em consequência desta adulteração não há consequência política ou
económica tão reaccionária ou ultrajantemente anti-social que alguns
economistas convencionais não defendam e a maior parte dar-lhe-ia seu
apoio tácito. Dentre os absurdos reaccionários inclui-se que discriminação
de género e de raça é uma ilusão, que o desemprego é voluntário e que o
sector público é ineficiente.

Os [economistas] convencionais propõem e praticam uma falsificação da
teoria económica. Eles são econo-falsificadores, presos a uma fraudulenta
teoria económica pseudo-científica, tal como astrólogos deturpavam o
cosmos e alquimistas apregoavam o contra-senso da transubstanciação
química. A ideia de que economias de mercado estão sempre e continuamente
em pleno emprego subjaz à estrutura teórica destes convencionais. Todas as
conclusões teóricas e políticas derivam desta premissa falaciosa. É a
inexorável e indesculpável presunção do pleno emprego, contrária à
realidade, que mais do que qualquer outra coisa qualifica os economistas
mainstream como "falsificadores". Tal como os astrólogos, alquimistas e
criacionistas dizem asneiras acerca do mundo natural, os neoclássicos
propõem e defendem zelosamente uma versão falsa da sociedade de mercado.

Se, depois de se apropriarem da profissão, a escola neoclássica tivesse
sido conduzida ao descrédito – como aconteceria se criacionistas
assumissem o comando da genética, se astrólogos fossem guindados à
astronomia e alquimistas capturassem laboratórios de química – a sua
ofensa classificar-se-ia como um crime intelectual menor. Contudo, eles
tiveram êxito em vender o seu dogma como sabedoria incontestável para a
orientação de governos. Não é sabedoria. É um vírus do intelecto que
corrompe o cérebro, tornando-o incapaz de pensamento são.

Alguns críticos reclamam que economistas arrogantemente pretendem
entender muito mais do que realmente entendem. Esta crítica é demasiada
fraca. O mainstream afirma ter conhecimento profundo da economia, mas
não entende quase nada da mesma e obscurece quase tudo. A suposição do
pleno emprego serve como véu de ocultação, representando mal "o problema
económico" como aquele de distribuir recursos escassos. A realidade é a
oposta. O problema económico central em sociedades de mercado é gerar
trabalho útil e produtivo para aqueles que o desejam. Em sociedades de
mercado o trabalho é abundante, não escasso.

Grande parte da imerecida credibilidade de economistas mainstream
resulta da sistemática promoção da ignorância ao longo dos últimos trinta
anos por parte dos economistas neoclássicos e dos media. Entender a
economia não é simples, mas não mais difícil do que entender
suficientemente o sistema político para votar. As pessoas vão regularmente
às cabines eleitorais e escolhem candidatos ou rejeitam-nos todos. As
mesmas pessoas manifestam uma ignorância da teoria económica que as deixa
incapazes de avaliar teses competidoras acerca da política pública.

Meu primeiro livro explica que relações e processos económicos podem ser
entendidos pelo público geral e que a perícia apregoada pelos
[economistas] convencionais é um espectáculo de enganos e encobrimentos
(smoke-and-mirrors). Em linguagem não técnica reformulei então a teoria
económica como deveria ser: o estudo de sociedades com recursos ociosos e
como induzir o que permanece ocioso à utilização produtiva. Este foi o
contexto teórico para todos os grandes economistas, desde Smith e Ricardo
até Marx e Hobson e continuando até Keynes, Galbraith e Kalecki. Rejeitar
o absurdo dos recursos escassos leva a uma refutação das parábolas
reaccionárias dos mainstream, das quais as mais importantes são:
O desemprego resulta de altos salários e/ou de apoio demasiado generoso
àqueles sem trabalho (trabalhadores causam seu próprio desemprego);

Demasiada moeda em circulação causa inflação e é invariavelmente o
resultado de despesas pública excessivas (governos causam inflação);

A competição faz mercados eficientes e traz benefícios para todos,
tanto internamente como no comércio internacional (a competição
beneficia toda a gente, a regulação prejudica todos); e

As regulações do sector públicos interferem com a livre escolha das
pessoas e solapam a eficiência dos mercados (o governo é um fardo).

No meu livro mostro que estas parábolas reaccionárias derivam do mundo de
fantasia do pleno emprego, não de teoria sã. Os economistas de pacotilha
dão-lhes credibilidade superficial ao apresentarem pessoas como produtores
e consumidores que procuram obter ganho individual. Na teoria económica do
mundo real, as pessoas não são primariamente produtoras e consumidoras. As
economias de mercado são sociedades de classe na qual a vasta maioria
procura através de meios sociais regular, reformar e limitar o dano
colateral criado pela competição de mercado. E ao assim fazer, alcançar,
se possível, uma sociedade produtiva de pleno emprego apta para a vida
humana.


16/Novembro/2014

[*] Autor de Economics of the 1%: How mainstream economics serves the
rich, obscures reality and distorts policy (Anthem Press, 2014).

O original encontra-se em http://iippe.org/wp/?p=2342

Este artigo encontra-se em http://resistir.info/ .

In
RESISTIR.INFO
http://resistir.info/crise/weeks_16nov14.html
4/7/2016

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