terça-feira, 12 de julho de 2016

Escola Sem Partido e aula marxista da CNI, por Jorge Souto Maior




Jornal GGN - Em artigo publicado na Carta Maior, Jorge Luiz Souto Maior fala
sobre as ameaças que a democracia brasileira vem sofrendo, citando o Projeto de
Lei da Escola Sem Partido ,que pretende negar a liberdade de expressão dos
professores e professoras, e "extirpar o conteúdo crítico das salas de aulas".
"O medo que se tem é que a educação sirva à formação do conhecimento, que
permite compreender como funciona a sociedade capitalista e quais são, de fato,
os obstáculos materiais à superação das desigualdades", diz Souto Maior.

Ele também analisa a fala do presidente da CNI, Robson de Andrade, que disse
que, para recuperar a competitividade das empresas seria necessário um aumento
da jornada de trabalho para 80 horas semanais (quando na verdade seriam 60
horas). Para Souto Maior, Andrade dá uma aula de teoria marxista, da mais-valia
absoluta. "O Presidente da CNI pode ser visto, inclusive, como um
revolucionário", diz o articulista, já que a exacerbação das formas de
exploração do trabalho pode constituir, segundo Marx, um elemento da profusão da
consciência de classe, "servindo de alimento à atitude revolucionária".

Para o colunista, se a Lei da Escola Sem Partido for levada a sério, a fala de
Andrade não poderia ser reprozida em sala de aula, já que poderia se entendida
como mais perigosa que a própria teoria marxista. "Afinal trata especificamente
da realidade nacional contemporânea, bem mais fácil de ser assimilada."

Leia a coluna completa abaixo:

Enviado por Webster Franklin

Da Carta Maior

A Escola Sem Partido e as lições marxistas da CNI



por Jorge Luiz Souto Maior



A última manifestação da CNI - Confederação Nacional da Indústria - foi uma
autêntica aula de marxismo.


Por diversas maneiras a democracia, que ainda nem se conseguiu construir de
verdade no Brasil, tem sido ameaçada, haja vista, por exemplo, a solicitação do
Supremo Tribunal Federal à Polícia Federal para que investigue, com vistas à
consequente responsabilização, quem idealizou e levou a uma manifestação de rua
bonecos infláveis com as figuras do Presidente do STF, Ricardo Lewandowski, e do
Procurador-Geral da República, Rodrigo Janot, no último dia 19 de junho, na
Avenida Paulista[1], o que valeu oportuno Editorial da Folha de S. Paulo[2].

No plano da educação destaca-se o Projeto de Lei n. 867/2015 – Programa Escola
Sem Partido, que pretende incluir na Lei de Diretrizes e Bases da Educação
Nacional uma negação à liberdade de expressão dos professores e professoras, nos
moldes, inclusive, da Lei da “Escola Livre”, já aprovada no Estado de Alagoas.

Essas iniciativas no campo educacional vêm na linha do movimento reacionário que
deu origem ao golpe de Estado em curso no país, favorecendo ao aprofundamento do
Estado de exceção permanente, para a tentativa de impor retrocessos à
racionalidade social.

Por elas, especificamente, pretende-se extirpar o conteúdo crítico das salas de
aulas, servindo, inclusive, como aparelho repressivo, a exemplo do que se
passou, recentemente, em uma escola pública no Paraná, quando, de forma
atentatória aos mais rudimentares preceitos dos Direitos Humanos e do Direito do
Trabalho, se afastou das atividades uma professora que teria realizado, segundo
virou moda dizer, uma “doutrinação marxista” em sala de aula[3].

O medo que se tem é que a educação sirva à formação do conhecimento, que permite
compreender como funciona a sociedade capitalista e quais são, de fato, os
obstáculos materiais à superação das desigualdades e à consolidação da justiça
social. Mas essa tentativa de negar a evolução do conhecimento humano é uma
tarefa irrealizável, que nem mesmo a tortura foi capaz de concretizar e já se
sabe disso desde os tempos de Giordano Bruno. No atual estágio da racionalidade
humana, ainda que questões econômicas, sobretudo em momentos de crise, quando o
individualismo, decorrente do estado de necessidade, fala mais alto, volta e
meia façam reviver lógicas de intolerância, egoísmo e soberba, estimulando a
barbárie e a bestialidade, representa uma autêntica ilusão considerar que é
possível, pela força, impor retrocessos à compreensão humana e aos avanços
sociais já verificados (embora ainda embrionários em muitas realidades) nas
relações de trabalho e nas questões de gênero, de raça, de meio ambiente, de
orientação sexual, e na própria forma de atuação da democracia.

A humanidade, desde o Renascimento, vem em processo progressivo de superação do
medo, em especial, do medo do conhecimento, e é cada vez menos possível barrar a
capacidade de compreensão por meio da força e da brutalidade, ou pela imposição
de medos, como se realizou, em nível mundial, na década de 30, na cruzada contra
os “comunistas”, reproduzida no Brasil em vários momentos históricos (1935, 1964
e 2015...)[4].

A questão é que embora seja verdade que quanto mais se sabe mais se descobre que
pouco se sabe, quanto mais se conhece mais se tem condições de conhecer, em
virtude das correlações e das contradições reveladoras que vão sendo
descortinadas.

Veja-se, por exemplo, o que se passou com a última manifestação da CNI –
Confederação Nacional da Indústria, que foi uma autêntica aula de marxismo.

Disse o Presidente da CNI[5] que para recuperar a competitividade das empresas
seria preciso aumentar o limite do trabalho de 44 para 80 horas semanais.
Verdade que depois reconsiderou a fala para esclarecer que fazia menção ao
limite de 60 horas semanais[6].

Ora, o que o Presidente da CNI fez foi demonstrar que domina muito bem o
conceito básico do funcionamento do sistema capitalista, à luz da teoria
marxista, da mais-valia absoluta, que representa estender a jornada de trabalho
até o ponto em que o valor pago a título de remuneração não alcança a totalidade
das horas trabalhadas, permitindo que o trabalhador produza capital excedente, o
qual é apropriado pelo capitalista. A mais-valia existirá, por certo, na
exploração do trabalho modo de produção capitalista, pois sem ela não se efetiva
a mágica do capital de gerar capital, mas quanto menor a jornada menor o
excedente, mesmo que com o incremento da mais-valia relativa, que é a
intensificação do trabalho dentro da mesma jornada. O fato é que estender a
jornada como meio de conferir maior benefício econômico para as empresas,
partindo do pressuposto de que o salário não remunera a integralidade do capital
gerado pelo trabalho, é um conceito marxista, que, como visto, é bem
compreendido pelo Presidente da CNI.

Mas não para aí. O Presidente da CNI demonstra que conhece bem outra categoria
básica do marxismo, que é o materialismo histórico dialético, afinal veio com
essa proposta no momento preciso em que percebeu haver as condições materiais
propícias, dadas as correlações de forças nos planos político e econômico, para
conseguir impor uma perda à classe trabalhadora, travestida de colaboração,
demonstrando, aliás, que domina também outro conceito importante, que é o da
ideologia, consistente na utilização de argumentos falseados para fazer parecer
que dizem respeito a todas as classes os interesses que pertencem apenas à
classe dominante.

Dentro desse contexto, o Presidente da CNI pode ser visto, inclusive, como um
revolucionário, afinal, como dizia Marx, a exacerbação das formas de exploração
do trabalho pode constituir – não que deva assim ser projetado – elemento da
profusão da consciência de classe, servindo de alimento à atitude
revolucionária.

Assim, se pudesse ser levada a sério a tal Lei da Escola Sem Partido, a fala do
Presidente da CNI não poderia ser produzida em sala de aula, vez que poderia ser
considerada mais “perigosa” que a do próprio Marx, afinal trata especificamente
da realidade nacional contemporânea, bem mais fácil de ser assimilada, portanto.

E se o espírito da lei fosse levado adiante, na lógica antidemocrática
instaurada, o Presidente da CNI poderia até ser alvo de uma investigação da
Polícia Federal, sendo que, na projeção do absurdo, haveria o risco de se ver
instaurado um setor policial para apuração de condutas “antinacionais” ou
“comunistas”, do qual ninguém escaparia, até porque se como diz o PL 867/15, o
ensino deve ter por princípio a “neutralidade política, ideológica e religiosa”,
o “pluralismo de ideias” e a “liberdade de consciência”; sendo “vedadas, em sala
de aula, a prática de doutrinação política e ideológica bem como a veiculação de
conteúdos ou a realização de atividades que possam estar em conflito com as
convicções religiosas ou morais dos pais ou responsáveis pelos estudantes”, as
professoras e professores ao passarem aos alunos uma visão liberal de mundo
estariam obrigados a explicar (e sem críticas destrutivas) a esses mesmos alunos
a teoria marxista.

Lembre-se, ainda, que como dita o PL, o professor “não se aproveitará da
audiência cativa dos alunos, com o objetivo de cooptá-los para esta ou aquela
corrente política, ideológica ou partidária” e “não favorecerá nem prejudicará
os alunos em razão de suas convicções políticas, ideológicas, morais ou
religiosas, ou da falta delas” e deverá respeitar “o direito dos pais a que seus
filhos recebam a educação moral que esteja de acordo com suas próprias
convicções”, e muitos pais e mães são marxistas, humanistas ou democratas e
poderiam se insurgir contra a recorrente “doutrinação liberal”, que, de fato,
nem liberal é, repercutindo apenas valores conservadores, medievais,
oligárquicos, racistas, machistas, homofóbicos, egoístas, individualistas,
intolerantes e neoliberais. Mas não se imagina que o farão, ao menos por meio da
utilização de uma lei autoritária e repressiva, práticas que não devem ser
estimuladas sob qualquer pretexto.

De todo modo, de um jeito ou de outro, o conhecimento e o saber continuarão
derrotando a brutalidade e bestialidade!

São Paulo, 11 de julho de 2016.

[1].
http://g1.globo.com/politica/noticia/2016/07/stf-quer-investigacao-da-pf-sobre-quem-inflou-boneco-de-lewandowski.html,
acesso em 11/07/16.
[2].
http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2016/07/1789999-censura-ao-pixuleko.shtml,
acesso em 11/07/16.
[3].
https://www.brasildefato.com.br/2016/07/08/professora-da-rede-publica-e-afastada-ao-abordar-marx-em-sala-de-aula/,m
acesso em 11/07/16.
[4]. Vide, a propósito, o excelente filme, Trumbo: Lista Negra, do diretor Jay
Roach, lançado no Brasil em 2016.
[5].
http://g1.globo.com/economia/noticia/2016/07/cni-elogia-meta-fiscal-de-2017-mas-se-diz-contra-aumento-impostos.html,s
acesso em 11/07/16.
[6].
http://www.jornalopcao.com.br/ultimas-noticias/em-nota-cni-tenta-corrigir-declaracao-de-presidente-sobre-80-horas-semanais-de-trabalho-70242/,o
acesso em 11/07/16.

In
GGN
http://jornalggn.com.br/noticia/escola-sem-partido-e-aula-marxista-da-cni-por-jorge-souto-maior
12/7/2016

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