quinta-feira, 7 de julho de 2016

Disputa de mercado explica cruzada americana contra corrupção***



por Jorge Nemr



Jornal GGN - Em artigo publicado no UOL, o advogado especialista em Direito
Internacional Jorge Nemr fala sobre as grandes operação de combate à corrupção,
movidas tanto no Brasil, como a Lava Jato, como no exterior, como as
investigações contra dirigentes da FIFA. Para ele, há um elo que liga todas
estas operações, chamado "disputa de mercado", principalmente após a recessão da
crise de 2008.

Nemr explica o Foreign Corrupt Practices Act (FCPA), lei anticorrupção
norte-americana e a estratégia dos EUA de "forçar" os demais países a adotarem
legislação similar, restringindo o acesso ao FMI, Banco Mundial e aos países que
não adotassem esse tipo de legislação.

O advogado diz que, entre 2007 e 2011, o Departamento de Justiça Americano e a
SEC (órgão que regula o mercado financeiro) abriram investigação e aplicaram
sanções com base na FCPA, em um número maior de empresas e indivíduos em
comparação com todas as investigações e punições aplicadas entre 1977 e 2006.
Para Nemr, a Lava Jato representa a abertura da última fronteira para a
prestação de serviços no setor de infraestrutura. Com a operação, um mercado
bilionário, que antes era controlado por algumas grandes empresas brasileiras,
agora se abre para "players" americanos, europeus e asiáticos.

Leia o artigo compleo abaixo:

Do UOL

Disputa de mercado move grandes operações de combate à corrupção

Jorge Nemr

Os últimos dois anos impulsionaram no Brasil, principalmente com a Lava Jato, um
combate implacável e louvável contra a corrupção. Algumas outras investigações
aqui, como a Zelotes e a Acrônimo, ou no exterior, como o "Caso Fifa", também
têm como pano de fundo o combate à corrupção pública ou privada. Todas essas
operações têm um elo grande.



A corrupção é uma doença que se tornou uma epidemia. Mata mais que todas as
outras doenças juntas, ao sugar recursos que poderiam estar indo para a saúde e
para o saneamento público. Todos os anos, milhares de pessoas morrem por falta
de atendimento.



O elo entre elas chama-se "disputa de mercado", principalmente após a última
grande recessão que atingiu, a partir de 2007/2008, os EUA, a Europa e grande
parte do mundo. Recessão, aliás, que ainda tem efeitos hoje.


Para ver esse cenário com mais clareza, é preciso uma análise mais profunda do
comércio internacional de bens e serviços e também das leis. Com a globalização,
foi criado um único mercado mundial para ser disputado e um conjunto de leis que
rege esse mercado, adotado por diversos países. São regras globais. Um dos
maiores exemplos são as leis anticorrupção adotadas nas mais diversas
jurisdições, a partir da FCPA americana que surgiu na década de 70, e depois de
uma "cruzada" dos EUA junto a ONU e a OCDE.

Qual motivo dessa "cruzada americana"? A resposta é: disputa de mercado. A FCPA,
em síntese, é uma lei que proíbe empresas americanas, suas subsidiárias no
exterior ou empresas estrangeiras com participação no mercado americano de
corromperem funcionários públicos estrangeiros. Nada mais nobre.

Mas como as empresas americanas iriam conseguir disputar os mercados
internacionais, principalmente na área de infraestrutura e defesa, se empresas
de alguns países concorrentes podiam contabilizar em seus balanços as "propinas"
pagas aos governantes de países africanos, da América Latina e do Oriente Médio?

Para poder ganhar as concorrências internacionais, o governo americano tinha
duas alternativas: ou revogava a FCPA, o que causaria um dano enorme à sua
imagem, ou "forçava" os demais países a adotarem legislação similar,
restringindo o acesso ao FMI, Banco Mundial e aos países que não adotassem esse
tipo de legislação. Isso foi feito.

Apesar do esforço todo, a FCPA ficou quase 30 anos no ostracismo, até o advento
da crise americana de 2007/2008, que atingiu em cheio as suas empresas. Os
governos dos países mais desenvolvidos trabalham para ajudar as empresas de seus
países. O público trabalha para o privado. Bem diferente do que vimos
ultimamente no Brasil, onde o governo colocou as empresas privadas para
trabalharem para a sua sustentação do poder.

Uma das formas então encontradas pelas empresas, sedentas por novos mercados,
foi fazer com que o governo simplesmente aplicasse a lei que já existia.
Levantamentos mostram que o Departamento de Justiça Americano e a SEC (órgão
regulador do mercado de capitais americano)abriram investigação e aplicaram
sanções com base na FCPA, entre 2007 e 2011, em maior número de empresas e
indivíduos comparado com todas as investigações e punições aplicadas somadas
entre 1977 e 2006! Por quê?

Fifa e Lava Jato

Recentemente, o mundo, e especialmente os EUA, abriram os olhos para o futebol.
Somadas todas as receitas globais de eventos esportivos em 2013, que giraram em
torno de US$ 80 bilhões, é possível verificar que o faturamento, apenas do
futebol, foi de mais ou menos US$ 36 bilhões –ou seja, mais de 40% do mercado
esportivo mundial foi comandado pela Fifa.

Isso representa um mercado maior do que se somados todos os outros esportes
tradicionais nos EUA, como o futebol americano, beisebol, basquete, hockey e
tênis. Como aceitar que o esporte que mais cresce entre os jovens americanos, o
esporte número um praticado pelas mulheres nos EUA, tenha a sua liga controlada
por estrangeiros? Como permitir que quase metade do mercado mundial esportivo
seja controlado há décadas por meia dúzia de cartolas corruptos que escolhem
quem pode ou não participar desse mercado estimado em mais de US$ 40 bilhões,
quando se agrega ganhos indiretos? Inaceitável!

Já a Operação Lava Jato representa a abertura da última fronteira para a
prestação de serviços no setor de infraestrutura. Ela poderá ser tão marcante
quanto a queda do muro de Berlim foi para o fim do comunismo na Europa. Cabe
lembrar as revelações de Edward Snowden, que informou quais eram os dois alvos
grampeados pela espionagem americana. Um era a presidente Dilma Rousseff. O
outro era a Petrobras.

Com a "Lava Jato", um mercado de centenas de bilhões de dólares –que antes,
através da corrupção, era controlado por algumas grandes empresas brasileiras,
as estrangeiras não eram "convidadas" a participar, e que tinha a Petrobras como
monopolizadora do mercado do pré-sal– se abriu para grandes "players"
americanos, europeus e asiáticos.

Vale a pena acompanhar de perto, também, a Operação Zelotes, principalmente após
os recentes indiciamentos feitos pela Polícia Federal. Os supostos beneficiados
atuam em setores como siderúrgico, financeiro e automobilístico e disputam em pé
de igualdade, no Brasil e no exterior, um mercado gigantesco com seus
concorrentes estrangeiros.

Ou seja, o combate à corrupção exerce dois papéis fundamentais. O primeiro, e
mais óbvio, é beneficiar os mais carentes. Com o fim dos desvios de recursos
públicos, mais dinheiro deve sobrar para ser aplicado na saúde, educação,
segurança e em saneamento. O segundo é beneficiar os grandes "players" do
comércio exterior com a abertura de novos mercados que antes eram dominados pelo
clube dos corruptos e corruptores. Juntou-se, por caminhos heterodoxos, a fome
com a vontade de comer!

In
GGN
http://jornalggn.com.br/noticia/disputa-de-mercado-explica-cruzada-americana-contra-corrupcao-por-jorge-nemr
7/7/2016


*** "Com o fim dos desvios de recursos
públicos, mais dinheiro deve sobrar para ser aplicado na saúde, educação,
segurança e em saneamento". Deveria sobrar. Mas, é o que parece?

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