segunda-feira, 18 de julho de 2016

Pesquisadora da USP monta mapa da contaminação por agrotóxico no Brasil



João Peres/ Do De Olho nos Ruralistas)


Os mapas produzidos por Larissa Mies Bombardi são chocantes. Quando você acha
que já chegou ao fundo do poço, a professora de Geografia Agrária da USP passa
para o mapa seguinte. E, acredite, o que era ruim fica pior. Mortes por
intoxicação, mortes por suicídio, outras intoxicações causadas pelos agrotóxicos
no Brasil. A pesquisadora reuniu os dados sobre os venenos agrícolas em uma
sequência cartográfica que dá dimensão complexa a um problema pouco debatido no
país.

Ver os mapas, porém, não é enxergar o todo: o Brasil tem um antigo problema de
subnotificação de intoxicação por agrotóxicos. Muitas pessoas não chegam a
procurar o Sistema Único de Saúde (SUS); muitos profissionais ignoram os
sintomas provocados pelos venenos, que muitas vezes se confundem com doenças
corriqueiras. Nos cálculos de quem atua na área, se tivemos 25 mil pessoas
atingidas entre 2007 e 2014, multiplica-se o número por 50 e chega-se mais
próximo da realidade: 1,25 milhão de casos em sete anos.

Além disso, Larissa leva em conta os registros do Ministério da Saúde para
enfermidades agudas, ou seja, aquelas direta e imediatamente conectadas aos
agrotóxicos. As doenças crônicas, aquelas provocadas por anos e anos de
exposição aos venenos, entre as quais o câncer, ficam de fora dos cálculos.
“Esses dados mostram apenas a ponta do iceberg”, diz ela.

Ainda assim, são chocantes. O Brasil é campeão mundial no uso de agrotóxicos,
posto roubado dos Estados Unidos na década passada e ao qual seguimos aferrados
com unhas e dentes. A cada brasileiro cabe uma média de 5,2 litros de venenos
por ano, o equivalente a duas garrafas e meia de refrigerante, ou a 14 latas de
cerveja.

Em breve, todo o material reunido por Larissa será público. O livro Geografia
sobre o uso de agrotóxicos no Brasil é uma espécie de atlas sobre o tema, com
previsão de lançamento para o segundo semestre. Será um desenvolvimento do
Pequeno Ensaio Cartográfico Sobre o Uso de Agrotóxicos no Brasil, já lançado
este ano, com dados atualizados e mais detalhados. No período abrangido pela
pesquisa, 2007-2014, foram 1.186 mortes diretamente relacionadas aos venenos. Ou
uma a cada dois dias e meio:
“Isso é inaceitável. Num pacto de civilidade, que já era hora de termos, como a
gente fala com tanta tranquilidade em avanço de agronegócio, de permitir
pulverização aérea, se é diante desse quadro que a gente está vivendo?”, indaga
a professora ao programa De Olho nos Ruralistas.


O papel do agronegócio
Larissa fala de agronegócio porque é exatamente esse modelo o principal
responsável pelas pulverizações. Os mapas mostram que a concentração dos casos
de intoxicação coincide com as regiões onde estão as principais culturas do
agronegócio no Brasil, como a soja, o milho e a cana de açúcar no Centro-Oeste,
Sul e Sudeste. No Nordeste, por exemplo, a fruticultura. A divisão por Unidades
da Federação e até por municípios comprovam com exatidão essa conexão.
A pesquisadora compara a relação dos brasileiros com agrotóxicos à maneira como
os moradores dos Estados Unidos lidam com as armas: aceitamos correr um risco
enorme. Quando se olha para um dos mapas, salta à vista a proporção entre
suicídio e agrotóxicos. Em parte, explica Larissa, isso se deve ao fato de que
estes casos são inescapavelmente registrados pelos órgãos públicos, ao passo que
outros tipos de ocorrências escapam com mais facilidade. Mas, ainda assim, não é
possível desconsiderar a maneira como distúrbios neurológicos são criados pelo
uso intensivo dos chamados “defensivos agrícolas”, termo que a indústria utiliza
para tentar atenuar os efeitos negativos das substâncias.
Soja, milho e cana, nesta ordem, comandam as aplicações.

Uma relação exposta no mapa, que mostra um grande cinturão de intoxicações no
centro-sul do país. São Paulo e Paraná aparecem em destaque em qualquer dos
mapas, mas a professora adverte que não se pode desconsiderar a subnotificação
no Mato Grosso, celeiro do agronegócio no século 21.


O veneno está na cidade
A conversa com o De Olho nos Ruralistas – durante gravação do piloto de um
programa de TV pela internet – se deu em meio a algumas circunstâncias pouco
alvissareiras para quem atua na área. Há alguns dias, a Rede Globo tem veiculado
em um de seus espaços mais nobres, o intervalo do Jornal Nacional, uma campanha
em favor do “agro”. Os vídeos institucionais têm um tom raríssimo na emissora da
família Marinho, com defesa rasgada dos produtores rurais de grande porte.
“Querem substituir a ideia do latifúndio como atraso”, resume Larissa. Ela
recorda que, além do tema dos agrotóxicos, o agronegócio é o responsável por
trabalho escravo e desmatamento. E questiona a transformação do setor
agroexportador em modelo de nação. “A alternativa que almejaríamos seria a
construção de uma outra sociedade em que esse tipo de insumo não fosse
utilizado. Almejamos uma agricultura agroecológica com base em uma ampla reforma
agrária que revolucione essa forma de estar na sociedade.”
No mesmo dia da entrevista, o Diário Oficial da União trouxe a sanção, pelo
presidente provisório, Michel Temer, da Lei 13.301. Em meio a uma série de
iniciativas de combate à dengue e à zika, a legislação traz a autorização para
que se realize pulverização aérea de venenos em cidades, sob o pretexto de
combate ao mosquito Aedes aegypti. A medida recebeu parecer contrário do
Departamento de Vigilância em Saúde Ambiental e Saúde do Trabalhador do
Ministério da Saúde, posição que foi ignorada por Temer.
Larissa considera que a medida representa um grande retrocesso e demonstra
preocupação pelo fato de a realidade exposta em seus mapas ser elevada a
potências ainda desconhecidas quando se transfere um problema rural para as
cidades. “O agrotóxico se dispersa pelo ar, vai contaminar o solo, vai
contaminar a água. O agrotóxico não desaparece. Ao contrário, ele permanece.” Em
outras palavras: o veneno voa e mergulha. Alastra-se. E tem longa duração.

In
CARTA CAMPINAS
http://cartacampinas.com.br/2016/07/pesquisadora-da-usp-monta-mapa-da-contaminacao-por-agrotoxico-no-brasil/
8/7/2016

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