terça-feira, 22 de novembro de 2016

A luta pela terra no Brasil.


por Jeferson Choma

Introdução

Este artigo é uma pequena contribuição para pensar a luta pela terra no Brasil.
O objetivo é realizar um breve resumo da história da luta pela reforma agrária
nos últimos 60 anos e também sistematizar o programa levado a cabo por
organizações sindicais e partidos de esquerda, inseridos nesse contexto
histórico. Por isso, se faz um balanço sobre a atuação dos governos – do regime
militar até os governos do PT – e das suas políticas agrárias.

Muitos daqueles que falavam na expropriação dos latifúndios e defendiam a
necessidade de reforma agrária, hoje, infelizmente, abandonaram este programa. O
que no mínimo é estranho, uma vez que o Brasil tem até hoje – apesar da tão
propagada “modernização na agricultura” – a mesma estrutura fundiária de sempre,
responsável pela enorme concentração de terras nas mãos de poucos proprietários.
Essa situação faz com que o Brasil apresente uma realidade no campo que é única
no mundo. Por aqui, poucos proprietários de terra controlam áreas cuja extensão
territorial é superior à de muitos países da Europa. Além disso, a chamada
“moderna agricultura” convive lado a lado com antigas formas de superexploração
da força de trabalho e de relações de semiescravidão. A verdade é que a
modernização do campo brasileiro se deu com base na manutenção do atraso. Um foi
condição do outro. Não se pode entender os mais de 500 anos de nossa história
sem levar em consideração a escravidão, o racismo, o patriarcalismo, o grande
latifúndio e a monocultura de exportação, heranças que ainda pesam sobre a nossa
estrutura social.

É preciso olhar o passado para se transformar o presente. A reforma agrária
ainda é uma necessidade para milhões de brasileiros que vivem no campo e
enfrentam todos os dias a violência dos fazendeiros e seus pistoleiros. Não se
pode dar as costas para essa realidade. Por isso, esse artigo é uma modesta
contribuição, sobretudo, àqueles que atuam no processo de reorganização política
e sindical também existente no campo brasileiro.

A CSP-Conlutas também atua na reorganização das lutas no campo, no sentido de
construir uma alternativa em relação as organizações que abandonaram a luta pela
terra. Dessa forma, a central procura construir um programa que unifique todos
aqueles que lutam no campo brasileiro: camponeses, operários agrícolas, sem
terras e os povos quilombolas e indígenas.

A luta pela terra entre os anos 1950-60
A luta pela Reforma Agrária no Brasil ganhou destaque nacional com a organização
das Ligas Camponesas, entre as décadas de 1950 e 1960. Contudo, é importante
lembrar que a luta pela terra já estava presente muito antes, em conflitos como
nas guerras de Canudos (1896-97) no interior da Bahia e do Contestado
(1912-1916) na fronteira entre o Paraná e Santa Catarina, nas revoltas de
Porecatu (1946-51) no Paraná e de Trombas e Formoso (anos 1950) em Goiás, entre
outros conflitos nos quais camponeses posseiros lutavam contra as investidas de
grileiros, latifundiários, jagunços e do exército. Mas é com a organização das
Ligas Camponesas que o debate sobre a reforma agrária ganha uma dimensão
nacional.

As Ligas surgem da resistência de foreiros ameaçados de expulsão pelos grandes
proprietários das antigas fazendas de cana-de-açúcar em Pernambuco. Num primeiro
momento, as Ligas surgem para lutar contra o aumento do preço do foro e contra
as alterações dos dias do cambão. No entanto, logo assume uma posição de luta
pela terra e promovem ocupações dos engenhos da Zona da Mata pernambucana.

A organização da Ligas se pautava pela criação de sindicatos de trabalhadores
rurais, e já na década de 1960 o movimento congrega também em sua base os
moradores dos engenhos, cujo núcleo eram as questões trabalhistas. Os primeiros
anos da década marcam o auge da luta das Ligas, com a criação de diversos
sindicatos rurais, sobretudo em Pernambuco, mas também em outras regiões do
país.

As Ligas Camponesas defendiam uma Reforma Agrária Radical para acabar com o
monopólio do latifúndio sobre a terra. Nisso apresentava uma grande diferença
com do programa do PCB, o principal partido da esquerda na época.

O Partido Comunista enxergava uma contradição entre os interesses dos
latifundiários proprietários de terra e a burguesia capitalista. Os primeiros
eram vistos como resquícios do atraso, restos de um suposto passado feudal do
Brasil; enquanto os últimos eram considerados representantes do desenvolvimento
e do progresso capitalistas e da democracia. Por isso, o PCB defendia uma
aliança entre o operariado urbano, camponeses e a burguesia nacional contra os
latifundiários, na construção de uma Frente de Libertação Nacional antifeudal e
antiimperialista. De acordo com a estratégia dos comunistas, o campesinato e o
operariado estariam neste bloco de classes, mas o integrariam de forma
subordinada à burguesia.

Coerente com essa estratégia, o PCB defendia uma Reforma Agrária parcial, no
sentido de desenvolver o mercado interno. Nesse sentido, tinham acordo com o
programa do PTB do então presidente João Goulart, que defendia a reforma agrária
para aumentar a oferta de alimentos, ampliar o mercado interno, proporcionar
mais fluxo de renda e poupança no meio rural, o que resultaria, em última
instância, no desenvolvimento da indústria.

Como veremos mais adiante, essa estratégia se provou totalmente equivocada, uma
vez que o desenvolvimento do capitalismo no Brasil não mostrou nenhuma
contradição de interesses de classes entre proprietários de terra e capitalistas
industriais (a burguesia). Ao contrário, o desenvolvimento desigual e combinado
do capitalismo no Brasil os uniu em um único bloco de classes.

Regime militar e a questão agrária

O golpe de 1964 esmagou as Ligas Camponesas. Muitos de seus líderes foram
implacavelmente perseguidos e assassinados por militares, policiais ou jagunços.
No entanto, o regime militar temia a possibilidade de uma revolução camponesa
varrer o país, uma preocupação que foi alimentada até por representantes do
governo dos Estados Unidos na época. Walt Rostaw, economista e ex-subsecretário
do Departamento de Estado dos EUA, por exemplo, defendia que, após a deposição
do governo Goulart e a desarticulação das Ligas através da repressão, estaria
aberto o caminho para que a reforma agrária fosse realizada para integrar vastas
populações ao mercado.

Mesmo com a desarticulação dos movimentos de luta pela terra, a enorme
concentração fundiária poderia ser matéria-prima para novas rebeliões sociais, o
que seria fonte de instabilidade política para o regime militar. Procurando
evitar esse cenário, logo após o golpe, os militares promulgaram o Estatuto da
Terra, criado pela Lei 4.504 de 1964.

O Estatuto da Terra tinha um caráter dúbio em relação à questão agrária. Em um
primeiro momento procurava aplicar uma política de reforma agrária, e assim
servir como instrumento de controle dos conflitos gerados pela concentração
fundiária. Mas na prática o Estatuto nunca foi totalmente aplicado. A lei
previa, por exemplo, a criação pelo governo de um Plano Nacional de Reforma
Agrária, o que nunca foi realizado pelos militares.

Repetiu-se aqui, como em outros momentos da história do Brasil, o velho roteiro
no qual propostas de reformas sociais são capturadas pelas elites e postas em
prática pelos seus representantes (a exemplo da libertação dos escravos pela
monarquia, da proclamação da República pelo exército ou da criação de um sistema
legal de proteção trabalhista pela ditadura de Getúlio Vargas). No entanto,
nesse jogo político o resultado é a não efetivação das reformas sociais. Leis
são aprovadas, mas as classes dominantes se asseguram que elas não serão
executadas contra os seus próprios interesses.

Assim, a reforma agrária prevista pelo Estatuto da Terra deu lugar a uma
política econômica que permitiu a ampla penetração do grande capital na
agropecuária. Sob o invólucro de reforma agrária, o regime militar iniciou a
implementação dos projetos de colonização dirigida na Amazônia (sob a
responsabilidade do Estado ou da iniciativa privada). Na realidade, os projetos
de colonização realizados tinham por objetivo a preservação da estrutura
fundiária em outras regiões do país, como o Sudeste, Sul e Nordeste. Dessa forma
serviam como “válvula de escape” para os conflitos fundiários dessas regiões
preservando a velha concentração fundiária das outras regiões do país. Como
afirmava o sociólogo Otavio Ianni, se efetivou uma verdadeira contrarreforma
agrária: se distribuía terras a alguns trabalhadores rurais para não distribuir
as terras aos muitos trabalhadores rurais sem terras do Nordeste, do Centro-Sul
e também do Oeste e no próprio Norte. Para isso, em 1970, o regime militar cria
o Instituto de Colonização e Reforma Agrária (INCRA), a partir da fusão do
Instituto Nacional de Imigração e Colonização (INIC) com o Instituto Brasileiro
de Reforma Agrária (IBRA).

No entanto, em 1972 os assentamentos são suspensos pelo instituto. A política de
colonização cedeu lugar ao incentivo dos grandes projetos agropecuários na
Amazônia.

Por meio de uma generosa política de isenções no Imposto de Renda, a intenção
dos militares era claramente atrair capital de fora da Amazônia. As isenções
fiscais eram de 50% para empreendimentos que se encontravam na região, mas
chegava a 100% para aqueles capitais provenientes o Sul, Sudeste, e outras
regiões do país que se instalassem na Amazônia. Os investidores também estariam
isentos do imposto de exportação de produtos regionais e dos impostos sobre
importação de máquinas e equipamentos. Ou seja, comprar terras na Amazônia havia
se tornando um grande negócio, fonte de especulação e reserva de valor. Por
isso, grandes empresas investiram muito em terras na região como a Volkswagen,
grupos como Bordon, Zazur e bancos que se tornam proprietários de imensas áreas
de terra.

O sociólogo José de Souza Martins destaca que graças o papel fundamental
exercido pelo Estado, investir na compra de terras deixou de ser um entrave à
circulação e reprodução ampliada do capital, uma vez que comprar terra significa
imobilizar o capital. Com a política dos militares, investir na compra de terras
tornou-se um grande negócio para obter redução no Imposto de Renda das empresas,
garantia de empréstimos bancários e fonte de especulação imobiliária. É por isso
que muitas empresas pagavam pela terra, mesmo quando ela era grilada e
apresentava documentação falsa. Como resultado da política dos militares para a
Amazônia, ocorreu uma aliança entre empresários capitalistas (brasileiros ou
estrangeiros) e proprietários de terra. Ou seja, não havia nenhuma contradição
entre essas classes sociais como defendia o PCB. Muito pelo contrário, o
desenvolvimento do capitalismo no campo levou até mesmo a fusão entre o grande
proprietário de terra com o capitalista numa mesma pessoa, algo muito fácil de
perceber no agronegócio de hoje.

Conflito e resistência

Naturalmente, o avanço do capital significou a expropriação, violência e morte
para as populações amazônicas, sobretudo aos posseiros e indígenas que
tradicionalmente ocupavam a região. Muitas etnias indígenas e camponeses foram
exterminadas, ou expulsas para as grandes cidades. Mas também houve muita
resistência aos grandes projetos incentivados pelo regime militar, o que se
expressou, por exemplo, na luta do movimento dos seringueiros (Acre e Rondônia),
dos posseiros da região do Bico do Papagaio (Maranhão, Tocantis, Pará), e de
quilombolas e indígenas.

Foi pelas mãos dessa gente que a luta pela terra continuou viva, ganhando
contornos originais e adaptados ao seu modo de vida e cultura. Em muitos lugares
ela obteve grandes vitórias, permitindo a eles o acesso à terra.

Fim da ditadura e governo Sarney

Com a redemocratização do país, a luta pela terra se intensificou. Como previa o
Estatuto da Terra, finalmente o governo José Sarney cria o 1º Plano Nacional de
Reforma Agrária que previa o assentamento de 1,4 milhões de famílias. Contudo,
mais uma vez a lei não sai do papel. Procurando impedir a efetivação do plano, o
oligarca Jader Barbalho, então governador do Pará, estado que tinha o maior
número de assassinatos no campo, assumiu o Ministério da Reforma e do
Desenvolvimento Agrário (MIRAD) e paralisa a reforma agrária. O resultado é que
apenas 8% das terras previstas no plano foram desapropriadas, e 10% das famílias
assentadas.

Ao mesmo tempo, a reação dos latifundiários às ocupações de terra resultou na
criação da União Democrática Ruralista (UDR), liderada por Ronaldo Caiado e que
congrega grandes proprietários de terra. Nessa época a UDR se trona famosa por
arrecadar dinheiro com leilões de gado e shows para sustentar a criação de
milícias de jagunços e combater aqueles que lutam pela terra. A luta pela
reforma agrária se militariza em boa parte do país e muitos movimentos
camponeses são obrigados a organizar sua autodefesa diante do recrudescimento da
violência.

Na década de 1980 também surgem novas organizações da classe trabalhadora, como
a CUT e o PT.

A Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura (Contag), criada pelo
governo de João Goulart, filia-se à CUT. Muitos movimentos camponeses se
integram a essa central, o que coloca em um patamar superior a unidade de
classes entre aqueles que lutam pela terra e o operariado urbano.

A luta dos assalariados do campo também ganha força, e um dos maiores exemplos é
a greve dos cortadores de cana em Guariba, interior de São Paulo, onde
bóias-frias expulsos do campo lutaram contra as condições de superexploração
imposta pelos usineiros.

Também surge o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) que será a
mais importante organização de luta pela terra nos anos seguintes.

A rápida urbanização do país levada a cabo na segunda metade do século XX, levou
muitos camponeses expropriados para os grandes centros urbanos. A crise
econômica dos anos 1980 e os ajustes neoliberais da década seguinte criaram uma
massa de desvalidos e desempregados. Muitos desses sujeitos tinham sido
trabalhadores assalariados, mas encontraram no MST o caminho para retornar à
terra e nela produzir através da ocupação dos latifúndios improdutivos. Assim, a
estratégia do MST é a exigência do cumprimento da Constituinte de 1988, a qual
prevê que a terra precisa  cumprir sua função social.

FHC: repressão e neoliberalismo no campo

Foi pelas mãos do governo Fernando Henrique Cardoso (PSDB) que o grosso dos
planos neoliberais entraram no país. Privatizações de estatais, reestruturação
da dívida pública e o tripé da política econômica (pautada em gerar superávit
primário, controle da inflação e câmbio flutuante) proporcionam lucros
exorbitantes a banqueiros e empresários, enquanto o desemprego e a miséria
assumiam índices alarmantes.

A luta pela reforma agrária e as ocupações do MST crescem em todo país,
sobretudo nas regiões Sudeste, Nordeste e Sul onde se registram a maioria das
ocupações de terra. Sob enorme pressão social, FHC em seus dois governos adotou
uma política que apresentava algumas concessões, assentando 490 mil famílias – a
maioria (62%) na região amazônica, 22% no Nordeste, 10% no Centro-Sudeste e 6%
na região Sul. Ou seja, os assentamentos são realizados na região onde se tinha
o menor índice de ocupações de terra (Amazônia) e maior disponibilidade de
terras devolutas. Dessa forma, ao concentrar assentamentos na Amazônia,
mantinha-se a velha concentração fundiária em outras regiões do país.

Por outro lado, o governo FHC combinava essa política de assentamento com
medidas de repressão aos camponeses sem terras. Os Massacres de Corumbiara (RO)
e El Dorado dos Carajás (PA), além das perseguições no Pontal do Paranapanema
(SP) são alguns exemplos.

FHC também cria uma Reforma Agrária de mercado, com o Banco da Terra. A proposta
é de autoria do Banco Mundial e tem por objetivo estimular o arrendamento de
terras e a compra e venda de terras. Este modelo de reforma agrária foi bastante
difundido pelo FMI e Banco Mundial na América Latina, por ser extremamente
compensador para os latifundiários e especuladores, que escolhem as piores
terras para venderem aos camponeses, a preços geralmente elevados.

Por fim, o governo do PSDB também editou duas medidas provisórias para atacar os
movimentos de luta pela terra: a MP 2109, que proibia a vistoria por dois anos
em imóveis ocupados; e a Portaria MDA nº 62 que exclui da Reforma Agrária
aqueles que participassem de ocupações.

Governos do Lula e Dilma: aliança com o agronegócio 

O primeiro governo Lula (2003-2006) começou com grande expectativa da maioria
dos setores que sempre lutaram pela terra no Brasil. Mas não demorou muito para
que as expectativas se transformassem em frustração. Em novembro de 2003, o
governo anunciou a realização do II Plano Nacional de Reforma Agrária. Nele
estabelecia que até o final de 2006 seriam assentadas 400 mil novas famílias;
130 mil famílias terão acesso à terra por meio do crédito fundiário (uma versão
do programa “Banco da Terra”, de FHC) e outras 500 mil adquirirão estabilidade
na terra com a regularização fundiária. É importante lembrar que Lula descartou
outro plano coordenado por Plínio de Arruda Sampaio que previa o assentamento de
mais de 1 milhão de famílias até 2006.

As ocupações de terra – método de luta privilegiado pelo MST – também sofre
profundas mudanças. As medidas repressivas de FHC combinadas com a reforma
agrária de mercado já haviam diminuído as ocupações de terra.  Em 1999 foram
registradas 856 ocupações, nos anos seguintes o número caiu para 519 (2000), 273
(2001) e 269 (2002).

Nos primeiros anos do governo Lula houve um aumento de 540 (2003) e 662 (2004).
Mas logo houve um claro declínio. Em 2005 tivemos 561 ocupações, e em 2010 esse
número caiu para 184. Todos esses dados estão no Relatório Dataluta 2012.

O relatório conclui que essa diminuição está relacionada ao crescimento
econômico e ao acesso ao Bolsa Família por parte dos setores mais pobres da
sociedade. Contudo, é inegável que a diminuição das ocupações de terra também
está relacionada ao apoio que o MST prestou ao governo Lula nesse período. Tal
apoio estabeleceu na prática uma “trégua”, e o resultado é que se abriu mão das
ocupações como instrumento para forçar o governo a assentar famílias. Claro que
há honrosas exceções, onde setores da base do movimento não pararam de lutar
apesar do apoio de sua direção ao governo.

Vale a pena ler o artigo “Camponeses, indígenas e quilombolas em luta no campo:
a barbárie aumenta”, de autoria de Ariovaldo Umbelino de Oliveira, geógrafo da
USP, publicado no relatório “Conflitos no Campo: Brasil 2015”, da Comissão
Pastoral da Terra (CPT).

O artigo mostra como a reforma agrária foi congelada pelos governos petistas de
Lula e Dilma. Conforme o relatório, o primeiro governo Lula teria assentado
apenas 150 mil famílias em novos assentamentos. O restante das 231 mil famílias,
incluídas como uma manobra contábil na conta do governo, pertencem a ocupações
de terras que foram regularizadas. Com essa manobra contábil, o governo petista
inventou a grande mentira de que havia cumprido a meta do Plano Nacional de
Reforma Agrária. Já no segundo mandato Lula assentou apenas 65 mil e Dilma, em
seu primeiro mandato, somente 31 mil famílias foram assentadas.

Outro dado apresentado no artigo foi o aumento da concentração de terras sob os
governos do PT. Segundo Ariovaldo, nos dois mandatos de Lula a área apropriada
pela grande propriedade latifundiária aumentou 62,8%, “quase o dobro do seu
crescimento durante a ditadura militar, e, cinco vezes mais do que o governo
FHC”, destaca o professor. Com Dilma, a concentração fundiária não parou e
chegou a 66,7%, ou, mais 97,9 milhões de hectares estão nas mãos de grandes
proprietários.

Isso significa que o país viveu uma profunda contrarreforma agrária provocada,
sobretudo, pelas políticas favoráveis ao agronegócio. Bilhões foram entregues
para esse setor e, para piorar, o governo do PT nomeou para o Ministério da
Agricultura João Roberto Rodrigues (Lula) e Kátia Abreu (Dilma), representantes
do agronegócio e inimigos da reforma agrária.

Em suma, o governo Lula reproduziu a velha cartilha das elites: promulgou um
plano de reforma agrária, mas ficou longe de efetivá-lo. Pior ainda, obtendo o
apoio da direção do MST conseguiu neutralizar as ocupações no campo que tanto
incomodaram o governo de FHC.

Outro resultado dessa contrarreforma agrária foi a explosão da violência e dos
conflitos no campo. O número de assassinatos decorrentes de conflitos no campo
em 2015 foi o maior dos últimos 12 anos no Brasil, com 49 mortes registradas, a
maior parte na Região Norte e Nordeste do país, regiões que concentram intensa
atividade do agronegócio e alvo das grandes obras do governo em prol do setor,
como a construção da Hidroelétrica de Belo Monte.

Outro dado não menos importante levantado por Ariovaldo é a mudança dos sujeitos
sociais envolvidos na luta pela terra. Se antes o protagonismo era dos sem
terras, nos últimos anos essa posição vem sendo tomada pelos camponeses
posseiros (que não detém a titularidade da propriedade da terra que ocupa e
trabalha). Os posseiros protagonizaram 253 conflitos de terra, (33,2% do total).
 Na sequência vem os sem terras, com 214 conflitos (28% do total). Ou seja, o
que vemos hoje são duas lutas: a luta para não sair da terra e a luta para
entrar nela, ambas dominam os conflitos agrários na atualidade.

A atualidade da reforma agrária

“Tudo deve mudar para que tudo fique como está”. Essa frase do escritor italiano
de Giuseppe Lampedusa, em um de seus livros, expressa com maestria a forma como
as elites sempre se comportaram diante das pressões sociais pela reforma agrária
no Brasil. Os governos do PT mostraram que aprenderam bem essa lição, mas não
conseguiram desmobilizar a luta pela terra que continua e vai continuar
assumindo as mais diferentes formas. Uma luta que produziu 1.217 conflitos em
2015 (incluído os conflitos por terra, água e trabalhistas), uma média três por
dia, segundo os dados da CPT. Além disso, em 2015, foram assassinadas 50 pessoas
no campo, o maior número de vítimas desde 2004, e 39% a mais do que em 2014,
quando foram registrados 36 assassinatos.   Não poderia ser diferente, em um
país em que, segundo o IBGE, 0,91% dos proprietários de terra com mais de mil
hectares detém 44,42 da aérea ocupada, enquanto 86% dos pequenos proprietários
(que ocupam imóveis de 10 a 100 hectares) ocupam apenas 21,4 da área.

O Brasil precisa de uma reforma agrária que liquide a estrutura latifundiária
atual e desenvolva em seu lugar um amplo e massivo plano de acesso à terra e a
água. Por tudo isso, a luta pela reforma agrária é mais atual do que nunca e
continuará abalando o campo brasileiro enquanto o latifúndio não acabar.

É por isso que a CSP-Conlutas atua ativamente no processo de unificação das
lutas do campo e da cidade e procura agrupar todas aquelas organizações que
lutam contra o latifúndio e pela reforma agrária no país.

*Editor do jornal Opinião Socialista e pesquisador da questão agrária no Brasil
Relatório da CPT
http://www.cptnacional.org.br/index.php/component/jdownloads/send/41-conflitos-no-campo-brasil-publicacao/14019-conflitos-no-campo-brasil-2015
In
CSP CONLUTAS
http://cspconlutas.org.br/2016/11/a-luta-pela-terra-no-brasil-por-jeferson-choma/
18/11/2016

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