domingo, 11 de junho de 2017

Relações de trabalho sem proteção: de volta ao período anterior a 1930?





NOTA TÉCNICA

DIEESE

Número 179
Maio - 2017

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Relações de trabalho sem proteção: de volta ao período anterior a 1930?
Recentemente o DIEESE divulgou o balanço das negociações coletivas de 2016 (DIEESE, 2016). Os resultados de reajustes e aumentos salariais foram muito ruins, como já era de se esperar, em função da conjuntura econômica e política e conforme prediziam os dados do primeiro semestre do ano. Foram analisados 714 acordos e convenções coletivas de entidades sindicais urbanas do setor privado dos setores da indústria, do comércio e dos serviços de todo o país. Indicam esse mal resultado a alta proporção de acordos e convenções que não conseguiram nem mesmo recompor o poder de compra dos salários (36,7% do total), a grande parcela de reajustes parcelados em mais de uma vez (29,6%) e a expressiva fatia de reajustes escalonados por faixas de salários (32,4%). Além disso, também chama atenção a velocidade de piora desses indicadores de 2014 para 2015 e 2016, de modo ainda mais intenso neste último ano.
Esses resultados ruins, na perspectiva da classe trabalhadora, foram obtidos num contexto relativamente estável das “regras do jogo”. Ou seja, a evolução negativa dos resultados da negociação salarial desde 2014 ocorreu, principalmente, por causa da piora conjuntural do cenário econômico e não se deu com mudanças estruturais do ordenamento sindical e trabalhista. No entanto, vários dos principais fundamentos da organização sindical e das relações de trabalho estão em xeque hoje no Brasil, o que aumenta a incerteza sobre a evolução do poder de compra, da qualidade da ocupação e do padrão de vida dos trabalhadores e trabalhadoras.
As mudanças das relações de trabalho e da estrutura sindical atualmente em curso
Desde 2016, os poderes Executivo e Legislativo da República têm proposto várias medidas que alteram as relações de trabalho, o que tem potencial explosivo de modificar o direito do trabalho no Brasil, seja na vertente dos direitos individuais ou na dos coletivos. Algumas iniciativas também alteram a estrutura sindical e afetam negativamente a capacidade de organização, ação e resistência da classe trabalhadora. Mas também o Supremo Tribunal Federal (STF) tem emitido decisões sobre o ordenamento das relações de trabalho no país.
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a) As recentes decisões do STF sobre as relações de trabalho
O STF tem avançado sobre temas do direito do trabalho, algumas vezes em confronto com decisões do Tribunal Superior do Trabalho (TST). Além de disputas entre as esferas do Judiciário, também ocorreram confrontos entre o Legislativo e a Justiça do Trabalho em período recente. No relatório final ao Projeto de Lei Orçamentária de 2016, constam a proposta de vigoroso corte de recursos da Justiça do Trabalho e os motivos para essa decisão. A justificativa do relator para o corte explicita uma visão sobre a Justiça e o direito do Trabalho que sustenta a proposta de reforma trabalhista atualmente em tramitação no Congresso.
No caso da Justiça do Trabalho, propomos o cancelamento de 50% das dotações para custeio e 90% dos recursos destinados para investimentos. Tal medida se faz necessária em função da exagerada parcela de recursos destinados a essa finalidade atualmente. [...] As regras atuais estimulam a judicialização dos conflitos trabalhistas, na medida em que são extremamente condescendentes com o trabalhador. [...] É fundamental diminuir a demanda de litígios na justiça trabalhista. [...] Tais medidas implicam alterações na legislação, mas é preciso que seja dado início a esse debate imediatamente. A situação atual é danosa às empresas e ao nosso desenvolvimento econômico, o que acarreta prejuízos aos empregados também. Nesse sentido, estamos propondo cancelamentos de despesas de maneira substancial, como forma de estimular uma reflexão sobre a necessidade e urgência de tais mudanças. O objetivo final é melhorar a justiça do trabalho, tornando-a menos onerosa e mais eficiente, justa e igualitária. (CONGRESSO NACIONAL, 2015, p. 19-20).
Para o relator da proposta orçamentária de 2016, a Justiça do Trabalho protege excessivamente os empregados, em prejuízo das empresas e demais empregadoras e o direito do trabalho promove a judicialização dos conflitos, o aumento das demandas e a ineficiência da Justiça. Ao proclamar que o objetivo é tornar a Justiça do Trabalho mais justa e igualitária, subentende-se que, na perspectiva do relator, as empresas devem ser mais protegidas.
O STF tomou recentemente duas decisões importantes sobre greves. Em outubro de 2016, deliberou que os dias parados por motivo de greve de servidores públicos devem ser, em princípio, descontados dos salários, mas o valor pode vir a ser devolvido posteriormente, em caso de compensação das jornadas perdidas. Para essa decisão, o Supremo tomou por referência a lei de greve do setor privado. Em abril deste ano, o STF julgou inconstitucional a greve por
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parte de membros de polícias e demais funcionários da segurança pública. Na prática, o STF equiparou policiais aos militares das Forças Armadas e os proibiu de fazer greve.
Por meio de liminares, ou seja, decisões temporárias de um ministro do STF, ainda pendentes de avaliação por turma ou pelo pleno, suspenderam duas determinações do TST: a súmula, de 2009, que garantia a ultratividade dos acordos e convenções coletivos de trabalho (TST, 2012)1, e a substituição da Taxa Referencial (TR) pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo Especial (IPCA-E) para fins de correção de débitos trabalhistas2.
A prevalência do negociado sobre o legislado3 e a supressão das horas in itinere4 também foram alvos de disputa entre o STF e o TST, com decisões coletivas contrárias desses tribunais. Em setembro de 2016, em decisão liminar, um ministro do STF deliberou que o acordo coletivo firmado entre um sindicato de trabalhadores rurais e uma empresa agropecuária poderia suspender, em troca de outros benefícios, o pagamento das horas de deslocamento, contrariamente ao que determina a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT). Ainda em setembro, o pleno do TST, isto é, o conjunto de todos os ministros da instância máxima da Justiça do Trabalho, decidiu, por ampla maioria (22 votos a quatro), que a lei e a Constituição não poderiam ser rebaixadas por negociações coletivas e, portanto, as horas in itinere não poderiam ser suprimidas. Em dezembro do mesmo ano, porém, a segunda turma do STF entendeu que o direito ao pagamento das horas de deslocamento, previsto no artigo 58, § 20, da CLT, poderia ser transacionado em negociação coletiva (VEIGA, 2016).
Também em relação à terceirização, o STF tem se pronunciado. Em decisão não tão recente, de abril de 2015, o Supremo reconheceu a constitucionalidade da Lei 9.637/1998, que permite a realização de convênios do Estado com organizações sociais para prestação de serviços públicos. No fim de março de 2017, a maioria dos ministros entendeu que o Estado
1O princípio da ultratividade garante a extensão da validade de norma legal para além do prazo de vigência originalmente estipulado até que novo instrumento venha a ser firmado. Para os casos de negociações coletivas de trabalho, essa garantia estava determinada na Súmula 277, de 2009, do TST (TST, 2012). A vedação da ultratividade para acordos e convenções coletivas significa que as normas previstas nesses instrumentos, que têm vigência de um ou de dois anos, perdem efetividade caso não haja celebração de novo acordo antes da data-base seguinte. Esse risco pressiona fortemente a entidade sindical a fechar acordo ou convenção.
2 Entretanto, em março de 2015, o STF havia determinado a substituição da TR pelo IPCA-E na correção de precatórios, que são requisições de pagamento expedidas pelo Judiciário para cobrar do Estado o pagamento de valores devidos após sentença definitiva. Ver (STF, 2015).
3 Denomina-se “prevalência do negociado sobre o legislado” o princípio de que as normas pactuadas como fruto da negociação direta têm prioridade de vigência sobre o que a lei estabelece. Ou seja, vale o que está no acordo ou convenção coletiva e não o que a lei determina.
4 Horas in itinere correspondem às horas de deslocamento até o local do trabalho e as de retorno que são pagas pela empresa como tempo de trabalho, quando o local é de difícil acesso, não existe transporte público regular no trajeto e o transporte é fornecido pela empregadora.
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não é responsável por dívida trabalhista de empresa terceirizada contratada por ele e que os órgãos dos poderes Executivo, Legislativo e Judiciário só podem ser responsabilizados se forem comprovadas falhas na fiscalização do cumprimento da legislação. Além dessas decisões sobre terceirização, ainda corre no STF, desde 2014, recurso da Cenibra, empresa produtora de celulose de Minas Gerais, em que é questionada a prerrogativa do TST para editar a Súmula 331, que fundamentou a Justiça do Trabalho daquele estado para julgar ilegal a terceirização na empresa (TST, 2011)5. A Súmula 331, desde 1993, restringe a possibilidade de terceirização às “atividades meio” das empresas, ou seja, às atividades de apoio à produção principal, o que impede ou dificulta a terceirização das “atividades fim”. No julgamento do recurso da Cenibra pelo STF está em jogo a declaração da constitucionalidade ou não da Súmula 331. A tramitação desse processo judicial ocorria em paralelo à tramitação dos projetos de terceirização no Congresso Nacional.
Por fim, em outra decisão bem recente, de março deste ano, o STF estabeleceu ser inconstitucional exigir de empregados não sindicalizados contribuição assistencial por meio de acordo, convenção coletiva de trabalho ou sentença normativa. O TST e membros do Ministério Público do Trabalho já vinham limitando o recolhimento desses recursos apenas de quem fosse filiado à entidade e/ou não se opusesse de forma expressa ao desconto6.
b) Ampliando as formas de contratação: o trabalho temporário e a terceirização
Embora mais recentemente tenha emergido uma onda de ataques aos direitos da classe trabalhadora, já há mais tempo, tramitavam projetos de lei e processos judiciais que visavam ampliar as possibilidades de contratação de “empresas terceiras” para realização de etapas do processo produtivo das “empresas contratantes”. Para viabilizar a ampliação da terceirização para quaisquer etapas do processo produtivo das empresas contratantes, é necessário revogar o princípio da Súmula 331 ou a própria normativa.
Em março de 2017, existiam dois projetos de lei (PL) sobre a “regulamentação da liberação” da terceirização prontos para serem apreciados, em votação final, em uma das casas
5 A Súmula 331/1993 do TST corresponde ao que se conhecia por Enunciado 331.
6 Além dessas decisões com impacto mais estruturante sobre a ação e a organização sindical, o STF também emitiu importantes sentenças sobre direitos trabalhistas individuais: a prescrição quinquenal de não depósito, por parte das empresas, de parcelas do FGTS (em 2014), a quitação integral de direitos em Planos de Demissões Voluntárias – PDV – ou Incentivadas – PDI (em 2015); e o não direito à chamada “desaposentação” (IGLESIO, 2016).
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do Congresso. O PL 4.302/1998 estava na Câmara dos Deputados, depois de ter sido aprovado no Senado; e o PLC 30/2015, no Senado, depois de aprovado na Câmara. O PLC 30/2015 é mais recente, resultado da aprovação na Câmara do PL 4.330/2004, em 2015, e conta com
algumas salvaguardas para o Estado e os trabalhadores das empresas terceiras. Mesmo assim, a Câmara dos Deputados resgatou, em novembro de 2016, e aprovou, em março de 2017, o PL 4.302, que havia sido aprovado, em versão substitutiva, pelo Senado em 2002, mas já tinha tido o arquivamento solicitado pelo ex-presidente Luís Inácio Lula da Silva em 2003. Ao ser sancionado em 31 de março, o PL 4.302/1998 se transformou na Lei 13.429/2017, que altera a Lei 6.019/1974, cujo objeto original era o trabalho temporário nas empresas urbanas.
Trabalho temporário é aquele prestado na empresa contratante por um(a) trabalhador(a) de empresa deste tipo de trabalho contratada com o objetivo de suprir necessidade não contínua de pessoal. Até a aprovação da Lei 13.429, a Lei 6.019 possibilitava esse tipo de contratação para situações extraordinárias ou transitórias, pelo prazo de 90 dias e apenas para empresas urbanas, mas já autorizava a utilização desse tipo de contrato em qualquer atividade, ou seja, em atividades-meio e atividades-fim, das contratantes. A Lei 13.429 modificou dispositivos da Lei 6.019 e incluiu nela normas referentes à prestação de serviços a terceiros e às relações de trabalho nas empresas que prestam esses serviços (DIEESE, 2017). Com a modificação legal, o conceito de trabalho temporário foi alterado, possibilitando também a contratação periódica, intermitente ou sazonal, se houver necessidade de pessoal. Portanto, eliminou-se o caráter extraordinário desse tipo de contratação. Além disso, a nova lei retirou a limitação a empresas contratantes urbanas e estendeu a duração possível desses contratos para até 270 dias. Portanto, a Lei 13.429 amplia as possibilidades do uso do trabalho temporário por parte das empresas. Ainda permite a prestação de serviço à contratante por empresa composta por uma só pessoa, ou seja, libera a chamada “pejotização” de trabalhador(a). A lei também autoriza a formação de cadeia de subcontratação, permitindo, inclusive, que pessoa física terceirize os serviços que presta. Não se proíbe explicitamente a mera intermediação de trabalhadores. E, por fim, institui a responsabilidade subsidiária (e não a responsabilidade solidária) da contratante em relação aos direitos dos trabalhadores da empresa terceira e de trabalho temporário, o que dificulta muito a recuperação de direitos trabalhistas sonegados.
Alguns analistas têm alertado para a confusão que a Lei 13.429 faz entre “empresa de trabalho temporário” e “empresa prestadora de serviços” (CAMARGO, 2017). O texto da Lei circunscreve a possibilidade de contratação para tarefas vinculadas à atividade-meio ou à
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atividade-fim apenas aos trabalhadores de “empresas de trabalho temporário” (parágrafo 3º do artigo 9º), o que, para esses analistas, impediria a generalização da terceirização. De todo modo, pode se prever longas e intermináveis discussões jurídicas sobre o alcance da lei aprovada.
Os diferentes projetos acerca da terceirização em tramitação simultânea no Congresso e o processo no STF contra a Súmula 331 revelam o peso dos interesses empresariais que a liberação da terceirização mobiliza. Conforme se constata na experiência brasileira, a terceirização afeta as relações de trabalho em duas frentes inter-relacionadas. Por um lado, se traduz na precarização da ocupação, com a substituição de empregos mais garantidos (pela legislação e pela ação sindical) por ocupações mais precárias, com menores remunerações e direitos (piores condições de trabalho, maior rotatividade, jornadas mais longas, não contribuição para a previdência, entre outros) (DIEESE, 2017). Por outro lado, ao fragmentar os trabalhadores de determinada empresa ou de um setor econômico entre diferentes entidades sindicais representativas, a terceirização fragiliza a capacidade de organização e mobilização para as ações de defesa e reivindicação de direitos. Em outras palavras, a terceirização reduz, ao mesmo tempo, direitos dos trabalhadores e a capacidade de reação. Adicionalmente, ao permitir a pejotização e a formação de longas cadeias de subcontratação, a terceirização, conforme definida na Lei 13.429, pode inviabilizar, na prática, a fiscalização do cumprimento da legislação trabalhista, fiscal e previdenciária e, portanto, contribuir para fraudes, sonegação e precarização do trabalho na iniciativa privada e no setor público.
c) O PLC 38/2017 (antigo PL 6.787/2016): reforma ou desproteção trabalhista?
Em dezembro de 2016, o governo Michel Temer enviou ao Congresso Nacional o projeto de lei 6.787, que, em na versão original, tratava de questões referentes às relações de trabalho no que diz respeito:
 à negociação coletiva, ao propor a prevalência do negociado sobre o legislado em 13 temas especificados e ao alterar o papel da Justiça do Trabalho;
 às formas de contratação, ao ampliar as possibilidades e condições do trabalho temporário e do trabalho em tempo parcial; e
 à estrutura sindical, ao instituir a representação de trabalhadores no interior das empresas e definir sua função.
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O projeto do governo, entretanto, passou por imensa transformação nas mãos do relator na Comissão Especial da Câmara dos Deputados encarregada de analisá-lo. A proposta do relator, com poucas mudanças, foi aprovada pelo plenário dos deputados em 26 de abril de 2017. Ao ser encaminhado ao Senado Federal, o projeto passou a ser denominado projeto de lei da Câmara nº 38 de 2017 (PLC 38/2017). Ele modifica substancialmente a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), ao alterar 53 artigos (no caput e/ou parágrafo e/ou inciso), propor a inclusão de 42 e revogar outros 16 (no todo ou em parte), além de alterar ou revogar dispositivos de outras leis7.
As modificações indicadas pelo PLC 38/2017 são aqui analisadas segundo a classificação nas seguintes dimensões8:
1. estímulo ao acordo individual;
2. mudanças na negociação coletiva;
3. garantias dadas às empregadoras;
4. redução do papel do Estado;
5. redução do papel do Estado no que diz respeito à Justiça do Trabalho;
6. contenção da ação sindical;
7. retirada de direitos individuais;
8. incorporação de decisões do STF em lei;
9. ampliação das formas de contratação e demissão; e
10. outros itens (ampliação da terceirização, mudanças na remuneração e redução da base de contribuição previdenciária).
O fundamento que sustenta o PLC 38/2017 consiste em, de forma articulada, reduzir a proteção institucional aos trabalhadores, por parte do Estado e do Sindicato, e aumentar as garantias, a autonomia e a flexibilidade para as empresas nas relações de trabalho.
7 A presente análise tomou por base o texto aprovado na Câmara de Deputados em 26 de abril de 2017. O objetivo aqui não é examinar detalhadamente o PLC 38/2017. Serão investigadas as linhas gerais do projeto, a fim de se discutirem seus impactos sobre a organização e a ação sindical. Muitos dispositivos do projeto alteram o processo das reclamações trabalhistas, isto é, sua tramitação na Justiça e seus desdobramentos, mas essa questão não será tratada neste texto. Além da CLT, o PLC 38 modifica parágrafos ou dispositivos das Leis 6.019 (do trabalho temporário e prestação de serviços a terceiros), 8.036 (do FGTS) e 8.212 (da Seguridade) e a MP 2.226 (que altera a CLT).
8 Algumas mudanças podem ser classificadas em mais de uma dessas dimensões. Por exemplo, a desobrigação de a empregadora realizar no Sindicato a rescisão do contrato de trabalho de empregado(a) com mais de um ano de emprego pode ser considerada como uma forma de “contenção da ação sindical” ou de “garantias dadas às empresas”. Nesse sentido, a classificação das medidas pelas dimensões envolve certo grau de arbitrariedade.
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Uma maneira de, ao mesmo tempo, reduzir a proteção institucional e expandir a liberdade do capital verifica-se na primazia do acordo individual entre a empresa e o(a) trabalhador(a) para definição de vários direitos e regras. Pelo projeto, podem ser instituídos por acordo individual:
 a compensação das horas extras por meio de redução de jornada, ou seja, por um “banco de horas” individual, que será estabelecido por acordo escrito, se a compensação ocorrer no prazo de seis meses (artigo 59, § 5º) ou por meio escrito ou tácito9, se a compensação for no próprio mês (artigo 59, § 6º), sem mencionar a incorporação do adicional de horas extras no cálculo das horas a serem compensadas;
 a jornada de 12 de trabalho por 36 horas de descanso (artigo 59-A), que poderá ser realizada em ambientes insalubres sem necessidade de licença de autoridade responsável (artigo 60, § único) e que, pela redação do artigo 59-A, poderá ter “observados ou indenizados os intervalos para repouso e alimentação”;
 a contratação, a regulação e a reversão do “teletrabalho”, isto é, trabalho fora das dependências da empresa executado por meio de tecnologias de informação e comunicação (artigos 75-C e 75-D);
 a definição dos horários dos dois intervalos de amamentação, no caso da empregada lactante (artigo 396, § 2º); e
 os direitos referentes aos 16 pontos listados como passíveis da prevalência do negociado sobre o legislado, entre outros (artigo 611-A), no caso de profissionais de nível superior com remuneração superior a duas vezes o teto do Regime Geral da Previdência (artigo 444, § único).
Em relação à negociação coletiva, o projeto de Lei da Câmara estabelece:
 a possibilidade de prevalecer o acordado sobre o legislado no que diz respeito a, “entre outros”, 15 temas, tais como jornada de trabalho, intervalo intrajornada, compensação individual e registro da jornada; remuneração por produtividade, prêmios e PLR; planos de cargos e salários e funções de confiança; insalubridade; representação no local de trabalho; regulamento empresarial; teletrabalho, sobreaviso e trabalho intermitente (artigo 611-A)10;
9 Acordo tácito é aquele que, mesmo sem ser documentado, é implicitamente comprovado pela prática usual aceita pelas partes, isto é, empregadora e trabalhador(a).
10Conforme o projeto, até o enquadramento do setor ou empresa segundo o grau de insalubridade do ambiente e condições de atividades e a prorrogação de jornada em ambientes insalubres poderiam ser estabelecidos por negociação coletiva. Do grau de insalubridade, dependerá o afastamento da gestante das atividades insalubres,
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 a proibição de negociação coletiva para fins de redução ou extinção em relação a, “exclusivamente”, 30 itens11 (artigo 611-B), indicando que o que não está listado neste artigo pode vir a ser encaixado na expressão “entre outros” do artigo 611-A, que permite a prevalência do negociado sobre o legislado;
 vedação da ultratividade (artigo 614, § 3º); e
 a prevalência do acordo coletivo de trabalho sobre a convenção coletiva de trabalho, ou seja, as regras resultantes da contratação com uma determinada empresa têm prioridade sobre aquelas das negociações mais gerais de categoria (artigo 620).
Em termos de cláusulas de garantias concedidas às empresas, o PLC 38/2017 propõe:
 descaracterização de grupo econômico (artigo 2º, § 3º) e desresponsabilização de empresas pertencentes a mesmos proprietários em relação a débitos trabalhistas de uma delas, se não forem comprovadas “comunhão de interesse e atuação conjunta das empresas”;
 instituição do “dano extrapatrimonial” e de indenização por parte de empregado(a) à empresa, no caso de ofensa a imagem, marca, nome, segredo empresarial e sigilo da correspondência (artigo 223-A a artigo 223-G);
 não caracterização de vínculo empregatício quando da contratação de trabalhadores autônomos, mesmo que estes trabalhem só para uma empresa e de forma contínua (artigo 442-B), o que estimula a pejotização selvagem;
 termo de quitação anual de obrigações trabalhistas, em acordo entre empresa e empregado, perante o sindicato dos empregados (artigo 507-B); e
 a não consideração de duração do trabalho e intervalos como normas de saúde e segurança do trabalho (artigo 611-B, § único), o que possibilita negociação individual e coletiva em questões de jornada de 12 por 36 e redução de intervalos.
Quanto à redução do papel do Estado, o projeto aprovado na Câmara prevê:
 não exigência de informe à autoridade competente da extensão da jornada de trabalho para além das 10 horas diárias (das quais oito normais e duas extras) por necessidade imperiosa (nova redação do §1º do artigo 61); e
ainda sob condição de atestado médico, com exceção do grau máximo; enquanto o afastamento da lactante das atividades insalubres depende de atestado (artigo 394-A).
11O 30º item menciona vários artigos da CLT que protegem o trabalho da mulher, a gestação, a lactação e a adoção e combatem a discriminação em relação a sexo, idade, cor e situação familiar.
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 não necessidade de registro do Plano de Cargos e Salários da empresa no Ministério do Trabalho, até quando ele for base para a empresa pagar salários distintos para mesmas funções (artigo 461, §2º).
Ainda quanto à redução do papel do Estado, mas em particular no que diz respeito à restrição da Justiça do Trabalho, o PLC 38 propõe:
 limitação à intervenção da Justiça do Trabalho nos resultados das negociações coletivas, pela observação do “princípio da intervenção mínima na autonomia da vontade coletiva” (artigo 8º, §3º), mesmo que eventualmente se entenda que o acordo ou a convenção fira normas legais;
 limite ao escopo dos enunciados de jurisprudência do TST e dos TRTs (artigo 8º, §2º);
 possibilidade de cláusula de arbitragem como forma de solução de conflitos na contratação de profissional de nível superior com renda superior a duas vezes o teto do Regime Geral da Previdência Social (artigo 507-A);
 imposição de procedimentos estritos para elaboração pelo TST de súmulas (isto é, sínteses de decisões reiteradas sobre determinada matéria) (artigo 702, letra f);
 possibilidade de reconhecimento oficial (homologação) pela Justiça Trabalhista de acordos extrajudiciais entre empresa e empregado(a) (artigo 855-B), inclusive quanto à quitação de demandas por direitos;
 restrição de acesso gratuito à Justiça do Trabalho por parte de pessoas de baixa renda (artigo 790, §§ 3º e 4º); cobrança de perícias aos beneficiários da justiça gratuita (artigo 790-B); e pagamento, ou dívida por até dois anos, dos honorários dos advogados da parte contrária pelo beneficiário da justiça gratuita, quando perder ação, mesmo que em parte dos direitos reclamados (artigo 791-A, §§ 3º e 4º);
 imposição de multa ao chamado “litigante de má-fé”, o que pode prejudicar o recurso à Justiça para garantia de direito sonegado, em especial quando o valor da causa for alto (artigo 793-C); e
 imposição de custas judiciais ao reclamante (trabalhador ou trabalhadora) que faltar à audiência e mais garantias no caso de a reclamada (empregadora) faltar (artigo 844, §§ 2º e 4º).
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O projeto de lei aprovado na Câmara reduz o alcance da ação sindical ao estabelecer:
 a revogação da norma de que a rescisão do contrato de trabalho de uma(a) empregado(a) que tenha mais de um ano de emprego deve ocorrer no sindicato da categoria profissional ou no Ministério do Trabalho (revogação do §1º do artigo 477);
 a desobrigação da empregadora em negociar com a entidade sindical de trabalhadores nas situações de demissões coletivas (artigo 477-A);
 a anuência individual prévia e expressa por parte do(a) trabalhador(a) como condição para a cobrança de contribuições para as entidades sindicais (artigo 545; e, no caso de contribuições por acordos ou convenções coletivas, artigo 611-B, item XXVI);
 anuência prévia e expressa também como condição para a cobrança do chamado “imposto sindical” de entidades sindicais de empregadores e de empregados (artigos 578, 579, 582, 583 e 602); e
 criação de comissão de representação de empregados, para empresas com mais de 200 empregados(as) (artigo 510-A), com várias funções semelhantes às de entidades sindicais (artigo 510-B), mas em cuja eleição as entidades sindicais ficam proibidas de interferir (artigo 501-C, §1º), sem que se prevejam fontes de recursos financeiros nem disponibilidade de tempo para o exercício das atribuições pelos representantes; além disso, a negociação coletiva prevalecerá sobre a legislação também no que diz respeito ao representante dos trabalhadores no local de trabalho (artigo 611-A, item VII).
O projeto também retira direitos individuais, ao instituir:
 o não cômputo do tempo para troca de uniforme e higiene pessoal na empregadora como hora de trabalho (artigo 4º, § 2º);
 a revogação do pagamento das chamadas horas in itinere como tempo de trabalho, (artigo 58, § 2º);
 não pagamento de adicional incidentes sobre feriados trabalhados, em caso de jornada de 12 horas de trabalho por 36 de descanso (artigo 59-A, § único);
 a possibilidade de negociação da redução do intervalo para alimentação e descanso de uma hora para até 30 minutos, no caso de jornada superior a seis horas (artigo 611-A, item III) e, no caso de jornada inferior a seis horas, possibilidade de negociação da supressão do intervalo de 15 minutos (artigo 71, § 4º);
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 a possibilidade de parcelamento de férias em até três períodos, dos quais o menor intervalo de férias seria de no mínimo cinco dias, “desde que haja concordância do empregado”12 (artigo 134, § 1º), com revogação do impedimento de parcelar férias para menores de 18 anos e maiores de 50 (artigo 134, § 2º revogado);
 maiores restrições à efetivação da isonomia salarial, isto é, “salários iguais para funções iguais” no interior da mesma empresa (artigo 461);
 a não incorporação da gratificação de função à remuneração do(a) empregado(a), independente do tempo em que exerceu função de confiança (artigo 468, § 2º); e
 fim do intervalo obrigatório de 15 minutos, no caso de empregada (mulher), antes da prorrogação da jornada de trabalho (revogação do artigo 384 da CLT pelo artigo5º do PLC 38).
O projeto de lei, na versão aprovada na Câmara, ainda oficializa em lei diversas decisões tomadas pelo STF, seja por meio de sentenças ou de liminares individuais de ministros:
 quitação plena a direitos decorrentes da relação de trabalho no caso de Planos de Demissão Voluntária (PDV) ou Incentivada (PDI), se previstos em acordo ou convenção sem cláusula em contrário (artigo 477-B); e
 correção de débitos trabalhistas pela Taxa Referencial Diária – TRD (artigo 879, §7º);
 além da já citada proibição da ultratividade (artigo 614, § 3º).
 Por fim, o PLC 38/2017 altera diversas formas de contratação e de demissão de trabalhadores e trabalhadoras, ao definir:
 a expansão e modificação do trabalho por tempo parcial (artigo 58-A);
 a instituição do chamado “teletrabalho”13 (artigo 75-A a 75-E), cujos trabalhadores ficam de fora do sistema e do limite de jornada de trabalho (artigo 62, inciso III);
12 O texto atual do PLC 38/2017 não indica como a concordância do(a) empregado(a) será comprovada.
13Teletrabalho é definido, no artigo 75-B, como “[...] prestação de serviços preponderantemente fora das dependências do empregador, com a utilização de tecnologias de informação e de comunicação [...]”.
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 a instituição e a regulação do “trabalho intermitente”14 (artigos 443 e 452-A), sem garantia de remuneração no período de gozo de férias (artigos 452-A, § 9º); e
 o fim do contrato de trabalho por (pretenso) interesse de ambas as partes, com direito do(a) empregado(a) à metade da multa dos depósitos do FGTS e do aviso prévio (artigo 484-A), o que pode ser estimulado como forma de acesso mais rápido pelo(a) demitido(a) às verbas rescisórias, com perdas de direitos.
No tema das formas de contratação, o PLC 38/2017 também modifica a Lei 6.019/1974, em um dos artigos que foram recentemente alterados pela Lei 13.429/2017. O projeto propõe nova redação para o artigo 4-A da Lei 6.019, em que conceitua “prestação de serviços a terceiros” como “a transferência feita pela contratante da execução de quaisquer de suas atividades, inclusive sua atividade principal, à pessoa jurídica de direito privado prestadora de serviços”. Os propostos artigos 4-C e 5-A também liberam a terceirização em qualquer atividade da empresa contratante. Caso o PLC 38 seja aprovado, a versão modificada da Lei 6.019/1974 possibilitará a terceirização irrestrita de todas as atividades de qualquer empresa. Os artigos 4-C, 5-C e 5-D introduzem garantias referentes a certos direitos e à não transformação direta e imediata de empregados demitidos em pessoas jurídicas contratados pela mesma empresa.
Além de criar e estimular formas de contratação com baixa adesão à Previdência Social, por meio de trabalho intermitente e por tempo parcial, da terceirização e de autônomos (inclusive como pessoas jurídicas ou microempreendedor individual), o projeto de lei também reduz, de forma explícita, a base de incidência das contribuições previdenciárias. Pela regra atual, no artigo 457 da CLT, não integram os salários as ajudas de custo e as diárias de viagens, quando inferiores a 50% da remuneração. O projeto amplia as parcelas não integrantes do salário ao estabelecer que prêmios, abonos e diárias de viagens (mesmo quando superiores a 50% da remuneração) não fazem parte da remuneração, mesmo se forem habituais, e, junto com ajudas de custo e vales alimentação, não se incorporam ao contrato de trabalho individual e não compõem a base de cálculo de encargos trabalhistas e previdenciários (modificação do artigo 457, §§ 1º e 2º, da CLT; e do artigo 28, §§ 8º e 9º, da Lei 8.212/1991). Ademais, o PLC 38/2017 amplia o conceito de “prêmios” (artigo 457, § 4º), que, como visto, não irá compor
14O artigo 443, no §3º, conceitua trabalho intermitente como “[...] o contrato de trabalho no qual a prestação de serviços, com subordinação, não é contínua, ocorrendo com alternância de períodos de prestação de serviços e de inatividade, determinados em horas, dias ou meses, independentemente do tipo de atividade do empregado e do empregador, exceto os aeronautas regidos por legislação própria.”
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a remuneração e a base contributiva para a Previdência. Pode-se prever, portanto, que, se o projeto for aprovado, as parcelas não salariais ganhem peso no total da remuneração dos trabalhadores, reduzindo o valor de outros itens da remuneração associados à parcela salarial (FGTS, férias, horas extras etc.) e o valor da futura aposentadoria. E, por fim, segundo Kulzer (201715, presidente da Associação dos Magistrados da Justiça do Trabalho da 12ª região, o projeto favorece a criação de empresas com “sócios laranja” e dificulta a recuperação de débitos trabalhistas e previdenciários pela combinação de vários de seus dispositivos: alteração de conceito de grupo econômico (artigo 2º, § 3º); responsabilização de ex-sócio no máximo dois anos depois de sua saída da empresa (artigo 10-A); necessidade de comprovar fraude na sucessão empresarial para responsabilização da empresa original (artigo 448-A); prazo prescricional intercorrente (artigo 11-A). Assim, seja pela via da redução da parcela propriamente salarial, seja pelo estímulo a formas de contratação com menor grau de filiação previdenciária, seja pela dificuldade de fiscalizar e cobrar débitos trabalhistas e previdenciários, o projeto enfraquece substancialmente a sustentação da Previdência pública e a cobertura previdenciária, atual e futura, de grandes contingentes da classe trabalhadora.
O PLC 38/2017 diminui as garantias institucionais (do Estado e do sindicato) nas relações de trabalho e reforça a negociação individual direta entre empresa e trabalhador(a). Mesmo no campo da negociação coletiva, ocorre um enfraquecimento das negociações mais gerais em favor das mais específicas. Para tal, privilegiam-se as pactuações por empresa (que resultam em acordos coletivos de trabalho) em detrimento das mais gerais, com entidades sindicais patronais (que geram convenções coletivas); corta-se o financiamento das entidades sindicais; instituem-se as comissões de representação por empresa, com atribuições sindicais; estimula-se fortemente a contratação de trabalhadores não assalariados; e flexibiliza-se todo o arcabouço legal e jurídico de proteção às relações de trabalho. Com isso, trabalhadoras e trabalhadores são lançados, individualmente, na relação com as empresas e entidades empregadoras. Caso o projeto seja aprovado, diante da desproteção institucional e dado o desequilíbrio de forças provocado entre, de um lado, trabalhador(a) individual e, de outra, empresa ou entidade empregadora, é de se esperar uma degradação das condições de trabalho e de remuneração, aumento da exploração do trabalho e das desigualdades sociais.
15 Outro texto com referências a esse tema é: LBS (2017) – Nota Técnica sobre a “Reforma Trabalhista”: análise preliminar do substitutivo ao PL 6.787/2016 (LOGUERCIO, 2017).
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O que esperar do futuro?
Pode se entender o sistema de relações de trabalho de um país como o conjunto de instituições e de regras que normatizam as formas de contratação, uso, remuneração e demissão da força de trabalho; regulam as relações entre capital e trabalho (tais como a representação de interesses, de definição de atribuições, de apoio à atuação e de resolução de conflitos); e instituem a rede de proteção social associada ao trabalho (como a da previdência e do seguro desemprego).
Todo o sistema das relações de trabalho no Brasil passa, nesse momento, por profundas transformações. Pode-se até mesmo dizer que os direitos individuais e coletivos do trabalho estão sob ataque feroz. Por iniciativa do Estado, tanto pelo braço do Executivo, quanto do Legislativo e do Judiciário, têm sido propostas ou efetivadas medidas que alteram:
1. os direitos trabalhistas individuais e o direito de garanti-los,
2. as condições de exercício do trabalho (jornada, ambiente, uniforme, equipamentos),
3. as formas de contratação e de demissão,
4. as formas de remuneração,
5. o processo da negociação coletiva, inclusive quanto ao papel da Justiça do Trabalho,
6. os instrumentos de ação sindical,
7. o financiamento da organização sindical e
8. a estrutura sindical.
Segundo as regras atuais das relações de trabalho no Brasil, a Lei, incluindo as convenções internacionais às quais o país tenha aderido, institui o patamar mínimo de direitos, abaixo do qual vigora a ilegalidade. Depois da Lei, as convenções coletivas e, em seguida, os acordos coletivos16 impõem pisos adicionais aos direitos trabalhistas; e, por fim, os acordos individuais de trabalho podem prever normas, desde que acima dos patamares anteriores. O PLC 38 tenta inverter essa hierarquia, pelo menos no que diz respeito a alguns temas cruciais das relações de trabalho. O projeto dá prioridade ao acordo individual em alguns temas e no caso de trabalhadores de escolaridade e renda superiores. Ademais, coloca as normas previstas
16 Convenção Coletiva de Trabalho é o documento do resultado de negociação coletiva entre entidades sindicais de empregados e entidades sindicais de empregadores, com as regras nas relações de trabalho em toda a base das respectivas categorias de trabalhadores e de empresas. Acordo Coletivo de Trabalho constitui o termo da negociação entre entidades sindicais de empregados e uma ou mais empresas e, portanto, suas normas alcançam apenas os trabalhadores das empresas signatárias.
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em acordo por empresa(s) acima daquelas das convenções e estimula a negociação por empresa, incentivando até mesmo o embrião de “sindicato por empresa”. E lista diversos temas que, “entre outros”, podem ter vigência prioritária nos acordos ou convenções em relação às leis, o que possibilita o rebaixamento de direitos trabalhistas estabelecidos em lei. Pelo PLC 38/2017, direitos fundamentais do trabalho poderão ser objeto da negociação entre trabalhador(a) individual e a entidade empregadora. São passíveis de negociação individual, por exemplo, questões referentes à duração do trabalho (compensação das horas extras, jornada de 12 horas de trabalho por 36 de descanso, férias em três períodos); às formas de contratação (contratos de trabalho intermitente, de teletrabalho e de autônomo); às formas de demissão (desligamento de comum acordo); e à efetivação de direitos (quitação anual de obrigações trabalhistas). Existe um claro e enorme desequilíbrio de forças entre empregado(a) e empregadora, o que sujeitará a pessoa às exigências da empregadora quando da negociação individual direta. O desequilíbrio será tanto maior quanto maior for a necessidade da pessoa em manter o emprego, o rendimento ou o vínculo, mesmo que precário.
A Lei 13.429/2017 e a eventual aprovação da “reforma trabalhista” do PLC 38/2017, na versão da Câmara dos Deputados, possibilitarão a ampliação das modalidades de contratação de trabalhadores(as) em tempo parcial, de trabalho intermitente ou teletrabalho e por meio de empresas terceirizadas e de trabalho temporário. São grandes os incentivos à contratação de trabalhadores(as) autônomos(as), como pessoas físicas ou por meio de microempreendedores individuais ou da pejotização legalizada. Essa extensão da legalização de formas precárias de ocupação acarretará uma explosão dos tipos de vínculos trabalhistas na economia, com a expansão das formas com menos direitos e garantias. Esse processo também reduzirá a capacidade de defesa das organizações de trabalhadores, na medida em que fragmenta os vínculos e a representação sindical. E também trará impactos para os fundos públicos, em particular para a Previdência Social, FGTS e FAT.
A ampliação de modalidades precárias de ocupação, a instituição da prevalência do negociado sobre o legislado, a terceirização sem limites, inclusive com a transformação de trabalhadores individuais em “pessoa jurídica” (pejotização), significam o desmonte da CLT. Essa corrosão dos direitos trabalhistas é aprofundada pelo desestímulo ao recurso individual à Justiça do Trabalho decorrente da limitação do acesso gratuito a ela e do risco de multas e de pagamentos de custas processuais. Apesar de datar de 1943, a CLT tem sido atualizada ao longo do tempo. Mas, mesmo sem o pleno e irrestrito cumprimento da CLT e, ao contrário, em contexto de descumprimento generalizado das normas trabalhistas, o Estado, constituído nos
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poderes Executivo, Legislativo e Judiciário, propõe a revogação tácita dos direitos e garantias associados ao trabalho.
Em princípio, tanto as mudanças trazidas pela Lei 13.429 quanto as propostas pelo PLC 38 atingem trabalhadores cobertos pela CLT, ou seja, não alcançam servidores estatutários. No entanto, além de afetar as relações de trabalho de empregados públicos contratados como celetistas e de trabalhadores no serviço público terceirizado (por meio de empresas públicas, parcerias público-privadas etc.), a lógica dessas mudanças pode vir a atingir os servidores públicos concursados por meio da transposição do ordenamento jurídico do setor privado ao setor público. Isso pode ocorrer de modo mais informal, com a CLT funcionando de referência para direitos de servidores como também de maneira mais institucionalizada, conforme se deu com a utilização pelo STF da lei de greve do setor privado como baliza para definição dos limites e procedimentos da greve no setor público.
Esse conjunto de mudanças nas relações de trabalho, por sua vez, terá impactos negativos relevantes sobre a sociedade e a economia. Os impactos serão tão mais graves quanto mais as mudanças se inter-relacionam e reforçam.
Além da reforma trabalhista, também está em pauta nesse momento uma reforma profunda da Previdência pública, que impõe regras mais duras para o acesso aos benefícios previdenciários e para fixação dos valores, reduzindo-o. As formas precárias de ocupação trarão como consequência aumento da rotatividade, instabilidade e baixas remunerações no mercado de trabalho, além de menor grau de filiação previdenciária. Portanto, a combinação da precarização do trabalho com regras mais rígidas para acesso ao benefício, com elevação do tempo mínimo de contribuição para 25 anos, excluirá mais trabalhadores e trabalhadoras do direito de contar com a previdência no fim da vida laboral. Ainda que consigam contribuir por 25 anos, os pequenos valores de contribuição levarão, mais frequentemente que hoje, a aposentadorias de apenas um salário mínimo.
Também terá consequências bastante adversas a combinação da prevalência do negociado sobre o legislado com o enfraquecimento sindical, decorrente da fragmentação da base de trabalhadores e da limitação dos instrumentos de ação, mobilização e financiamento. Ou seja, simultaneamente ao propalado “reforço da importância da negociação”, as medidas enfraquecem o ator negociador, isto é, o sindicato. Em outras palavras, a importância da negociação é elevada e a capacidade de negociação do sindicato de trabalhadores, rebaixada. Essa combinação será ainda mais nefasta em situações de recessão econômica, alto desemprego
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e baixo poder de mobilização dos sindicatos que resistirem. Quem acompanha de perto as negociações coletivas sabe que é muito difícil estabelecer avanços em convenções e acordos coletivos, o que significa que as perdas sofridas em momentos de crise econômica dificilmente serão revertidas ou apenas com grande e prolongado esforço.
É de se esperar, portanto, que, caso vinguem essas mudanças, as negociações coletivas passem a ter, no longo prazo, resultados similares aos de 2016. Em 2017, as quedas sucessivas da inflação acumulada em 12 meses a cada data-base favorecem os resultados salariais e a reposição das perdas. Os avanços em benefícios e nas condições de trabalho, porém, tendem a minguar. Na verdade, as mudanças propostas apontam para um retrocesso gigantesco nas condições sociais, políticas e econômicas. As propostas sinalizam para aumento das desigualdades sociais e a fragilização da democracia, com a perda de voz da classe trabalhadora. Também na dimensão mais estritamente econômica, as mudanças propostas trarão impactos negativos. A estrutura produtiva brasileira, com exceção do setor produtor de commodities (como o agronegócio e a extração de minerais), depende essencialmente do mercado consumidor interno. Do ponto de vista restrito de uma empresa em particular, as alterações no ordenamento das relações de trabalho podem significar redução de custos e maior facilidade para adaptar o volume de pessoal às flutuações e características da demanda; mas, do ponto de vista mais geral e do mercado consumidor, a generalização dessas medidas de rebaixamento do poder de compra e flexibilização dos direitos da classe trabalhadora (ativa e aposentada) vão se traduzir em encolhimento do mercado consumidor. Agregue-se a isso o empobrecimento das famílias que será gerado pela redução das políticas públicas, em particular de educação e saúde, caso prevaleça a restrição orçamentária determinada pela Emenda 95 (da PEC 241/55).
As mudanças propostas não constroem uma sociedade justa em uma democracia forte com uma economia pujante.
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Referências bibliográficas
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Diretor técnico: Clemente Ganz Lúcio
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Coordenadora de estudos em políticas públicas: Angela Maria Schwengber
Coordenadora administrativa e financeira: Rosana de Freitas
Equipe técnica responsável
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José Álvaro Cardoso (crítica)
Airton dos Santos (crítica)
Patrícia Pelatieri (crítica)


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Maio de 2017

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