sábado, 16 de setembro de 2017

As Brigadas anarquistas da OTAN


Thierry Meyssan

Apresentado no Ocidente como a concretização de uma simpática utopia, o
novíssimo «Rojava» é na realidade um Estado colonial, desejado e montado com
violência por Washington. Desta vez trata-se de expulsar as populações do Norte
da Síria e de as substituir por gente que não é natural de lá. Para realizar
esta limpeza étnica, o Pentágono e a CIA mobilizaram combatentes nos círculos da
extrema-esquerda europeia. Thierry Meyssan revela este projecto insano, em curso
desde há um ano e meio.

  Em Fevereiro de 2016, o «Czar anti-terrorista» da Casa Branca, Brett McGurk,
  foi enviado pelo Presidente Obama para supervisionar a batalha de Aïn al-Arab
  (Kobane). Na ocasião, ele foi condecorado pelo YPG, cuja casa-mãe —o PKK
  turco— é no entanto considerado por Washington como «terrorista».
«A guerra, é a paz. A liberdade, é a escravatura. A ignorância, é a força».
George Orwell, 1984.
Nos anos de 1980-90, a sociedade curda era extremamente feudal e patriarcal. Ela
era mantida num grande sub-desenvolvimento, o que levou os curdos a revoltar-se
contra as ditaduras militares que se sucederam em Ancara [1].
O Partido dos trabalhadores do Curdistão (PKK) era uma organização
marxista-leninista, apoiada pela União Soviética, lutando contra as ditaduras
dos generais kemalistas, membros da OTAN. Ele libertou as mulheres e juntou-se
aos combates progressistas. Com a ajuda de Hafez el-Assad, instalou um campo de
treino militar na planície libanesa de Bekaa, sob a protecção da Força de Paz
síria, ao lado do campo da FPLP palestina.
Durante este período, o PKK não achava qualificativos suficientemente duros
contra «o imperialismo americano».
Aquando da dissolução da URSS, o PKK dispunha de mais de 10. 000 soldados a
tempo inteiro e de mais de 75. 000 reservistas. Esta guerra de libertação
destruiu mais de 3. 000 aldeias e provocou mais de 2 milhões de deslocados.
Apesar deste imenso sacrifício, ela foi um fracasso.
Detido no Quénia, em 1999, durante uma operação conjunta dos serviços secretos
turco, norte-americano e israelita, Abdullah Öcalan foi preso na ilha de İmralı,
no Mar de Mármara. O PKK afundou-se, dividido entre o seu chefe preso, favorável
a uma negociação de paz, e o seus lugar-tenentes, para quem a guerra se tornara
um modo de vida. Ainda ocorreram alguns atentados, sem que se saiba
verdadeiramente quais os que foram provocados por combatentes, que se recusavam
a desarmar, ou por uma facção da gendarmaria, o JITEM, que recusava igualmente o
cessar-fogo.
No início da «Primavera Árabe», Abdullah Öcalan reconstruiu o PKK a partir da
sua cela, em torno de uma nova ideologia. No seguimento de negociações secretas
com a OTAN, na prisão de İmrali, abandonou o marxismo-leninismo em favor do
«municipalismo libertário». Ele que sempre lutara contra a Turquia afim de
construir seu próprio Estado, o Curdistão, considerava agora que todo o Estado
é, em si mesmo, um instrumento de opressão [2].
Os militantes do PKK que tinham sido forçados a fugir da Turquia, durante a
guerra civil, encontraram refúgio no norte da Síria [3]. Em nome dos seus,
Öcalan comprometera-se por escrito a jamais reivindicar território sírio. Em
2011, no início da guerra ocidental contra a Síria, os curdos formaram milícias
para defender o país que os tinha acolhido e que os havia naturalizado.
No entanto, a 31 de Outubro de 2014, um dos dois co-presidentes do YPG, o ramo
sírio do PKK, Salih Muslim, participou numa reunião secreta no palácio do Eliseu
com o Presidente francês François Hollande e o seu homólogo turco, Recep Tayyip
Erdoğan. Ele viu ser-lhe prometido o posto de chefe de Estado, se concordasse em
se envolver na recriação do Curdistão… mas, na Síria.
De imediato, a Coligação (Coalizão-br) Internacional, que os Estados Unidos
acabam de criar pretensamente contra o Daesh (E. I.), apoiou o YPG,
fornecendo-lhe dinheiro, formação, armas e um enquadramento. Esquecidas portanto
as imprecações contra Washington, tornado agora um tão excelente aliado. A
organização curda começou a expulsar os habitantes das regiões às quais tinha
deitado o olhar de cobiça.
  Publicidade norte-americana
Uma vez que não tinha havido até aí nenhum combate do YPG contra o Daesh (EI),
os Estados Unidos encenaram um terrível confronto em Ain al-Arab, rebaptizada
para a ocasião com o nome kurmandji de Kobane. A imprensa internacional foi
convidada a cobrir o acontecimento sem correr perigo. Esta cidade está
localizada na fronteira sírio-turca e os jornalistas puderam seguir os combates
com binóculos a partir da Turquia. Ignora-se aquilo que verdadeiramente se
passou em Ain al-Arab, uma vez que a imprensa não foi autorizada a lá entrar. No
entanto dispõe-se de imagens filmadas por tele-objectiva e parecendo confirmar
de longe os comunicados relatando a selvajaria dos combates. Seja como for, o
Ocidente unanimemente concluiu que os curdos eram os aliados de que eles
precisavam contra o Daesh(EI) e a Síria.
  «Nem Deus, nem Estado!», venham defender o Estado de «Rojava» e lutar «contra
  todas as forças da reacção», ao lado do Império americanos
A imprensa ocidental assegura que metade dos soldados curdos são mulheres, como
estatutariamente metade das instâncias dirigentes do PKK / YPG. Ora, sobre o
terreno a sua presença é raríssima. Os jornalistas afirmam igualmente que elas
aterrorizam os jiadistas, para os quais ser morto por uma mulher seria uma
maldição interditando o acesso ao paraíso. Curiosamente, a mesma imprensa ignora
que o Exército Árabe Sírio inclui também batalhões femininos, que os jiadistas
atacam com a mesma raiva que dispensam aos seus homólogos do sexo masculino.
Apesar das aparências, o YPG não é tão numeroso como afirma. Muitos curdos
sírios consideram os Estados Unidos como um potência inimiga e a Síria como a
sua nova pátria. Eles recusam a seguir as fantasias de Salih Muslim. Assim, o
Pentágono adicionou aos «seus« curdos, não só alguns mercenários árabes e
assírios, mas sobretudo militantes da extrema-esquerda europeia.
Da mesma forma que a CIA alistou brigadas de dezenas de milhares de jovens
muçulmanos ocidentais para fazer deles islamistas, do mesmo modo, ela recrutou
anarquistas europeus para formar Brigadas Internacionais, dentro do modelo das
que se bateram em 1936, em Barcelona, contra os fascistas. Encontra-se assim,
como tropas complementares do YPG/OTAN, o Batalhão Antifascista
Internacionalista (Europa Central), a Brigada Bob Crow (Ingleses e Irlandeses),
a Brigada Henri Krasucki (Franceses), as Forças Internacionais e Revolucionárias
da Guerrilha do Povo (Americanos), a União Revolucionária para a solidariedade
internacional (Gregos), a União do Partido marxista-leninista (Espanhóis) e
todos os grupúsculos turcos pro-EU (DK, DKP, MLSPB-DC, PDKÖ, SI, TDP, TKEP/L ,
TKPML), citando apenas os mais salientes [4].
  Vinde lutar contra o Capital, com as Forças especiais dos Estados Unidos em
  «Rojava» !
A batalha de Ain al-Arab, suposta de opondo jovens Sírios favoráveis ao Califado
a jovens Curdos, custou sobretudo a vida, de uma parte e de outra, a jovens
Europeus em busca de um mundo melhor. Os países europeus inquietam-se com o
possível retorno de jovens jiadistas a suas casas, mas não do de jovens
anarquistas, afinal também perigosos. Provavelmente porque é muito mais fácil
manipular estes últimos e de os reciclar nas próximas aventuras imperialistas.
Em Junho de 2015, o Partido Democrático dos Povos (HDP), a nova expressão
política do PKK, recebeu um abundante apoio financeiro e enquadramento da CIA,
contra o AKP de Recep Tayyip Erdoğan. Subitamente, ele atingiu o mínimo dos 10%
de votos necessários para entrar na Grande Assembleia Nacional e conseguiu 80
deputados.
A 17 de Março de 2016, o YPG proclamou a autonomia de «Rojava», quer dizer da
língua de terra ligando a região do Curdistão Iraquiano ao mar Mediterrâneo, a
todo o comprimento da fronteira sírio-turca, mas unicamente do lado sírio.
Entretanto «Rojava» incluiria ainda, parcialmente, a zona de Idlib actualmente
ocupada pela Alcaida.
Sendo este Estado proclamado por gente que daí não é natural em detrimento dos
autóctones, trata-se, pois, de um projecto colonial, comparável a Israel,
auto-proclamado na Palestina por judeus que aí haviam comprado terras. A
denominação «Rojava» foi escolhida para distinguir este território do
«Curdistão» que, como tal, se localiza na Turquia, onde foi proclamado em 1920
pela conferência de Sèvres [5].
Numa altura em que o emirado da Alcaida em Idlib e o califado do Daesh(EI) em
Rakka vão encolhendo progressivamente, a OTAN prossegue o seu plano de divisão
da República Árabe Síria e ambiciona criar o «Rojava» de Kameshli.
A imprensa ocidental observa deslumbrada esta «Rojava», adornado com todas as
virtudes da moda: pacifista, igualitária, feminista, ecologista, favorável à
construção da identidade de género, etc. [6]. Pouco importa que o YPG seja um
exército. Pouco importa que ele lute contra os históricos habitantes do Norte da
Síria, os árabes e os assírios, uma vez que no papel formou com eles as Forças
Democráticas.

Na Síria, as Brigadas anarquistas europeias combatem sob o comando
norte-americano.
Os programas do YPG sírio e do HDP turco correspondem à estratégia militar dos
EUA. Desde 2001, o Pentágono prevê, a médio prazo, «a remodelagem do
Médio-Oriente Alargado», quer dizer a divisão dos grandes Estados em pequenos
Estados homogéneos, incapazes de lhe resistir. A mais longo prazo, prevê
lançá-los uns contra os outros até fazer regredir a região ao caos original.
Não foi «Rojava» proclamada como Estado independente porque, segundo o “novo”
Öcalan, todo o Estado-Nação seria um mal em si mesmo. De acordo com a OTAN, é
apenas um Estado autónomo que deverá se confederar com outros Estados autónomos
como os que irão suceder ao Estado-Nação Sírio, uma vez que tenha sido
derrubado. Segundo o teórico de referência do «municipalismo», o Norte-americano
Murray Bookchin, para funcionar de maneira democrática, as comunidades
libertárias devem ser homogéneas. É por isso que o «pacifista» YPG procede
actualmente à limpeza étnica de «Rojava».

In
VOLTAIRENET
http://www.voltairenet.org/article197860.html
12/9/2017

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