domingo, 17 de setembro de 2017

Respeito aos direitos humanos na República Bolivariana da Venezuela

 

      – Declaração apresentada no 36º período de sessões do Conselho de Direitos

      Humanos da ONU, 11-29/Setembro.

       por CETIM [*] 

       1 - Preocupados com a apresentação unilateral da situação na Venezuela
      incitando à violência, o CETIM deseja apresentar os esclarecimentos
      seguintes no espírito do respeito pelo direito à informação, consagrado na
      Carta Internacional dos Direitos Humanos.
       2 - Desde a primeira vitória do falecido Hugo Chávez nas eleições
      presidenciais em 1998, um processo de transformações socioeconómicas,
      políticas e culturais profundo mas pacífico, está em curso na Venezuela. A
       partir desta data e até ao êxito eleitoral do actual presidente Nicolas
      Maduro em Abril de 2013, as forças políticas que se reclamavam de um
      programa progressista comum ganharam a quase totalidade das eleições
      organizadas no país – de forma livre e democrática como certificaram
      numerosos observadores estrangeiros independentes. Ao mesmo tempo, as
      estruturas da sociedade democratizaram-se amplamente, em particular graças
      ao desenvolvimento de formas de participação popular e comunal e os
      direitos dos cidadãos venezuelanos progrediram consideravelmente. Não
      reconhecer estes avanços das liberdades civis e políticas, e da democracia
      em geral assim como os direitos económicos, sociais e culturais,
      implicaria negar uma evidência.
       3 - Durante este período, alguns dos líderes da oposição, apoiados pelo
      governo dos Estados Unidos da América, revelaram ao mundo a sua concepção
      de democracia em reiteradas ocasiões:
       i) Em Abril de 2002, ao intentarem um golpe de Estado contra a ordem
       constitucional, derrotado pela mobilização popular.
       ii) A partir de Dezembro de 2002, com o lock-out do sector petrolífero,
       ao qual o Governo respondeu assumindo a controlo da companhia petrolífera
      Petróleos de Venezuela S. A e iniciando as missões sociais
       iii) Durante todo o período que se examina, por incessantes operações de
      sabotagem da economia nacional, organizadas em colaboração com os grandes
      proprietários privados hostis à democratização.
       O povo e os sucessivos governos, sempre a partir de eleições, fizeram
      frente aos ataques das facções mais reaccionárias da oposição com firmeza,
      no entanto mantendo a paz.
       4 - Muitas vezes reiterada nas urnas, a ligação de uma ampla maioria dos
      venezuelanos ao processo de transformações do país explica-se por sólidas
      razões. Os progressos sociais foram enormes desde 1999 em todos os
      sectores: saúde, educação, cultura, alimentação, alojamento,
       infraestruturas, serviços públicos, emprego, pensões. As estatísticas
      estão disponíveis para o demonstrar. A tomada de controlo por parte do
      Estado do coração da economia – o sector petrolífero – permitiu pela
      primeira vez na história do país uma distribuição mais justa do rendimento
      derivado dos recursos naturais. Consequentemente, as desigualdades
      começaram a diminuir significativamente, embora ainda falte percorrer um
      longo caminho neste domínio. Hoje, a Venezuela, a seguir a Cuba é a
      sociedade menos desigual da América Latina. É evidente que tudo isto,
       obtido em benefício da maioria, não pode satisfazer os mais ricos.
       5 - Sob a direcção do presidente Chávez, a Venezuela tomou parte activa
      na construção de um mundo mais equilibrado, não unipolar. A "Aliança
      Bolivariana para os Povos da Nossa América" – Tratado de Comercio dos
      Povos (ALBA), abriu a perspectiva de relações regionais de cooperação e
       solidariedade situando-se numa posição oposta aos princípios de
      concorrência e maximização dos lucros privados, utilizados pela
      globalização capitalista. O mesmo aconteceu com as iniciativas aplicadas
      para permitir ao Sul subtrair-se à influência do FMI e dos oligopólios
      financeiros dominados pelo Norte. Um novo impulso reavivou o espírito de
      independência latino-americano, levando à criação de instituições comuns
      na região. Este importante avanço para os povos do Sul não poderia obter a
       aprovação das potências do Norte nem dos seus intermediários locais.
       6 - Nestas circunstâncias não é surpreendente observar que o processo de
      transformações sociais na Venezuela levanta vagas de ataques mediáticos
      furibundos, tanto no país como no estrangeiro. Estas campanhas de
      imprensa, rádio e televisão, mas também através da internet e redes
      sociais, orquestradas pelas potências do dinheiro, incitam ódios e
      difundem mentiras contra o movimento progressista. Contrastam contudo com
      o silêncio dos mesmos meios de comunicação dominantes no momento do golpe
      de Estado militar que derrubou o presidente Zelaya nas Honduras (2009) e
      dos "golpes de Estado parlamentares" que puseram fim aos mandatos dos
      presidentes Lugo no Paraguai (2012) e Roussef no Brasil (2016). Esta
      escalada mediática aumentou de intensidade após a morte de Hugo Chávez e
      da eleição à presidência em 2013 do continuador do seu projecto Nicolás
      Maduro. A coexistência de facto foi interrompida pelo triunfo dos diversos
      partidos da oposição nas eleições legislativas de Dezembro de 2015,
      impulsionando os seus líderes mais extremistas a sentirem-se autorizados a
      imitar projectos anteriores, como o hondurenho, paraguaio ou brasileiro,
      fundamentalmente antidemocráticos e a dar um passo maior desencadeando uma
      ampla operação de desestabilização da Venezuela.
       7 - Esta escalada de violência contra o presidente Maduro, legitimamente
       eleito, passou inicialmente por um voto parlamentar de auto amnistia dos
      crimes e delitos (e ao reconhecimento de facto como tais!) cometidos pelos
       líderes da oposição. Agravada em seguida por uma tentativa, rapidamente
      abortada por não terem sido cumpridas as exigências legais, de convocar um
      referendo cujo objectivo era destituir o presidente Maduro. Finalmente, e
      durante vários meses, o endurecimento de uma facção dos opositores, muito
      divididos, materializou-se sob a forma de apelos a uma intervenção de
      potências estrangeiras, na esperança de vê-las intervir nos assuntos
       internos e questionar a soberania nacional. Foi, em primeira instância, a
       Organização dos Estados Americanos que se mobilizou com o fim de excluir
      a Venezuela desta instituição, sem ter em conta os interesses nacionais.
      Os mais fanáticos opositores, que conhecem o apoio das massas populares ao
      Governo do presidente Maduro e ao processo de transformações, aspiram a
      nada menos que a uma intervenção militar exterior contra o seu país.
       8 - Quer sejam venezuelanos ou estrangeiros, os poderes que apoiam esta
       oposição levam a cabo dentro de Venezuela uma guerra económica. Mediante
      o controlo da maioria dos meios de produção na industria e na agricultura,
      vêm sendo capazes de afectar a satisfação das necessidades da população
      organizando consciente e desumanamente, com a cumplicidade de redes
      identificadas como subordinadas aos Estados Unidos, a retenção e a
      escassez de produtos alimentares e necessidades básicas; exportações em
      contrabando transfronteiriço de bens subvencionados – incluindo petróleo;
      manipulação de preços no mercado interno e distorções da taxa de cambio da
      moeda nacional no mercado negro; evasão fiscal e fugas massivas de
      capitais; e, em general, uma sabotagem sistemática da economia nacional
      destinada a submergi-la numa "crise" artificialmente mantida. A impressão
      de "caos" que daqui resulta serve de pretexto aos bancos estrangeiros e a
      algumas organizações internacionais para elevar o "risco do país" e,
      portanto, o custo do endividamento – quando as linhas de crédito exterior
      não são simplesmente interrompidas. O objectivo prosseguido é tentar
      desestabilizar o processo de transformações sociais em curso, privar o
      Estado das suas fontes de rendimentos e minar a moral do povo pela
       intensificação da escassez, desordens e descontentamentos. Isto é
      totalmente inaceitável.
       9 – Nenhuma das razões das dificuldades encontradas – que têm menos a ver
      com erros de gestão do Governo do que com a vontade deliberada dos seus
      opositores – é objectivamente analisada pelos meios de comunicação
      dominantes. Lógico: os proprietários dos grandes meios de comunicação têm
       interesse em pôr fim a este processo de transformações democráticas que,
      pelo exemplo que representa, questiona a ordem subjacente ao seu domínio.
      Por esta razão, os projectores incidem actualmente sobre os acontecimentos
      de rua em Caracas ou noutras cidades do país, apresentados como acções de
      manifestantes "pacíficos" (quando não retratados como "heróis"),
      reprimidos por uma suposta "ditadura". No tumulto actual não se pôde
      evitar excessos de ambas partes. Porém, estranhamente encobrem-se os
      crimes, inegáveis, perpetrados pelas facções extremistas destes
       "manifestantes" – entre os quais figuram grupos organizados de ideologia
      de recorte fascista e bandos de delinquentes financiados pela oposição
      mais radical para semear o terror – cujas exacções são excitadas com
      irresponsáveis apelos à violência, e em crescendo, vindo além disto de
      alguns parlamentares. Assim, entre falsa informação e fotografias
       retocadas, é o mito de um novo episódio das "revoluções coloridas" que se
      inventa, ao estilo de quem, nestes últimos anos, promoveu facções de
       extrema-direita servis aos Estados Unidos acedendo ao poder mediante o
      recurso à força. Estas manipulações de informação, tão grosseiras como
      perigosas, insultam todos os jornalistas íntegros, calcando o direito dos
      cidadãos à informação, fazendo o jogo dos adeptos da guerra civil, mas não
      poderiam enganar os observadores honestos.
       10 - Para encontrar uma saída, necessária para a situação especialmente
      dolorosa que vivem os venezuelanos, o presidente Maduro anunciou no
      passado dia 1 de Maio a sua decisão de convocar uma Assembleia Nacional
      Constituinte. Perante a negativa obstinada dos opositores mais brutais em
      reiniciar as negociações com o Governo legítimo do país, esta iniciativa
      traduz uma intenção presidencial de apaziguamento e de alargar o âmbito
      das discussões construtivas ao conjunto dos componentes da sociedade.
      Representa igualmente a consolidação das conquistas e dos objectivos
      sociais efectuados desde 2003, das formas existentes de participação
      democrática e as bases da soberania [1] que se buscam através da reforma
      da Constituição. A palavra é dada novamente ao povo, donde surge todo o
      poder, pelo voto. Tal como se conhece actualmente, esta Assembleia
      Constituinte compõe-se de 545 representantes, eleitos por sufrágio directo
      e secreto por circunscrição territorial ou sector profissional (delegados
      de municípios, comunidades indígenas, e também estudantes, empresários,
      trabalhadores, camponeses e pescadores, deficientes e reformados).
       11 - Não se trata aqui de subestimar os limites ou de desvalorizar as
       insuficiências do processo de transformações na Venezuela; nem de parecer
      querer ignorar os motivos de desaprovação, ou inclusivamente de
      exasperação, de numerosos cidadãos – motivos geralmente vinculados aos
      males herdados do sistema capitalista, de que o processo em curso não se
      emancipou totalmente (insegurança persistente, casos de corrupção,
       desigualdades reduzidas mas ainda muito elevadas, mentalidade rentista…).
      Não obstante, é necessário compreender que a parte fundamental dos
      problemas que a grande maioria dos Venezuelanos conhece presentemente tem
      por origem a hiperconcentração da propriedade dos meios de produção nas
      mãos de una pequena minoria de proprietários, suficientemente poderosos (e
      apoiados do estrangeiro) e que têm a capacidade de submergir o país numa
      "crise" – cuja organização está a seu cargo –, de prejudicar o bem-estar
      da população e fomentar a multiplicação de aptos de violência. Por
      conseguinte, nós pronunciamo-nos pelo regresso imediato à calma e ao
       diálogo, pelo respeito pela autodeterminação do povo venezuelano e o
      aprofundamento do processo de transformações democráticas que livre e
      corajosamente se iniciou há duas décadas, no espírito de progresso social,
      justiça e independência do presidente Chávez, mantendo-se fiel às acções e
      ensinamentos de Simón Bolívar [2]
       12 - No contexto das múltiplas crises (políticas, socioeconómicas,
      culturais, de alimentação, climáticas, migratórias…) e conflitos armados
      em muitas regiões do mundo, é irresponsável desencadear o caos na
       Venezuela. Os que persistem nesta via implicam as suas responsabilidades
      face ao direito internacional e deveriam responder perante a justiça pelos
       seus aptos.
       13 - Em vista do precedente, consideramos que a Venezuela necessita
      apoio, tanto da parte dos Estados como dos órgãos das Nações Unidas, de
      acordo com a Carta da Nações Unidas e do direito internacional sobre os
      direitos humanos, e não de uma campanha de ódio e desestabilização.
       Notas
       [1] Ver: Samir Amin (2017), La Souveraineté au service des peuples,
       CETIM, Genebra
       [2] Ler: Rémy Herrera (2017),  Figures révolutionnaires de l'Amérique
      latine , Delga, París, 2017 
      [*] Centro Europa-Terceiro Mundo. Trata-se de um centro de pesquisa sobre
       as relações Norte-Sul e uma organização activa nas Nações Unidas para
      defender e promover os direitos económicos, sociais e culturais e o
      direito ao desenvolvimento. Pretende ser uma interface para disseminar as
      análises e propostas dos movimentos sociais do Sul e do Norte. Foi criado
      em 1970. O seu lema é: "Não há um mundo desenvolvido e outro
      subdesenvolvido, mas sim um mundo de mal desenvolvido". Esta declaração
      escrita do CETIM foi elaborada pelo Dr. Rémy Herrera, investigador do
      CNRS, Paris, e apresentada no 36º período de sessões do Conselho de
      Direitos Humanos da ONU, de 11 a 29 de Setembro,   Ponto 4 da ordem de
      trabalhos: Situações relativas aos direitos humanos que requerem a atenção
      do Conselho.
       Ver também:
        Declaração escrita do CETIM acerca de Cuba
       Original encontra-se em  www.cetim.ch/.... . Tradução de DVC. 
       Esta declaração encontra-se em  http://resistir.info/ .  

In
RESISTIR.INFO
http://resistir.info/venezuela/cetim_11set17.html
17/9/2017

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