terça-feira, 12 de setembro de 2017

DEZ ANOS DEPOIS DO COMEÇO DA GRANDE RECESSÃO


Por Michael Roberts*


Passaram dez anos desde o começo da crise financeira global, com a notícia que o
banco francês BNP tinha suspendido a cotização dos seus fundos hipotecários de alto
risco devido «a um problema de liquidez».
Ao fim de seis meses, a torneira do crédito fechou-se e as taxas de juro
interbancárias dispararam (ver gráfico). Os bancos de todo o mundo começaram
a ter grandes perdas nos fundos derivados que tinham criado para lucrarem com
o boom da habitação que tinha estoirado nos EUA, e começaram a tremer. E os
EUA e o mundo entraram no que mais tarde se chamou A Grande Recessão, a
pior queda de produção e do comércio mundial desde a década de 1930.
Dez anos mais tarde, é bom recordar algumas das lições e implicações desse
terramoto económico.
Em primeiro lugar, as instituições oficiais e os economistas ortodoxos não a
viram chegar. Em 2002, o chefe do Banco da Reserva Federal, Alan Greenspan,
a que chamavam «o grande professor», por aparentemente ter concebido um
importante boom económico, anunciou que os derivados, isto é, as inovações
financeiras nos fundos hipotecários, etc., tinham «diversificado o risco», de modo
que os «choques que afetam o conjunto da economia são melhor absorvidos e
menos propensos a provocar quebras em cascata que pudessem ameaçar a
estabilidade financeira». Ben Barnanke que por fim foi presidente do FED
durante a crise financeira global, tinha dito em 2004 que «as últimas décadas
viram uma acentuada redução da volatilidade económica», que ele denominou
de a Grande Moderação. Ainda em 2007, o FMI concluiu que «nas economias
avançadas, as recessões económicas tinham praticamente desaparecido no
período do pós-guerra».
Uma vez que se tornou patente a profundidade da crise em 2008, Greensran
afirmou perante o Congresso dos Estados Unidos: «estou num tal estado-dechoque
que não posso acreditar nisto». Perguntaram-lhe: «por outras palavras,
chegou à conclusão que a sua visão do mundo e a sua ideologia estavam
erradas, que não funcionavam?» (Presidente do Comité de Supervisão do
Congresso, Henry Waxman). «Efetivamente, essa é precisamente a razão
porque pela qual me surpreendi, porque durante 40 anos, ou mais, uma
considerável quantidade de dados demonstrava que funcionavam
excecionalmente bem».
Os grandes economistas ortodoxos não responderam melhor. Quando lhes
perguntaram qual era a causa da Grande Recessão, se não era o rebentar da
bolha do crédito, o laureado com o prémio Nobel e um dos principais
economistas neoclássicos da Escola de Chicago, Eugene Fama, respondeu:
«Não sabemos o que causa as recessões. Não sou um especialista em
macroeconomia, por isso ela não me preocupa demasiado. Nunca soubemos.
Até hoje continuam os debates sobre a causa da Grande Depressão. A teoria
económica não é muito boa quando tem de explicar as oscilações na atividade
económica… Se pudesse ter previsto a crise, tê-lo-ia feito. Não a vi chegar.
Gostava de saber mais sobre a causa dos ciclos económicos».
O que em breve viria a ser o economista chefe do FMI, Olivier Blanchard,
comentou em retrospetiva que «A crise financeira coloca uma crise
potencialmente existencial da macroeconomia. (…) alguns fundamentos
[neoclássicos] básicos estão em questão, por exemplo, a separação limpa entre
os ciclos e as tendências “ou” as ferramentas econométricas, na base de uma
visão de um mundo estacionário à volta de uma tendência, estão a ser
questionados».
Mas também a maioria dos chamados economistas heterodoxos, incluindo os
marxistas, viram vir a crise e consequente Grande Recessão. Houve algumas,
poucas, exceções: Steve Keen, o economista australiano previu uma crise do
crédito baseado na sua teoria de que «o elemento essencial que dá lugar às
depressões é a acumulação de dívida privada» e que nunca tinha sido maior que
em 2007 nas principais economias. Em 2003, Anwar Shaikh calculou que a
queda da rentabilidade do capital e a descida do investimento dariam lugar a
uma nova depressão. E um discípulo escreveu em 2005: «Não houve ua tal
coincidência de ciclos desde 1991. E desta vez (diferentemente de 1991),
estarão acompanhados de uma queda da rentabilidade no quadro de um ciclo de
Kondratiev de queda dos preços. Tudo está de rastos em 2009-2010! Isto sugere
que podemos esperar uma crise económica muito severa, de uma intensidade
desde 1980-82 ou antes». (A Grande Recessão).
Quanto ás causas da crise financeira mundial e a consequente Grande
Recessão, foram analisadas até à saciedade desde então. A economia
convencional não previu a crise e não foi capaz de a explicar depois. A crise
adotou claramente um a forma financeira: o colapso dos bancos e outras
instituições financeiras e as armas de destruição massiva financeiras, para usar a
famosa frase de Warren Buffett, o investidor com mais êxito dos mercados de
valores do mundo. Mas muitos caíram de novo na teoria da probabilidade, um
evento entre mil milhões; um ‘cisne negro’ como afirmou Nassim Taleb.
Alternativamente, o capitalismo inerentemente instável e as depressões
ocasionais eram inevitáveis. Greenspan adotou este ponto de vista: «Não
conheço nenhuma forma de organização económica baseada na divisão de
trabalho (refere-se ao ponto de vista de Adam Smith de uma economia
capitalista), desde um laissez-faire sem restrições a uma planificação central
opressiva que tenha tido êxito no momento de conseguir alcançar ao mesmo
tempo o máximo crescimento económico sustentável e uma estabilidade
permanente. A planificação central decididamente não, e duvido muito que a
estabilidade se possa alcançar nas economias capitalistas, dado que os
mercados são sempre turbulentos e aproximam-se, mas nunca atingem o
equilíbrio». E acrescentou: «a menos que haja uma decisão da sociedade de
abandonar os mercados dinâmicos e estabelecer alguma forma de planificação
central, temo que prevenir bolhas, no final, seja inviável. Mitigar as suas
consequências é tudo o que podemos esperar».
A maioria dos dirigentes económicos oficiais como Blanchard e Bernanke só
viam os fenómenos superficiais da crise financeira e chegaram à conclusão que
a Grande Recessão foi o resultado da imprudência financeira de uns bancos não
regulados ou do ‘pânico financeiro’. Isto coincidiu com alguns pontos de vista
heterodoxos inspirados pelas teorias de Hyman Minsky, o economista
keynesiano radical da década de 1980, de que o sector financeiro é
inerentemente instável devido ao «sistema financeiro necessário para a
vitalidade e o vigor capitalistas, que traduz o espírito animal empresarial na
procura do investimento real, albergar um potencial de expansão fora do
controlo, impulsionado pelo auge do investimento». Steve Keen, um discípulo de
Minsky explica-o assim: «o capitalismo é inerentemente defeituoso, sendo
propenso a auges, crises e depressões. Esta instabilidade, na minha opinião,
deve-se às caraterísticas que o sistema financeiro deve possuir se for coerente
com um capitalismo real». A maioria dos marxistas adotaram um ponto de vista
semelhante ao de Minsky, ao interpretar a Grande Recessão como a
consequência da ‘financeirização’ e da criação de uma nova forma de fragilidade
em capitalismo.
Um dos principais keynesianos, Paul Krugman arremeteu contra os erros da
escola neoclássica, mas não ofereceu nenhuma explicação própria, para além de
que se tratava de uma ‘falha técnica’ que necessitava e podia ser corrigida
através da restauração da procura efetiva.
Muitos poucos economistas marxistas recuperaram a explicação original de Marx
sobre as causas das crises comerciais e financeiras e das depressões produtivas
resultantes. Um deles foi G. Carchedi, que resumiu este ponto de vista no seu
excelente, mas amiúde ignorado Behind the Crisis, assim: O ponto básico é que
as crises financeiras são provocadas pela redução produtiva da economia. Deste
modo chega-se a um ponto em que tem de haver uma deflação repentina e
massiva nos sectores financeiros e especulativos. Apesar de parecer que a crise
se gerou nestes sectores, a causa última reside na esfera produtiva e na queda
da taxa de lucro». De acordo com essa explicação, o melhor livro sobre a crise
continua a ser o de Paul Mattick Jr., Business as usual.
E de facto, a rentabilidade nos sectores produtivos das grandes economias
capitalistas era historicamente baixa em 2007, como vários estudos
demonstraram. Nos EUA, a rentabilidade atingiu o seu ponto máximo em 1997, e
o aumento da rentabilidade no boom do crédito de 2002-06 foi elevadíssima nos
sectores financeiros e imobiliário. Isto provocou um enorme crescimento do
capital fictício (ações e dívida) que não podia ser justificada por uma substancial
melhoria dos lucros do investimento produtivo.
No seu conjunto, os lucros começaram a cair em 2006, mais de um ano antes da
crise do crédito rebentasse em agosto de 2007. A queda dos lucros significou um
excesso de acumulação de capital e, portanto, uma forte redução do
investimento. Uma queda na produção a que se seguiu no emprego e nos
ingressos. É isto a Grande Recessão.
Desde o fim dessa recessão em meados de 2009, a maioria das economias
capitalistas experimentaram uma recuperação muito débil, muito mais débil que
depois de outras recessões anteriores no pós-guerra, e em alguns aspetos,
inclusive, mais débil que na década de 1930. Um recente relatório do Instituto
Roosevelt de JW Mason conclui que «não há precedentes da debilidade do
investimento no ciclo atual. Quase dez anos depois, o a inversão real mantém-se
em menos de 10% acima de 2007. É tudo muito lento, inclusive em relação ao
anémico ritmo de crescimento do PIB e muito baixo em termos históricos».
Assim, a Grande Recessão converteu-se na Longo Depressão da forma como foi
descrita, um termo também adotado por muitos outros, incluindo economistas
keynesianos como Paul Krugman e Simon Wren-Lewis. Por que razão não foi a
Grande Recessão seguida de uma recuperação económica ‘normal’ das taxas de
investimento e de produção anteriores? Os economistas da corrente monetarista
argumentam que os governos e os bancos centrais foram lentos no momento de
reduzir as taxas de lucro e adotar as ferramentas monetárias ‘não convencionais’
como a flexibilização quantitativa. Mas quando o fizeram, estas políticas não
parecem ter conseguido reativar a economia e alimentaram apenas um novo
boom bolsista e creditício.
A escola neoclássica que se deve reduzir a dívida, já que limita a capacidade das
empresas para intervir, enquanto os governos diminuem o acesso ao crédito
devido aos seus altos níveis de endividamento. Ignoram a razão da elevada
dívida pública, a saber, o enorme custo do resgate dos bancos a nível mundial e
a queda das receitas fiscais provocada pela recessão. Ao contrário, os
keynesianos dizem que a Longa Depressão se deve à ‘austeridade’, isto é, ao
facto de os governos tratarem de reduzir a despesa pública e equilibrar os
orçamentos. No entanto, as provas que apoiam esta conclusão não são
convincentes.
O que os pontos de vista neoclássicos, keynesianos e heterodoxos têm em
comum é negar a função dos lucros e da rentabilidade nas fases de alta e de
crise em capitalismo. O resultado é não procurarem uma explicação para o baixo
investimento como consequência da baixa rentabilidade.
No entanto, a correlação entre lucros e investimento é elevada e permanentemente
confirmada, e na maioria das economias capitalistas continua a ser inferior a 2007.
Depois de dez anos e uma fase de longa recuperação económica, mas
claramente muito débil do ‘ciclo económica’, em breve temos aí outra crise?
Assim parece sugeri-lo a história. Na minha opinião não será provocada por outra
crise imobiliária. Na maioria dos países os preços do imobiliário ainda não
recuperou para os níveis de 2007, apesar das baixas taxas de juro, e da
modéstia do volume das transações de casas.
A nova chispa é provável que seja o próprio sector industrial. A dívida corporativa
continuou a subir em todo o mundo, particularmente nas chamadas economias
emergentes. Apesar das baixas taxas de juro, uma importante parte das
empresas mais débeis apenas são capazes de pagar as suas dívidas. A empresa
S&P Capital IQ assinalou que a massa recorde de 1,84 biliões de dólares em
efetivo em poder das empresas não financeiras dos EUA mascara uma dívida de
6,6 biliões de dólares. A concentração de dinheiro em efetivo das 25 maiores
empresas, que representam 1% das empresas, é atualmente mais de metade do
dinheiro acumulado em efetivo, quando há cinco anos era de 38%.
O enorme falatório sobre os gigantes como a Apple, Microsoft, Amazon e as suas
resevas em dinheiro oculta a situação real das grandes empresas
As margens de lucro global estão a reduzir e os lucros das empresas financeiras dos
Estados Unidos estão a cair.
E agora, os bancos centrais, a começar pela Reserva Federal dos Estados
Unidos, começaram a reverter a «flexibilização quantitativa» e a aumentar as
taxas de juro. O custo dos empréstimos e do serviço da dívida existente vai
crescer, precisamente no momento em que a rentabilidade está a cair.
Esta é uma receita para uma nova crise, dez anos depois da última de 2008.
* Michael Roberts economista marxista britânico trabalhou 30 anos na City
londrina como analista económico.
Este texto foi publicado em: http://www.sinpermiso.info/textos/diez-anosdespues-
d el-comienzo-de-la-gran- recesion
Tradução de José Paulo Gascão

In
O DIÁRIO.INFO
https://www.odiario.info/b2-img/DEZANOSAPSOCOMEODARECESSOPOR.pdf
12/9/2017

Nenhum comentário:

Postar um comentário