domingo, 3 de setembro de 2017

      A Revolução de Outubro e a sobrevivência do capitalismo


       por Prabhat Patnaik [*] 


       A Revolução de Outubro foi a primeira revolução na história humana
      teoricamente concebida e executada de acordo com um plano. Enquanto a
      revolução de Fevereiro, como as revoluções burguesas anteriores na
      Inglaterra e França, havia ocorrido espontaneamente, o mesmo não se pode
      dizer da de Outubro. Ao mesmo tempo, ela certamente não foi o que seus
      detratores muitas vezes sugerem, isto é, uma mera revolta Blanquista. Ela
      não foi uma revolta do tipo "a revolução é uma coisa maravilhosa, então
      vamos tentar isto". Pelo contrário, foi baseada numa análise teórica
      precisa da conjuntura, e no desenvolvimento desta teoria a um nível onde,
      para tomar emprestado as palavras de Georg Lukács, "a teoria irrompe na
      práxis" [1] . É esta compreensão teórica da conjuntura que sublinha a
       revolução e que explica a sua amplitude, a enorme energia que gerou, as
      mudanças profundas que operou no mundo, e a extensão em que ameaçou a
      própria existência do capitalismo. Que esta ameaça se tenha esmaecido
      resulta do fato de que a própria conjuntura se alterou de maneira que não
      pôde ser antecipada dentro do estágio de conhecimento teórico que então
      havia.
       A aliança Operário-Camponesa 
       Esta compreensão teórica da conjuntura se desenvolveu em estágios. Dois
      passos foram de particular importância. O primeiro, datando do começo do
      século XX, e expresso na polémica de V. I. Lenin contra a corrente
      representada pelo "Novo Iskra" de Alexander Martynov e outros dentro do
      Partido Social-Democrata dos Trabalhadores Russos, ao qual todos eles
      pertenciam, foi a compreensão de que em países de desenvolvimento
      capitalista tardio a nova burguesia emergente não era mais capaz de
      completar a revolução burguesa contra a ordem feudal, da maneira que a
      burguesia francesa havia feito durante a revolução de 1789 [2] . Isto
      acontecia porque, nesta nova situação que enfrentava, esta burguesia tinha
      medo de que um ataque à propriedade feudal pudesse resvalar em um ataque
      contra a própria propriedade burguesa.
       Para isto era necessário uma aliança operário-camponesa sob a liderança
      da classe trabalhadora. Mas tal aliança, tendo avançado a revolução
      burguesa contra a ordem feudal, não poderia apenas parar ali, com a classe
      trabalhadora meramente revertida ao papel de classe explorada dentro da
      recém-desencadeada ordem capitalista, cujo próprio desencadeamento ela
      havia ajudado a operar. A classe trabalhadora, tendo levado à frente a
       revolução burguesa, iria obviamente continuar a marcha ao socialismo em
      um processo revolucionário ininterrupto, dentro do qual, obviamente, os
      constituintes precisos da aliança operário-camponesa permaneceriam
      mudando. Como Lenin coloca em seu  Duas Táticas da Social-Democracia na
      Revolução Democrática  (1905):

       "O proletariado deve levar a termo a revolução democrática, atraindo para
      si a massa dos camponeses, para esmagar pela força a resistência da
      autocracia e paralisar a instabilidade da burguesia. O proletariado deve
      fazer a revolução socialista, atraindo para si a massa dos elementos
      semi-proletários da população, para quebrar pela força a resistência da
       burguesia e paralisar a instabilidade dos camponeses e da pequena
       burguesia."  [3]
    Essa conceção de uma aliança operário-camponesa liderada pelo proletariado
    com uma composição de classes mutável ao longo do tempo, carregando a
    revolução democrática até sua completude e além até o socialismo, não foi
    apenas um grande passo na compreensão da conjuntura. Ela representou um
    avanço fundamental dentro da própria teoria marxista de diversas formas: em
    primeiro lugar, foi uma mudança de atitude em relação ao campesinato, uma
     inclusão do mesmo dentro das fileiras das forças revolucionárias que a
    classe trabalhadora poderia liderar. A habilidade da burguesia de conseguir
    o apoio do campesinato na revolução francesa servira-lhe bem não apenas
    naquele momento mas também depois, para derrotar a Comuna de Paris (com
    Adolphe Thiers instilando o medo entre o campesinato francês, beneficiário
    da revolução de 1789, de que um ataque à propriedade burguesa acarretasse
    também um ataque à pequena propriedade). No entanto, na nova conjuntura o
    campesinato se tornaria parte do campo proletário. Em segundo lugar, esta
    mudança de atitude em relação aos camponeses também fez do marxismo, até
    então confinado à Europa, uma doutrina revolucionária de relevância para
     todo o mundo, não importando quão limitado tivesse sido o grau de
     desenvolvimento capitalista. Em terceiro, a transição entre estágios do
    socialismo era agora o curso que todos os países no mundo deviam seguir para
    a libertação do povo. O socialismo não era mais apenas um assunto que dizia
    respeito a países de capitalismo avançado; ele poderia também ser inscrito
    na agenda revolucionária dos países capitalistas subdesenvolvidos, o que
     significava uma total rejeição de qualquer tentativa de reduzir o marxismo
    a uma teoria etapista onde diferentes modos de produção haviam de se suceder
    em uma maneira predeterminada por uma questão de inevitabilidade histórica.
    De fato, a jornada dos países de capitalismo avançado poderia ser direta,
    enquanto a de países de capitalismo subdesenvolvido deveria ser uma
    prolongada transição histórica passando por diferentes fases; mas o
    socialismo poderia ser o objetivo final de todas as lutas revolucionárias,
    em todos os lugares.
     Imperialismo 
     O segundo passo teórico importante para compreender a conjuntura veio com a
    teoria Leninista do imperialismo, desenvolvida no contexto da Primeira
     Guerra Mundial. O fato de o capital se centralizar nos campos da finança e
    da indústria, uma tendência imanente sob o capitalismo de acordo com Karl
    Marx, havia levado à formação de monopólios nestas esferas e de uma pequena
    oligarquia financeira que oscilava entre as duas esferas e controlava vastas
    quantidades de "capital financeiro", e o fato de que desenvolvia uma união
    pessoal com empregados do Estado, exercendo controle sobre este e alterando
    seu caráter, constituiu a essência desta nova fase do capitalismo. Nesta
    fase, a competição entre capitais tomou a forma de rivalidades entre
    diferentes monopólios associados, pertencente aos diferentes países de
    capitalismo avançado, para adquirir "território económico" através do mundo
     às custas uns dos outros; e num mundo já particionado entre eles, tais
    rivalidades necessariamente tomavam a forma de tentativas de reparticioná-lo
    entre os mesmos através de guerras [4] . Estas guerras, das quais a Primeira
    Guerra Mundial foi um exemplo, forçavam trabalhadores de diferentes países a
    se matarem uns aos outros nas trincheiras; elas também arrastavam os povos
    oprimidos das colónias, semi-colônias e territórios a serem carne de canhão
    para promover os interesses das diferentes oligarquias financeiras. O
    capitalismo, em outras palavras, havia chegado a um estágio onde se
    promoviam guerras periódicas para redividir um mundo já dividido, no intuito
    de refletir as mudanças de forças relativas entre as diferentes potências (o
    que necessariamente ocorria por conta da ubiquidade do "desenvolvimento
     desigual" sob o capitalismo), havia se tornado inevitável.
     A compreensão de que o estágio superior do capitalismo que Lenin, seguindo
    J.A. Hobson, chamou de "imperialismo", possuía muitas implicações. Primeiro,
    um importante elemento da teoria marxista havia sido o reconhecimento de que
    nenhum modo de produção foi superado até que se tornasse historicamente
    obsoleto. Tipicamente, no entanto, esta "obsolescência histórica" havia sido
     definida em termos estritamente económicos, em termos do mergulho numa
     crise prolongada. Eduard Bernstein havia advogado por uma "revisão" do
    marxismo, para substituir uma derrubada revolucionária do sistema
    capitalista por uma agenda de reformas dentro deste sistema, sob o argumento
    de que nenhuma crise prolongada ou "colapso" estaria no horizonte; e Rosa
    Luxemburgo havia afirmado a visão revolucionária ao desenvolver uma teoria
    de acumulação de capital que apontava para um eventual colapso do sistema. O
    argumento Leninista alterou completamente as bases deste debate [5] . O
    capitalismo havia-se tornado historicamente obsoleto, ou "moribundo", como
    ele o chamava, porque seu estágio imperialista havia englobado a humanidade
    em guerras periódicas e devastadoras. A única escolha que este oferecia aos
    trabalhadores nos países avançados era entre matar companheiros
    trabalhadores do outro lado das trincheiras ou voltar suas armas contra o
    próprio sistema, entre "socialismo e barbárie" (para usar as palavras de
    Luxemburgo). Em segundo lugar, não eram apenas os trabalhadores nos países
    capitalistas avançados que eram vítimas da exploração imperialista e
    utilizados como carne de canhão nessas guerras, mas também as pessoas
    trabalhadoras dos países oprimidos que passaram por uma mudança por conta
    destas guerras. Sua consciência assim como seu treino (incluindo treino
    militar) desenvolveu-se a largos passos por conta destas guerras, e eles
    também se levantaram contra o jugo do capital porque também estavam diante
    da mesma escolha entre libertação e barbárie.
     Em terceiro lugar, não apenas havia o sistema se tornado historicamente
     obsoleto neste sentido geral, mas havia trazido a revolução mundial para a
    agenda histórica como um fenómeno iminente. A escolha entre socialismo e
    barbárie havia de ser feita ali mesmo, uma escolha prática que havia sido
    empurrada à humanidade por conta do imperialismo e suas guerras
    concomitantes.
     Se o primeiro passo na compreensão da conjuntura era ver que todos os
     países inseridos na mesma haviam de proceder por diversas rotas até o
    socialismo como uma condição para a libertação de seus povos, então o
    segundo passo foi perceber que suas jornadas eram interconectadas, que o
    imperialismo os havia ligado numa corrente, cuja quebra no "elo mais fraco"
    haveria de iniciar um colapso da corrente como um todo. E tal quebra na
    corrente era iminente na conjuntura. A consequência desta compreensão era a
     construção de uma internacional, a Internacional Comunista, de maneira que
    o mundo nunca havia visto, onde delegados da França, Alemanha e Inglaterra
    ombreavam-se com seus camaradas da China, índia, México, Egito e Vietname.
     A compreensão da conjuntura 
     A visão subjacente à Revolução de Outubro de que o capitalismo havia
    alcançado um ponto crítico, de que simplesmente não poderia continuar como
    anteriormente, era partilhada por muitos pensadores desta época, incluindo
    até mesmo anticomunistas ardentes, o que sugere que era uma compreensão
    bastante precisa da conjuntura. Desse modo, John Maynard Keynes, escrevendo
    em 1933, tinha isto a dizer: "O capitalismo – internacional porém
    individualista – decadente, em cujas mãos nos encontramos após a guerra, não
    é um sucesso. Ele não é inteligente, ele não é bonito, ele não é justo, não
    é virtuoso – e nem mesmo entrega o que promete. Sucintamente, não gostamos
    dele, e estamos começando a desprezá-lo. Mas quando nos questionamos sobre o
    que colocar em seu lugar, estamos extremamente perplexos." Até Keynes havia
    começado a "desprezar" o capitalismo da época [6] .
     Anteriormente, no seu livro  As Consequências Económicas da Paz,  Keynes
    havia dado uma descrição vívida da desintegração do capitalismo mundial, que
    Lenin havia citado amplamente no Segundo Congresso da Internacional
    Comunista em 1920 para argumentar que o momento para a revolução mundial
    havia chegado. Como disse Lenin: "Se por um lado a posição económica das
    massas se tornou intolerável, e, por outro lado, a desintegração descrita
    por Keynes se instalou e está crescendo entre a minoria insignificante dos
    todo-poderosos países vencedores, então estamos na presença da maturação de
    duas condições para a revolução mundial" [7] . A perceção de Lenin e dos
    bolcheviques a respeito do estado do capitalismo mundial, do qual eles
    consideravam a Revolução de Outubro o primeiro produto significativo, era
    então compartilhada por muitos; e representava uma compreensão válida da
    conjuntura.
     Esta conjuntura duraria do período preparatório da Primeira Guerra Mundial
    até os anos imediatamente posteriores à Segunda Guerra Mundial quando a
    descolonização começou. Dentre suas muitas características, a principal se
    relacionava à rivalidade interimperialista. A Primeira Guerra Mundial, o
    implacável Tratado de Versalhes (cuja dura crítica de Keynes foi destacada
    por Lenin), a Grande Depressão, a ascensão do fascismo, o massivo avanço
    anexionista dos países fascistas e a Segunda Guerra Mundial, todos eram
    expressões de uma forma ou de outra, de um estado de aguda rivalidade
    interimperialista.
     Até mesmo a sobrevivência da União Soviética foi atribuída por Lenin à
    existência da disputa interimperialista. Em um de seus últimos artigos,
    "Melhor Menos, mas Melhor", ele atribuiu a falência da intervenção militar
    conjunta de diversos países imperialista em apoio à contrarrevolução russa
    durante a guerra civil aos conflitos entre os países imperialistas do
    Ocidente e Oriente, e perguntou-se se estes conflitos poderiam "nos dar um
    segundo descanso" [8] . Os conflitos entre os países imperialistas do
    Oriente e do Ocidente, e aqueles entre os vitoriosos e os derrotados da
    Primeira Guerra Mundial, que o Tratado de Versalhes havia exacerbado,
    atingiram seu clímax na Segunda Guerra Mundial. No entanto, este clímax
    também marcou o fim da mesma conjuntura histórica que Lenin e os
    bolcheviques haviam se deparado, cuja compreensão teórica foi desenvolvida
    por eles a um nível onde havia "irrompido" na práxis revolucionária de
    Outubro e as subsequentes lutas por uma revolução mundial.
     O fim da Guerra viu um grande avanço da ordem Comunista; uma maior
     assertividade da classe trabalhadora nos países de capitalismo avançado, da
    qual a derrota de Winston Churchill pelo Partido Trabalhista nas eleições
    britânicas e a enorme força adquirida pelos Partidos Comunistas Italiano e
    Francês eram manifestações óbvias; e uma inquietação sem precedentes entre
    os povos das colónias, semi-colônias e países dependentes. O capital
    metropolitano, enfraquecido e desorientado pela guerra, foi forçado a fazer
    diversas concessões, das quais as três mais significativas foram:
    descolonização, intervenção estatal para regular a demanda com o objetivo de
     manter altos níveis de emprego, a qual o capital financeiro, sempre oposto
    a este tipo de intervenção direta e responsável por preveni-la nos anos
    pré-guerra, foi todavia forçado a aceitar; e a instituição de governos
    democráticos formados por através do sufrágio adulto universal (que, mesmo
    na França, ocorreu apenas em 1945).
     Estas concessões criaram a impressão de que o capitalismo havia "mudado",
    de que o velho capitalismo havia dado lugar a um novo "capitalismo de
    bem-estar". Esta ideia persistiu a despeito do fato de que a intervenção
    estatal para atingir altos níveis de emprego nos Estados Unidos, a principal
    potência capitalista, tomou a forma de gastos militares de larga escala, e
    também a despeito do fato de que não obstante a descolonização formal (que
    era ela mesma muitas vezes incompleta), as potências metropolitanas estavam
    por toda parte relutantes em ceder controle sobre recursos do terceiro mundo
    para os novos estados pós-coloniais [9] . Todavia, a perceção permaneceu de
    que o capitalismo havia fundamentalmente se alterado, porque alguns dos
    ganhos obtidos pelos trabalhadores nas metrópoles, e pelas pessoas no
    terceiro mundo, eram de fato reais e substanciais.
     Mas junto com essas mudanças, a conjuntura do pós-guerra era também marcada
    por algo que ia além do que o Leninismo havia visualizado, isto é, uma
    substituição da intensa disputa interimperialista por uma abrangente
    dominação de uma potência (o que alguns chamavam de "superimperialismo"). A
     perceção fundamental do movimento Comunista sobre o estágio imperialista do
    capitalismo, sobre a qual a proposição sobre a iminência da revolução
     mundial havia sido argumentada, ou seja, de que seria caracterizada pela
     rivalidade interimperialista e guerras, deixou de ser válida na conjuntura
    do pós-guerra. Sem dúvida as revoluções Cubana e Vietnamita aconteceram
    durante esta conjuntura, mas elas eram mais um produto atrasado da
    conjuntura anterior do que um produto específico da conjuntura do
    pós-guerra.
     Mesmo assim, essa conjuntura do pós-guerra provou-se ser apenas um
     interregno. A concentração do capital, a tendência ressaltada por Marx,
    levou à formação não apenas de corporações multinacionais, mas de enormes
    blocos financeiros. Esses blocos eram alimentados por diversas fontes:
    através de contínuos défices fiscais estadunidenses durante os anos do
     Bretton Woods, quando o dólar era considerado "tão bom quanto ouro", e
    US$35 podiam ser trocados por uma onça de ouro; através de enormes depósitos
    de petrodólares após o aumento de preços da OPEP; e através de poupanças
    entrando como depósitos no sistema financeiro durante o "boom" prolongado do
    pós-guerra que foi construído através da intervenção estatal na
    administração da demanda. O capital financeiro nesta nova situação, ansioso
    para possuir liberdade irrestrita para se mover pelo globo, procurou quebrar
    as barreiras nacionais. Ele foi bem-sucedido neste empenho e instituiu um
    regime de "globalização" que, em contraste com o regime pós-guerra anterior,
    implicou numa maior mobilidade de bens, serviços e fluxos de capital,
    incluindo fluxos financeiros, através de barreiras nacionais.
     O regime da globalização 
     A rivalidade interimperialista permanece silenciada no regime de
     globalização por uma razão mais importante, não apenas por conta da força
    avassaladora de uma potência imperialista, como era o caso da conjuntura do
    pós-guerra, mas também porque o próprio capital financeiro se torna
    globalizado e consequentemente oposto a qualquer particionamento do globo em
    esferas de influência de potências particulares que possam entravar sua
    livre movimentação global.
     Conquanto este fato da rivalidade interimperialista silenciada tenha sido
     percebida por muitos, eles a interpretaram como significando uma
     confirmação da posição de Karl Kautsky, que havia visualizado a
    possibilidade de um "ultraimperialismo" contra Lenin, que enfatizou a
    existência de um perene estado de rivalidade interimperialista. Entretanto,
    isto é falso. Tanto Lenin quanto Kautsky tinham em mente um contexto de
    capitais financeiros  nacionais,  onde o capital financeiro que ocupava o
    proscénio possuía bases nacionais e era auxiliado pelo Estado nacional. Este
    não é o caso hoje, onde o próprio capital financeiro é internacional, e é
    uma entidade inteiramente diferente do capital financeiro que tanto Lenin
    quanto Kautsky falavam. O silenciamento da rivalidade interimperialista na
    era da globalização não é por conta de uma "exploração conjunta do mundo por
    capitais financeiros  internacionalmente unidos"  , como Kautsky havia
    sugerido, mas por conta da emergência de um capital financeiro
     internacional. 
     Este fato é negligenciado em boa parte da discussão sobre a
     "multipolaridade". Aqui, é comumente sugerido que, em um mundo onde a
    "multipolaridade" parece estar a emergir, podemos testemunhar uma volta da
    rivalidade interimperialista. Mas o que tal prognóstico deixa escapar é que
    não são apenas os fatores políticos que devem ser levados em conta neste
    contexto mas também, acima de tudo, os fenómenos económicos subjacentes a
    esses fatores; e um elemento-chave destes elementos económicos é a hegemonia
    do  capital financeiro internacional.  O fato de que temos um capital
    financeiro internacional num mundo de estados nacionais, ao contrário da
    prescrição de Keynes no ensaio de 1933 de que "as finanças devem acima de
    tudo ser nacionais", constitui uma característica definidora da globalização
    contemporânea. Isto implica no fato de que o estado-nação, por bem ou por
    mal, tem de consentir às exigências das finanças, pois de outra forma estas
    simplesmente deixariam suas fronteiras  en masse  para se mover para outro
    lugar, precipitando uma crise. O fato de que, independentemente do aspeto do
    governo eleito pelo povo, ele deve seguir as mesmas políticas económicas,
    isto é, aquelas que o capital financeiro internacional prefere, de maneira a
    prevenir tal acontecimento, implica numa debilitação da democracia. Além
    disso, ser apanhado no vórtice das finanças globalizadas acarreta várias
    implicações económicas importantes. Primeiro, implica numa mudança da
    natureza do Estado. Em vez de se posicionar, independente de seu caráter de
    classe, como uma entidade acima da sociedade e aparentemente cuidando dos
    interesses de todos, o Estado agora se torna mais preocupado com promover
    exclusivamente os interesses do capital financeiro globalizado, sob o
    argumento de que os interesses da nação coincidem com os interesses de tal
    capital (o fato de a Moody's melhorar a nota de crédito de um país se torna
    motivo de orgulho nacional). Uma grande consequência disto, especialmente no
     contexto do terceiro mundo, é a retirada do apoio e proteção estatais sobre
    o setor de pequenos produtores, incluindo a agricultura familiar, expondo a
    vasta massa de pequenos produtores à usurpação pelo grande capital,
    incluindo corporações multinacionais.
     A luta anticolonial sobre grande parte do terceiro mundo havia alistado o
    apoio do campesinato sob a promessa de que o regime pós-colonial protegeria
    a agricultura familiar da usurpação do grande capital, e também das
    flutuações de preços do mercado mundial; e a maioria dos regimes
    pós-coloniais tinham em graus variados protegido e promovido a agricultura
    camponesa e a pequena produção, em geral. Os beneficiários de tais medidas,
    sem dúvida, haviam sido em um grau muito maior os prósperos segmentos entre
    tais produtores; mas o setor como um todo, apesar de sujeito a tendências
    direcionadas a um desenvolvimento capitalista  de dentro,  havia sido
    protegido da incursão do grande capital  de fora  . O estado neoliberal
    retira o apoio e a proteção, jogando este vasto setor numa crise. Grandes
    números de pequenos produtores e trabalhadores dependentes de tal produção,
    ou continuam na mesma, afundando mais profundamente na miséria, ou migram
    para as cidades em busca de empregos não existentes, ou (como vem
    acontecendo na índia) recorrem a suicídios em massa.
     Em segundo lugar, há um aumento no tamanho relativo das reservas de
     trabalho porque o aumento da procura laboral, mesmo com altas taxas de
     crescimento do PIB, não é grande o suficiente para absorver o aumento
    natural na força de trabalho, muito menos os pequenos produtores deslocados.
    Consequentemente, os salários reais dos trabalhadores, mesmo os
    trabalhadores organizados, aumentam escassamente, apesar de aumentos na
     produtividade do trabalho. Isto aumenta a quota do excedente no terceiro
    mundo, que é dominada por grandes reservas de trabalhadores, e por
     consequência aumenta a desigualdade de rendimento.
     Contudo, o mesmo não é verdadeiro apenas no terceiro mundo. Já que o
    capital adquire mobilidade entre os países avançados e subdesenvolvidos,
    mesmo os trabalhadores dos países avançados se tornam sujeitos a competição
    com os trabalhadores de baixos salários do terceiro mundo, e portanto aos
     efeitos maléficos das reservas de trabalho terceiro-mundistas que mantém
    estes salários baixos. Isto significa que os salários reais dos
    trabalhadores de países avançados também não aumentam (apesar de obviamente
    não caírem aos níveis registados no terceiro mundo), mesmo quando a
     produtividade do trabalho aumenta nestas economias. Há um aumento da parte
    do excedente e portanto, como resultado, na desigualdade de rendimento
     destes países também. (Nos Estados Unidos, de acordo com Joseph Stiglitz, o
    salário médio real de um trabalhador masculino não apenas não aumentou entre
    1968 e 2011, mas até mesmo diminuiu ligeiramente) [10] . Em resumo, o que
    ocorre é uma elevação da parte do excedente no produto mundial.
     Em terceiro lugar, já que a propensão marginal para consumir a partir de
    rendimentos salariais é maior do que aquela de rendimentos derivados de
    excedentes económicos (que tipicamente pertence aos ricos), o aumento na
    parte do excedente dá origem a uma tendência em direção à superprodução na
    economia mundial, exatamente da maneira que Baran e Sweezy haviam
    argumentado no contexto da economia estadunidense nos anos 50 e 60 [11] .
     Quarto: a capacidade de qualquer estado-nação de intervir contra esta
    tendência  ex ante  à superprodução (que, de acordo com Baran e Sweezy, foi
    o que os Estados Unidos fizeram através de maiores gastos militares nos anos
    50 e 60) é frustrada no regime da globalização. Para a intervenção estatal
    contrabalançar esta tendência à superprodução, ela deve ser financiada ou
    por um défice fiscal, ou por impostos que recaem maioritariamente sobre as
     poupanças, o que significa impostos sobre os capitalistas (quer sobre
     lucros ou ações) já que a propensão destes a poupar é alta. Mas nenhum
    estado-nação em uma economia apanhada no vórtice das finanças globalizadas
    pode produzir um défice fiscal (além dos 3% do PIB permitidos pela lei na
    maioria dos países) ou tributar os capitalistas, por medo de causar um êxodo
    de capital. E os Estados Unidos, que não possuem nem "leis de
    responsabilidade fiscal" (limitando o défice fiscal a 3% do PIB), nem
    precisa se preocupar com fugas de capitais, já que sua moeda, mesmo no mundo
    pós-Bretton Woods, ainda é considerada "tão boa quanto ouro", é relutante em
    executar défices fiscais. Isto é porque no regime da globalização, no qual
    as corporações americanas vêm instalando fábricas no exterior para se
    aproveitar dos baixos salários, um estímulo fiscal implicaria a geração de
    empregos no exterior para exportar bens para os Estados Unidos, o que
     aumentaria a dívida externa deste último país [NT] .
     A tendência a uma superprodução  ex ante  portanto cria a crise estrutural
    que pode, na melhor das hipóteses, ser contida por ocasionais "bolhas" de
    preços de ativos, mas se manifesta quando tais "bolhas" colapsam [12] .
    Assim, o regime da globalização ocasiona aumento da desigualdade, estagnação
    de salários, a dizimação da pequena produção causando absoluta miséria para
    grandes segmentos da população trabalhadora do terceiro mundo, e uma
    tendência a uma crise estrutural que pode, no melhor dos casos, ser mantida
    a distância pelas "bolhas" ocasionais, cujo colapso agrava as condições das
    camadas trabalhadoras do mundo através de mais desemprego. O conservadorismo
     fiscal age na direção não apenas de acentuar a crise (já que possui um
    assim chamado efeito "pró-cíclico"), mas também efetuando cortes nos gastos
    e nos benefícios sociais.
     Em contraste com a conjuntura do  dirigismo  do pós-guerra, que havia
    presenciado um silenciamento das disputas interimperialistas junto a
    concessões que o capital havia sido forçado a fazer, criando então a
    impressão de que o "capitalismo havia mudado", o regime da globalização,
     apesar de continuar a testemunhar um silenciamento das disputas
     interimperialistas, ocasiona uma "volta atrás ao relógio" quando se refere
    ao estado de bem-estar social, o pretenso "capitalismo de face humana",
    tanto nos países de economia capitalista avançada quanto nos
    subdesenvolvidos. A ascendência do capital financeiro internacional,
    enquanto silencia as disputas interimperialistas, traz à tona mais uma vez a
    natureza extremamente predatória do capitalismo, o fato de que este, para
    usar as palavras de Keynes, "não é justo", "não é virtuoso", "não entrega o
    que promete" e é capaz apenas de ser "desprezado".
     Transcendendo a conjuntura 
     Superar as dificuldades das camadas trabalhadoras na conjuntura atual
    requer a intervenção estatal nesse sentido. Isto por sua vez requer não
    apenas que o estado seja sensível aos apuros do povo trabalhador mas também
    que possua autonomia quanto à escravidão aos caprichos do capital financeiro
    internacional de modo a ser capaz de buscar uma agenda que beneficie os
    trabalhadores. Esta autonomia pode ser alcançada apenas em uma de duas
    maneiras. Uma delas é através da união dos principais estados-nações
     (criando, por assim dizer, um "estado-mundo") que poderia superar a
     oposição do capital financeiro internacional à implementação de uma agenda
    favorecendo os trabalhadores; a outra é através de países, sozinhos ou
    agrupados, rompendo com o vórtice das finanças globalizadas, e colocando em
    prática controles de capitais que lhes dariam a autonomia para perseguir uma
    agenda alternativa.
     Deixe-me elaborar. Um aumento no nível da procura agregada é essencial para
    reduzir o desemprego na economia mundial; na ausência de tal aumento,
    qualquer país em particular tentando aumentar o emprego através de mero
    protecionismo, tal como Trump está fazendo, equivale a uma política de
    empobrecimento de países vizinhos, isto é, exportar o desemprego, o que
    necessariamente provocaria a retaliação de outros países, minando ainda mais
    a "confiança" dos capitalistas, e portanto acentuando o desemprego no geral
    e a crise.
     Mas numa situação onde, não surpreendentemente, a política monetária se
    provou incapaz de aumentar a procura, um aumento na procura agregada mundial
    pode ocorrer apenas através de meios fiscais, sobre os quais existem apenas
    duas possibilidades [13] . Uma delas é através de um estímulo fiscal
    coordenado por diversos estados-nações importantes em desafio aos desejos do
     capital financeiro internacional. Mas tal movimento (que incidentalmente
    foi debatido por um grupo de sindicalistas alemães nos anos 30, e também por
    Keynes) pode apenas ocorrer como resultado da pressão exercida pelas lutas
    coordenadas dos trabalhadores destes países, da qual não há sinal no
    presente [14] . A segunda maneira de aumentar a procura agregada (além de
     políticas de "empobrecimento do vizinho") seriam países individualmente se
    desligarem do vórtice dos fluxos de capital globalizado pela imposição de
    controles de capitais e provendo estímulos fiscais expansionistas a suas
    respetivas economias através de maiores gastos governamentais financiados
    por um défice orçamental ou impostos sobre os capitalistas. Já que a
    possibilidade de forjar uma aliança operário-camponesa que possa sustentar
    tal estado é muito maior dentro de um país em particular do que através de
    vários países, transcender a conjuntura atual requer desligar-se do regime
    existente da globalização (a extensão exata de tal desligamento deverá ser
    determinado pelas circunstâncias).
     É claro, transcender a conjuntura atual através da construção de uma
    aliança operário-camponesa dentro de um país particular (que deveria ser
    tipicamente um grande país de terceiro mundo com presença considerável da
    pequena produção) não pode ser o fim da história. Assim como, na análise de
    Lenin, levar adiante a revolução democrática até sua completude pelas mãos
    da aliança operário-camponesa não era o fim da história, já que se tornou
    parte do processo de transição ao socialismo, da mesma forma desligar-se da
     globalização, para reverter suas consequências maléficas para os
    trabalhadores e pequenos produtores, pois um estado baseado numa aliança
    operário-camponesa vai ser parte de uma transição, por estágios, até o
    socialismo.
     Transcender a  conjuntura,  em outras palavras, se torna parte do processo
    de transcender o  sistema  em si mesmo. Mesmo que por acaso as forças
    revolucionárias constituintes da aliança operário-camponesa se tornem
    alheias a esta necessidade, a oposição do capital financeiro internacional a
    seu (aparentemente modesto) esforço para transcender a conjuntura em si
    mesma faria (nas palavras de Marx) com que a "dialética fosse martelada"
    nelas, lembrando-os da necessidade de ir além do sistema mesmo que tentassem
    ir apenas além da conjuntura.
     Em resumo, a conjuntura atual revive novamente a relevância da agenda
     Leninista que informou a Revolução de Outubro, ainda que por razões não
    idênticas às anteriores. Ao desejo dos camponeses de liberdade do jugo
    feudal agora é adicionado o desejo camponês (e de outros pequenos produtores
    do terceiro mundo também) por liberdade da opressão do regime neoliberal
    imposto pelo capital financeiro internacional sob a globalização. A
     revolução democrática deve agora envolver o desligamento do regime da
    globalização para que o estado-nação adquira uma autonomia vis-à-vis o
    capital financeiro internacional, que em seu lugar é uma condição para que
    qualquer intervenção política feita por uma aliança operário-camponesa seja
    bem-sucedida. A globalização criou tanto a necessidade quanto a
    possibilidade de uma aliança operário-camponesa e trouxe o mundo a uma
    passagem cuja escolha colocada é entre seguir em frente através do
    forjamento de tal aliança ou permanecer atolado numa crise onde o capital
    financeiro vai confiar cada vez mais no apoio do fascismo para sustentar sua
    hegemonia.
     No entanto, uma questão importante é levantada aqui. Enquanto o capitalismo
    mais uma vez assumiu uma forma onde ele merece apenas ser "desprezado", o
    silenciamento das disputas interimperialistas faz com que sustentar qualquer
    esforço para escapar a hegemonia do capital financeiro internacional se
    torne muito mais difícil, diferentemente até mesmo da época de Lenin.
    Transcender a própria conjuntura se torna difícil na ausência de desunião
    das principais potências capitalistas. Ou, colocando-se de outra forma, o
     silenciamento das disputas interimperialistas parece criar uma situação
    "sem saída", onde apesar da opressividade da conjuntura atual qualquer
    escapatória dela parece impossível.
     Enquanto a resposta a esta questão deve ser encontrada na práxis, o que ela
    de fato sugere é que a preservação de uma forte aliança operário-camponesa
    se torna muito mais importante para transcender a conjuntura atual, mesmo
    que ela possa fazer a transição para o socialismo muito mais morosa. A maior
    causa para a debilidade da União Soviética, que a Revolução de Outubro havia
    criado, era a dificuldade de manter esta aliança; de fato seu rompimento
    através da coletivização forçada foi o que deixou uma permanente cicatriz no
    novo sistema. Essa fraqueza deve ser evitada [15] . A necessidade de
    desligar-se do atual regime de globalização é comumente não apreciada pela
    esquerda, o que faz com que segmentos significativos da esquerda, sem dúvida
    involuntariamente, sujeitem-se à hegemonia do neoliberalismo. Libertar-se
    desta hegemonia é sem dúvida a primeira prioridade para transcender a
    conjuntura.

    Julho/2017
      Notas 
     (1) Georg Lukács,  Lenin  (London: New Left, 1970).
     (2) V. I. Lenin,  Two Tactics of Social Democracy in the Democratic
    Revolution,  in Selected Works, vol. 1 (Moscow: Progress Publishers, 1977).
     (3) Lenin,  Two Tactics of Social Democracy,  494.
     (4) V. I. Lenin,  Imperialism: The Highest Stage of Capitalism,  in
    Selected Works, vol. 1.
     (5) Sobre isto, ver Paul M. Sweezy,  The Theory of Capitalist Development 
    (New York: Monthly Review Press, 1956).
     (6) J. M. Keynes, "National Self-Sufficiency,"  Yale Review  22, no. 4
    (1933): 755–69.
     (7) V. I. Lenin,  Selected Works  , vol. 3 (Moscow: Progress Publishers,
    1975), 397.
     (8) Lenin,  Selected Works  , vol. 3, 724.
     (9) Ver Harry Magdoff, "Militarism and Imperialism",  Monthly Review  21,
    no. 9 (February 1970): 1–14.
     (10) Joseph Stiglitz, "Inequality Is Holding Back the Recovery",  New York
    Times,  January 13, 2013.
     (11) Paul A. Baran and Paul M. Sweezy,  Monopoly Capital  (New York:
    Monthly Review Press, 1966).
     (12) Esta argumentação foi apresentada com maior detalhe em Prabhat
    Patnaik, "Capitalism and Its Current Crisis",  Monthly Review  67, no. 8
    (January 2016): 1–13.
     (13) Michal Kalecki percebeu a inadequação da politica monetária para
    estimular a atividade econômica em seu artigo clássico "Political Aspects of
    Full Employment," reimpresso em  Selected Essays on the Dynamics of the
    Capitalist Economy 1933–1970  (Cambridge, UK: Cambridge University Press,
    1971).
     (14) C. P. Kindleberger,  The World in Depression 1929–1939  (Berkeley, CA:
    University of California Press, 1986).
     (15) Uma visão, amplamente difundida na esquerda, que contribui para esta
    fraqueza é a de que qualquer pequena produção para o mercado é progenitora
    do capitalismo. Isto é incorreto, tanto teórica quanto historicamente. Ver
    Prabhat Patnaik, "Defining the Concept of Commodity Production,"  Studies in
    People's History  2, no. 1 (2015): 117–25.
     (NT) Aqui há, evidentemente, um erro. Os EUA não precisam se endividar no
    exterior para pagar pelas próprias importações, uma vez que o dólar
    estadunidense é a moeda de referência no comércio internacional, sendo
    aceito por qualquer país como pagamento de suas exportações. Os EUA nunca
    ficam, por definição, "sem dólares" para pagar suas despesas. 
    [*] Economista, indiano, ver  Wikipedia
     O original encontra-se em  monthlyreview.org/... . Tradução de Rafael
    Ruggiero e revisão de Luiz Lima (com pequenas alterações de resistir.info) 
   In
RESISTIR.INFO
http://resistir.info/patnaik/revolucao_outubro.html
Set de 1917

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