Política alimentar: o mundo não pode ser um grande supermercado 
 
Por João Pedro Stédile*
Do Vermelho
Entre a população que consegue se alimentar, nos foi imposto uma padronização 
dos alimentos. Há quatrocentos anos, antes do advento do capitalismo, os humanos 
se alimentavam com mais de 500 espécies diferentes de vegetais. Há cem anos, com 
a hegemonia da revolução industrial, reduziu-se para 100 espécies diferentes de 
alimentos, que depois da lavoura passavam por processos industriais. E há trinta 
anos, depois da hegemonia do capitalismo financeiro em todo o mundo, hoje, a 
base de toda alimentação da humanidade está representada em 80% na soja, milho, 
arroz, feijão, cevada e mandioca. 
O mundo virou um grande supermercado, único. As pessoas, independentemente do 
lugar onde moram, se alimentam com a mesma ração básica, fornecida pelas mesmas 
empresas, como se fôssemos uma grande pocilga a esperar passivos e dominados a 
distribuição da mesma ração diária.
Uma tragédia, escondida todos os dias pela mídia a serviço da classe dominante, 
que se locupleta com o banquete de juros, lucros, contas bancárias, champagne, 
lagosta. Cada vez mais obesos e desumanizados. Empanturrados de injustiças e 
iniquidade. Por que chegamos a essa situação?
Porque o capitalismo, como modo de organizar a produção, a distribuição dos bens 
e a vida das pessoas baseada no lucro e na exploração, tomou conta de todo o 
planeta. E os alimentos foram reduzidos à mera condição de mercadoria. Quem 
tiver dinheiro pode comprar a energia para seguir vivendo. Quem não tiver 
dinheiro não pode continuar sobrevivendo.
E para ter dinheiro é preciso vender sua força de trabalho, se tiver quem 
compre. Porque, ao redor de 100 empresas agroalimentárias transnacionais (como 
Cargill, Monsanto, Dreyfuss, ADM, Syngenta, Bungue, etc.) controlam a maior 
parte da produção mundial de fertilizantes, agroquímicos, agrotóxicos, as 
agroindústrias e o mercado de venda desses alimentos.
Porque agora, os alimentos são vendidos e especulados em bolsas de valores 
internacionais, como se fosse uma matéria-prima qualquer, como minério de ferro, 
petróleo, etc. e grandes investidores financeiros se transformam em 
proprietários de milhões de toneladas de alimentos, que especulam e aumentam os 
preços propositalmente para aumentar seus lucros. Milhões de toneladas de soja, 
milho, trigo, arroz, até as safras vindouras e ainda nem plantadas de 2018, ou 
seja 5 anos adiante, já foram vendidas. Esses milhões de toneladas de grãos, que 
não existem, já têm dono.
A fixação dos preços dos alimentos não segue mais as regras do custo de 
produção, somados os meios de produção e a força de trabalho. Agora são 
determinados pelo controle oligopólico que as empresas fazem do mercado, e 
impõem um mesmo preço para o produto, em todo mundo, e em dólar. E quem tiver um 
custo superior a isso, vai à falência, pois não consegue repor seus gastos.
Porque, nessa fase de controle do capital financeiro, fictício, sobre os bens, 
que circula no mundo em proporções 5 vezes maiores do que seu equivalente em 
produção (255 trilhões de dólares em moeda, para apenas 55 trilhões de dólares 
em bens anuais) transformou os bens da natureza, como a terra, água, energia, 
minérios, em meras mercadorias sob seu controle. Daí se produziu uma enorme 
concentração da propriedade da terra, dos bens da natureza e dos alimentos. E 
qual é a solução?
Em primeiro lugar precisamos repactuar em todo o planeta o princípio de que 
alimento não pode ser mercadoria. Alimento é a energia da natureza (sol mais 
terra, mais água, mais vento) que move os seres humanos, produzidos em harmonia 
e parceria com os outros seres vivos que formam a imensa biodiversidade do 
planeta. Todos dependemos de todos, nessa sinergia coletiva de sobrevivência e 
reprodução. Alimento é um direito de sobrevivência. E portanto, todo ser humano 
deve ter acesso a essa energia para se reproduzir como ser humano, de maneira 
igualitária e sem nenhuma condicionante.
Os governos têm adotado o conceito de segurança alimentar, para explicar esse 
direito, e assim dizer que os governos devem suprir de comida os seus cidadãos. 
É um pequeno avanço em relação à subordinação total ao mercado. Mas nós, dos 
movimentos sociais, dizemos que o conceito é insuficiente, porque não resolve o 
problema nem da produção dos alimentos, nem da distribuição e muito menos do 
direito. Porque não basta os governos comprarem comida, ou distribuírem dinheiro 
em "bolsas-famílias” para que as pessoas comprem os alimentos. Os alimentos 
seguem tratados como mercadorias e dando muito lucro às empresas que fornecem 
aos governos. E as pessoas seguem dependentes, subalternas, antes do mercado, 
agora dos governos.
Defendemos o conceito de soberania alimentar, que é a necessidade e o direito de 
que, em cada território, seja uma vila, um povoado, uma tribo, um assentamento, 
um município, um Estado e até um país, cada povo tem o direito e o dever de 
produzir seus próprios alimentos. Foi essa prática que garantiu a sobrevivência 
da humanidade, mesmo em condições mais difíceis. E está provado biologicamente 
que em todas as partes do nosso planeta é possível produzir a energia – 
alimentos – para reprodução humana, a partir das condições locais.
A questão fundamental é como garantir a soberania alimentar dos povos. E para 
isso devemos defender a necessidade de que em primeiro lugar todos os que 
cultivam a terra e produzem os alimentos, os agricultores, camponeses, tenham o 
direito à terra e à água. Como um direito de seres humanos. Daí a necessidade da 
política de repartição dos bens da natureza (terra, água, energia) entre todos, 
no que chamamos de reforma agrária.
Precisamos garantir que haja soberania nacional e popular sobre os principais 
bens da natureza. Não podemos submetê-los às regras da propriedade privada e do 
lucro. Os bens da natureza não são frutos de trabalho humano. E por isso o 
Estado, em nome da sociedade, deve submetê-los a uma função social, coletiva, 
sob controle da sociedade.
Precisamos de políticas públicas governamentais que estimulem a prática de 
técnicas agrícolas de produção de alimentos, que não sejam predadoras da 
natureza, que não usem venenos e que produzam em equilíbrio com a natureza e a 
biodiversidade, e em abundância para todos. Essas práticas adequadas é que 
chamamos de agroecologia.
Precisamos garantir o direito de que as sementes, as diferentes raças de animais 
e seus melhoramentos genéticos feitos pela humanidade, ao longo da história, 
sejam acessíveis a todos os agricultores. Não pode haver propriedade privada 
sobre sementes e seres vivos, como a atual fase do capitalismo nos impõe, com 
suas leis de patentes, transgênicos e mutações genéticas. As sementes são um 
patrimônio da humanidade.
Precisamos garantir que em cada local, região, se produzam os alimentos 
necessários que a biodiversidade local provê, e assim mantermos os hábitos 
alimentares e a cultura local, como uma questão inclusive de saúde pública. Pois 
os cientistas, médicos e biólogos nos ensinam que a alimentação dos seres vivos, 
para sua reprodução saudável, deve estar em convivência com o habitat e a 
energia do próprio local.
Precisamos que os governos garantam a compra de todos os alimentos excedentes 
produzidos pelos camponeses e usem o poder do Estado para garantir-lhes uma 
renda adequada e ao mesmo tempo a distribuição dos alimentos a todos os 
cidadãos.
Precisamos impedir que as empresas transnacionais continuem controlando qualquer 
parte do processo de produção dos insumos agrícolas, da produção e distribuição 
dos alimentos.
Precisamos desenvolver o beneficiamento dos alimentos (no que se chama de 
agroindústria) na forma cooperativa sob controle dos camponeses e trabalhadores.
Precisamos adotar práticas de comércio internacional de alimentos entre os povos 
baseadas na solidariedade, na complementariedade e na troca. E não mais no 
oligopólio das empresas, dominadas pelo dólar americano.
O Estado precisa desenvolver políticas públicas que garantam o princípio de que 
o alimento não é uma mercadoria, é um direito de todos os cidadãos. E as pessoas 
só viverão em sociedades democráticas, com seus direitos mínimos assegurados, se 
tiverem acesso ao alimento-energia necessário.
O alimento não é mercadoria, é um direito!
*Brasileiro, cidadão do mundo e membro da Vía Campesina e do MST  
 
In
http://www.mst.org.br/node/15428
11/11/2013
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