Neusa Maria DAL RI  1
Candido Giraldez VIEITEZ  2 
Introdução 
As reflexões contidas neste texto têm como referência 
pesquisa realizada em dezenove empresas de autogestão (EAs) e uma de 
co-gestão. Dessas empresas, dezessete são fábricas de vários rarnos, tais 
como metalurgia; tê}..rtil; confecção; cristal; entre outros. Há ainda UIna rnina 
de carvão, uma gráfica e uma empresa agroindustrial.3 Dezenove desses 
empreendin1entos estão localizados em vários Estados do Brasil e um na 
Espanha. 
Quanto ao porte das ernpresas, teln-se o seguinte: onze 
empresas pequenas que possuem de 05 a 99 trabalhadores; sete empresas 
médias, de 100 a 499 e duas empresas grandes, com mais de 500. 
As características principais de uma empresa de autogestão 
poden1 ser sintetizadas nos seguintes elementos: a propriedade pertence a 
um coletivo de associados; os trabalhadores são ao mesmo tempo os 
proprietários; a assembléia geral dos associados é o poder máxinlO de decisão; 
os diretores são eleitos pelos associados. 
O conjunto dos elementos constitutivos da ernpresa de 
autogestão é evidência de que ela é portadora de um significativo potencial 
social de democratização e de (des)alienação das relações de trabalho. 
Contudo, instâncias estratégicas da realidade dessas empresas apresentamse 
como pontos de dificuldade para a realização desse potencial. Uma dessas 
dimensões é a organização do processo de trabalho. 
Os processos de trabalho nas EAs estão ainda organizados de 
forma tradicional. Essa forma de organização representa um significativo 
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1 Professora Assistente Doutora da Faculdade de Filosofia e Ciências -Unesp -Campus de 
Marnia. . , 
2 Professor Assistente Doutor da Faculdade de Filosofia e Ciências -Unesp .. Campus de 
Marma. 
3 Por uma questão de ética em relação às fontes de informação, os nomes das empresas 
utilizados aqui são fictícios. Porém, preservou-se o estilo sint~tico dos nomes reais por 
meio dos quais as empresas apresentam-se no mercado. 
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entrave ao desenvolvimento da democratização e (des)alienação das relações 
de trabalho. Porém, apesar das dificuldades evidentes, as EAs vêm 
promovendo modificações no processo de trabalho. 
Este artigo tem por objetivo demonstrar o surgimento de uma 
nova categoria nas EAs que aqui será denominada de regulação do processo 
de trabalho. Defende-se a idéia de que essa categoria, ainda emergente, 
substitui a categoria de controle do trabalho que é afeta à forma capitalista 
de organização da produção. 
o processo de trabalho 
Na amostra investigada, a maior parte das EAs organiza o 
processo de trabalho segundo os princípios tayloristas. Encontrou-se, tanlbém, 
algumas EAs nas quais o processo de trabalho ainda se dá de fOffila artesanal, 
próxima à organização pré-taylorista da indústria. 
As EAs alteraranl muito pouco os processos de trabalho 
oriundos das empresas capitalistas, particularmente no que tange às relações 
dos trabalhadores com as nláquinas e equipamentos, tecnologias de produção 
e nlateriais objetos de transformação. 
Como conseqüência desse fato, as condições dos trabalhadores 
das EAs, no que se refere especificanlente a este teIna, mantêm-se próximas 
às das denlais empresas. Dessa fornla, por exemplo, uma costureira de 
unla EA do ramo da confecção, tal qual a de uma empresa capitalista, tem 
que cunlprir sua jornada de trabalho presa a uma função fixa e repetir ao 
infinito a mesma operação parcelar, de acordo conl um ritmo cuja intensidade 
e constância deixa pouco ou nenhunl tempo para outras atividades. 
Essa situação dos trabalhadores no processo de trabalho 
encontra-se em contradição tanto com a estrutura geral das relações de 
trabalho, quanto com os propósitos democráticos declarados das EAs. No 
entanto, as dificuldades para mudarà organização do processo de trabalho 
são evidentes. E elas decorreln basicamente do fato de que as máquinas, 
equipanlentos e tecnologias de produção utilizadas, que foram ou ainda 
são as disponíveis no mercado, determinanl, em grande parte, a organização 
do processo d~ trabalho. 
A capacidade de determinação que as técnicas e tecnologias 
têm sobre a organização do trabalho é assinalada na literatura, nlas conl 
resultados polêmicos. Marglin, no texto O que os empresários fazeJn? formula 
duas questões que trespassam esta análise e que são cruciais para a 
autogestão. 
 
ORG & DEMO, n.2, 2001 
A organização da produção é determinada pela tecnologia ou 
pela sociedade? A autoridade hierárquica é realmente necessária 
para obter-se alto nível de produção ou a prosperidade material 
é compatível com a organização não burocrática da produção? 
(1974, p. 61) 
Com o intuito de deixar claramente contrastada sua visão quanto 
à temática, Marglin cita uma passagem de Engels (1976, p. 120) na qual 
esse autor indica a capacidade de determinação da tecnologia sobre a 
organização do trabalho. 
Se o homem, com a ciência e o gênio inventivo, submete as 
forças da natureza, estas se vingam dele submetendo-o, enquanto as 
emprega, a um verdadeiro despotismo, independenten1ente de toda a 
organização social. Querer abolir a autoridade na grande indústria é querer 
abolir a própria indústria, é querer destnlÍr as fábricas de fio a vapor para 
voltar à roca. 
Marglin (1974) segue por outra direção. Para ele, a evolução 
da organização do trabalho corn base na minuciosa divisão de tarefas e na 
centralização hierárquica não se deve a nenhuma necessidade nu 
superioridade desta técnica, mas aos imperativos da acumulação capitalista, 
ao interesse da classe burguesa em ficar com a maior parte do excedente 
social. 
Entretanto, deixando entrever as polêmicas em torno do ten1a, 
o autor reconhece as dificuldades para se nl0dificar o sistema de máquinas 
e equipamentos na sociedade atual, com o objetivo de que o mesmo 
deixasse de ser um dos componentes determinantes da alienação dos 
trabalhadores no processo de produção. 
Nenhum de nós tem os conhecimentos necessários da metalurgia 
ou da confecção para criar uma nova tecnologia. Sobretudo, 
para criar uma tecnologia tão radicalmente diferente da existente 
quanto requer uma tentativa séria para provocar as mudanças 
que a organização do trabalho exigiria. CMarglin, 1974, p. 61) 
A regulação do processo de trabalho 
As EAs não poden1 n10dificar a concepção do sistema de 
máquinas e equipan1entos, pois a mudança desses implementos depende 
de forças sociais que transcendenl a sin1ples vontade e possibilidade das 
organizações. 
 
ORG & DEMO, n.2, 2001 
As principais mudanças introduzidas pelas EAs no processo 
de trabalho dizem respeito à divisão de tarefas, às cadências e, em geral, ao 
que na empresa capitalista corresponde ao controle do trabalho. 
No sistema autogestionário, o controle do trabalho, que é uma 
categoria de exercício despótico da burguesia na fábrica, é modificado. As 
EAs começam a construir uma nova categoria que se denominará aqui de 
regulação do trabalho.· 
As principais modificações que serão abordadas referem-se a 
quatro temas sobre os quais a regulação incide, a saber: a divisão do trabalho 
fabril em funções intelectuais e lnanuais; o parcelamento n1inucioso das 
funções; o ritmo e a análise do processo de trabalho. 
No que diz respeito à divisão do trabalho, há uma significativa 
alteração na tradicional bipartição da fábrica em setor com funções de 
execução e setor com funções de direção. Essa modificação está ocorrendo 
porque os associados são ao meSlTIO telnpo os trabalhadores e os dirigentes 
da organização. 
Tome-se um exemplo. Um nletalúrgico que opera uma prensa 
incessantemente, pouco pode fazer além disso. Entretanto, como men1bro 
nato da assembléia geral, órgão rnáximo de tomada de decisões nas EAs, 
integra o processo que decide os destinos da empresa. 
O fato de os associados serem os detentores do poder na 
fábrica gera efeitos que se irradiam para todos os setores dela e que chegam 
também ao processo de trabalho, não obstante os óbices já apontados. 
Assin1, nas EAs sob influência dos artesãos, a independência 
corporativa dos mesmos no processo de trabalho está sendo modificada 
pela emergência de deliberações coletivas. Esse fato, se por un11ado, retira 
prelTogativas particularistas dos oficiais, por outro, eleva o papel dos auxiliares 
nas decisões relativas ao processo de trabalho. 
Nas empresas taylorizadas, observa-se fenômeno do mesmo 
tipo, ou seja, a separação entre trabalho manual e intelectual começa a ser 
diluída em benefício de um processo de deliberação coletiva. Neste caso, 
porénl, há algumas especificidades a serenl consideradas. Os antigos cargos 
de chefias são modifi~ados em funções que cumprem o papel de 
coordenação, perdendo, assim, o seu caráter hierárquico-burocrático típico. 
Por outro lado, os trabalhadores de chão de fábrica passam a integrar o 
sistema de deliberações. O que fazer e como fazer não decorre mais de 
diretrizes emanadas de um centro diretor. Em geral, o trabalho a ser executado 
 
ORG & DEMO, n.2, 2001 
é submetido pelos dirigentes à apreciação e discussão dos demais associados, 
a partir do que estabelecem certos procedimentos de produção. 
Acresça-se que essas n10dificações não est.ão voltadas para a 
supressão das funções especializadas, mas sin1 para a criação de um espaço 
coletivo para o exercício da gestão do processo de trabalho. 
Esse movimento é ainda informal e incipiente. Contudo, é 
rnuito significativo considerando-se os propósitos da EAs. 
Foram suprimidas as denominações de chefes, líderes, 
encarregados. Há coordenadores de setores com certos poderes. 
[. .. ] Vai ser produzido isto aqui, a partir daí eu começo a 
distribuição do serviço L..]. A iniciativa é deles. A gente entrega a 
relação e perguI1ta o que vai fazer primeiro. Veja o que tem [. ..] 
Fica a critério deles. Quando a gente está apertado a orientação 
é mais rígida.4 
Há coordenadores de setores, pessoal que se destaca. Não há a 
função de coordenar. Mas ele efetivamente coordena e o pessoal 
acata. Existe um diálogo real entre os coordenadores e os 
trabalhadores. Há mais um entendimento do que um ato 
impositivo. Não posso fazer X, então, procura-se uma maneira 
de fazer. Não há um controle do coordenador sobre como 
executar a tarefa. 5 
[' ..l. Não há liberdade para fazer o que cada um quer. Tem de 
haver um acordo, cada um fazia mais ou menos como achava. 
Mas, organizamos. Me chamaram para isso. Hoje há acordo nas 
equipes para fazer o trabalho. 6 
Outro indicador das rnudanças que estão ocorrendo no processo 
de trabalho pode ser descrito como un1a quebra do sistema de funções 
especializadas e fixas, características da empresa taylorista. Essa mudança 
diz r~speito a quatro itens: o desenvolvimento profissional; a flexibi1iz~ção 
da disposição funcional dos trabalhadores; a polivalência e o rodízio de 
funções. 
As empresas não possuem políticas de desenvolvimento 
profissional dos associados. Entret;anto, há liberdade para que os trabalhadores 
aprendam novas funções se assim o desejarem. O aprendizado pode ocorrer 
durante a jornada de trabalho, desde que isso não atrapalhe a produção, ou 
após o término daquela. 
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4 Dirigente da Cooperpan, em entrevista concedida aos pesquisadores, em 1999. 
5 Dirigente da Mactel, em entrevista concedida aos pesquisadores, em 1999. 
6Dirigente da Coopersul, em entrevista concedida aos pesquisadores, em 2000. 
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Na autogestão, embora seja respeitada a especificidade 
profissional de cada trabalhador, começa a firmar-se o princípio de que, en1 
caso de necessidade, o associado deve assumir outras funções dentro da 
empresa. 
Em algumas EAs, a idéia de trabalhador polivalente começa a 
aflorar. Nesse sentido, algumas medidas estão sendo tomadas, visando 
propiciar novos aprendizados e a mudança de funções. 
A presença dos aspectos enunciados é decorrência da existência 
de valores de identidade coletiva enl forn1ação, da necessidade de otin1izar 
a utilização de urn quadro fixo e estável de associados e do interesse, 
imanente à autogestão, na qualificação dos seus associados. 
Na Fibratex, a mudança de função constitui-se nunla política 
que tem como propósito fazer com que as pessoas dominem os aspectos 
essenciais do funcionan1ento da empresa nas áreas da produção e da 
administração, sob o pressuposto de que isso é fundamental para o 
desenvolvimento da democracia autogestionária. 
A cada ano a pessoa pode colocar o seu cargo à disposição. Se 
houver alguém que tem interesse na função, pode trocar. Pode 
trocar também se não estiver contente na função. Há cada dois 
anos tem que trocar. Isso na produção. Na palte financeira e de 
vendas, essa norma não é tão rígida. [ ...1 Tem sido feito o rodízio. 
Também roda a produção com a administração. Por isso há um 
período de preparação. Se a pessoa está na produção e quer 
assumir o financeiro, tem que se preparar para isso. Fazer um 
estágio junto ao financeiro. O rodízio é muito positivo no que 
diz respeito a não cair na rotina. E ao conhecimento global que 
as pessoas têm da empresa. ['..J Quando a gente vai fazer um 
planejamento ou uma prestação de contas, as pessoas sabem 
do que se está falando.7 
Uma outra modificação introduzida pelas EAs refere-se às 
cadências de trabalho. Nos primeiros anos de funcionalnento, os ritmos de 
trabalho diminuíran1 de modo acentuado na maioria das empresas, em 
conseqüência dos problemas inerentes à transição de um tipo de organização 
para outro. Mas, também, por causa de equívocos de gestão freqüentemente 
relacionados à incompreensão do coletivo quanto à situação real da EA. 
, 
Passada essa fase inicial, as injunções de mercado obrigaran1 
as empresas a se adequarem à competição mercantil e a reveren1 a questão 
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7 Dirigente da Fibratex, em entrevista concedida aos pesquisadores, em 1999. Essa 
empresa tem 12 anos. 
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dos ritmos de trabalho. A dinâmica que se estabelece, contudo, é distinta da 
que existe nas empresas capitalistas. A ausência da pressão recorrente do 
capital com vistas à sua valorização tautológica faz com que o coletivo 
trabalhe, em geral, num ritmo mais lento. Porém, quando as circunstâncias 
da produção o exigem, o ritmo pode tornar-se mais intenso do que o vigente 
nas empresas tradicionais. 
Pegamos um cliente na quarta-feira, mil e tantas peças. Reunimos 
o pessoal, conversamos com eles e saiu antes do prazo. Foi até 
bonito. Fez com que todo mundo participasse e assumisse o 
compromisso.8 
O ritmo de trabalho nosso é mais leve. Trabalhamos mais à 
vontade. Esse à vontade tem dois parâmetros. O ritmo doido na 
empresa tradicional dá menos produção que o pessoal aqui que 
trabalha à vontade. Às vezes el~s apostam entre si quem vai 
terminar antes uma certa tarefa, para ver quem vai ganhar as 
cocas-colas no fim do dia. L.,] Teve dias aqui, sobrecarregados, 
chegamos a ficar espantados, a produção explodiu. Deu índices 
absurdos. Não parava de produzir. Isso não se verifica na indústria 
de cristal. Mas num ritmo muito alto, você não agüenta muito 
tempo. Mas agüenta um índice muito acima do praticado 
normalmente sem maiores sacrifícios.9 
Você pode entrar na fábrica agora e tem um monte de gente 
lendo playboy. Chegou um pedido para entregar amanhã, as 
pessoas não tem hora para terminar. Se o pessoal for exigido, o 
pessoal responde. Quando a empresa está bem, todo mundo dá 
uma aliviada. Há um acomodamento. Agora: como a empresa 
não anda bem, cada pedido que entra é uma relíquia. Aqui, na 
fábrica, quem tem que responder rapidamente, sempre respondeu. 
[. ..] O ritmo depende do momento. A impressão que eu tenho é 
que aqui a coisa é mais tranqüila. 10 
Tem diferença entre a empresa tradicional e a nossa quanto ao 
ritmo. Na Belgo-Mineira o ritmo de trabalho é mais forte. Aqui 
tem alguns picos. Os mecanismos de pressão na empresa 
tradicional são muito mais eficientes. Jl 
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8 Presidente da Coopercon, em entrevi~ta concedida aos pesquisadores, em 2000. 
9Dirigente da Coopersul, em entrevist<;t concedida aos pesquisadores, em 2000. Leve-se 
em conta que o relato refere-se ao artesanato industrial de cristal no qual o processo de 
trabalho encontra-se sob a égide dos artesãos. A evolução da organização capitalista, ao 
valer-se dos métodos de tipo taylorista, suprimiu a autonomia dos artesãos, submetendo o 
modo de trabalho ao seu controle. 
10 Dirigente da Coopermaq, em entrevista concedida aos pesquisadores, em 1999. 
11 Presidente da Metalcoop, em entrevista concedida aos pesquisadores, em 1999. 
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Ligado ao telna dos ritn10s, mas com implicações mais 
abrangentes, encontra-se a questão da análise e da regência do processo de 
trabalho. À semelhança do que ocorreu com os ritmos, no início do 
funcionarnento das elnpresas verificou-se o afrouxamento da disciplina em 
geral, a inobservância de horários, o aumento do número de faltas não 
justificadas, a negação da autoridade das coordenações e outras manifestações 
do meSlno gênero. 
Temos problemas de irresponsabilidade no trabalho. Temos 
problemas assim. Assinamos um contrato X. E na assembléia 
algumas pessoas vêm e dizem, não dá tempo de fazer. Mas nós 
não temos que trabalhar com o tempo, mas com o que o cliente 
exige. Muitas pessoas não entendem, não assumem, que se dane. 
Muitas vezes as pessoas não querem assumir a responsabilidade. 
Antes, quando tinha um patrão era assim, ou você fazia ou era 
mandado embora. E agora há pessoas que não aceitam. Não 
conseguem ainda assumir. Cada um é o artesão do local dele e 
não quer assumir a responsabilidade como um todo. [. ..] Os 
principais conflitos foi quando abolimos o cartão de ponto e as 
chefias. Parece que abolimos os limites. Quando tiramos, teve 
gente que passou três dias sem vir na fábrica e não estava nem 
aí. Muita gente saia antes do horário e não falava nada para 
ninguém.12 
A convivência em geral é boa. Mas tem alguns casos, a pessoa 
fica num ritmo mais moroso. Uma minoria, mas faz o colega de 
trabalho carregar a parte dele. Uns não estão trabalhando. Tudo 
isso é discutido na assembléia.13 
Aos poucos, os próprios trabalhadores tOlnaram a iniciativa de 
discutir essas questões, para, em seguida, implantarem regras e nonnas de 
comportalnento para o coletivo, processo esse que não ocorre sem 
divergências e conflitos. Dessa fonna, verifica-se que alguns procedimentos 
utilizados pela elnpresa capitalista são reaproveitados pelas EAs, porém 
ünbuídos agora de um novo conteúdo de relações de trabalho. 
A utilização de estudos de métodos e tempos pode ser vista 
como o exernplo paradiglnático. Várias empresas reintroduziram ou estão 
preparando a adoção dos estudos de tetnpo. Entretanto, essa tnetodologia 
não é mais utilizada COlTI o objetivo de controle da força de trabalho, corno 
na empresa tradicional. A sua uÚlização, por ora de caráter' ainda 
experiInental, tem COlno objetivo a elaboração de parâmetros com vistas à 
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12 Presidente da Metalccop, em entrevista concedida aos pesquisadores, em 1999. 
13 Dirigente da Cooperpan, em entrevista concedida aos pesquisadores, em 1999. 
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produtividade, à coordenação geral do trabalhador coletivo e à geração de 
equidade no que tange à realização das tarefas e à assumção de 
responsabilidades.. 
As EAs deram-se conta de que a competição engendrada pelo 
mercado é uma poderosa referência parà determinar o pat.amar de 
produt.ividade Contudo, perceberam t.ambém que essa referência, apesar 
de import.ante, não é suficiente para a organização do trabalho, pois não 
detecta a natureza dos problemas existentes. A busca de soluções 
reaproximou várias empresas à técnica do estudo de mét.odos e tempos e 
há indícios de que esse será o caminho das demais na busca da 
competitividade. Entretanto, o uso dessa metodologia pelas EAs subverte o 
conceito tradicional. Os estudos técnicos podem ser realizados por 
profissional ou setor especializado. Contudo, são os associados implicados 
no processo de trabalho que, após examinarem e discutirem as alternativas 
existentes, põem-se de acordo quanto à realização de n1udanças, à fixação 
de ritmos ou ao estabelecimento de procedimentos. 
Na fábrica antiga não tinha cronometrista. Não temos também. 
Mas o Sebrae introduziu um consultor de produção que vai 
introduzir o estudo de tempo para mexer na produção, para 
aumentar a produção. Ele pretende aumentar a produtividade 
em 30%. O consultor vai fazer uma planilha e dizer como fazer, 
mas se o coletivo não aceitar, o coletivo prevalece. Quem vai 
decidir se quer ou não, somos nós. 14 
Outro fator que faz com que os trabalhadores da autogestão 
se interessen1 pela técnica do estudo de métodos e tempos, que na situação 
anterior maldiziam, é que a fáblica é UlTI coletivo articulado de trabalhadores 
ou, em outras palavras, é um trabalhador coletivo. 
Todo trabalho diretamente social ou coletivo, executado em 
grande escala, exige com maior ou menor intensidade uma direção 
que' harmonize as atividades individuais e preencha as funções 
gerais ligadas ao movimento de todo organismo produtivo, que 
difere do movimento dos seus órgãos isoladamente considerados. 
(Marx, 1982, p. 379-380) 
Nas Eas, a tarefa de haml0nização coletiva é tão ou n1ais 
importante do que na empresa tradicional. Dessa maneira, os dados 
provenientes da ànálise do processo de trabalho, nas condições de uso na 
autogestão, podem subsidiar a tarefa de coordenação do coletivo. 
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14 Dirigente da Cooperpan, em entrevista concedida aos pesquisadores, em 1999. 
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ORG & DEMO, n.2, 2001 
Por último, tem-se a questão da geração de equidade no que 
diz respeito ao trabalho que cada unl deve realizar. Enl fábricas nas quais a 
maioria dos mecanismos de controle ou foi retirada ou modificada, é quase 
natural encontrar-se trabalhadores que se dedicam e produzem o máximo 
possível, e outros, ao contrário, que afrouxan1 o ritmo e que "não trabalham, 
[que] são uns chupa sangues."15 Dessa forma, a adoção do estudo de métodos 
e t.empos tem também .a' finalidade de criar uma maior equidade na 
quantidade de trabalho realizado e na dist.ribuição das inÚl11eras tarefas. 
O pessoal detectou que havia uma desigualdade muito grande 
nos ritmos de trabalho. Uns trabalhavam muito rápido e outros 
muito devagar. L.,) Nós mesmos estamos implantando um sistema 
de tempo. Fizemos estudo de tempo para 90% dos produtos. Os 
trabalhadores terão que entrar no padrão tempo. Isso foi decidido 
em assembléia. 16 
Criamos a comissão de ética. Eles mesmos perceber;tm a 
necessidade de ter um mecanismo de controle. [. ..] Hoje há paus 
nas assembléias, porque há um grupo que quer fazer voltar o 
cartão de ponto. Outros não querem. [. ..] Hoje na assembléia 
decidimos que quem falta não recebe.17 
No começo não tinha relógio de ponto. Os próprios cooperados 
pediram o cartão de volta, 18 
Conclusão 
Com o desenvolvimento do capitalisll1o, na manufatura e, 
subseqüentemente, na fábrica, a burguesia instituiu a produção n10derna 
que está fundada no trabalhador coletivo. No entanto, para manter esse 
coletivo produzindo, o capital criou mecanismos de controle que foram 
assumindo várias fOffi1as no transcurso do seu desenvolvimento. O controle 
atende a duas funções fundamentais: preservar a dominação e a exploração 
econômica dos trabalhadores e coordenar tecnicamente o coletivo de 
trabalho. 
Em un1 certo momento da trajet.ória do capit.alismo e do 
desenvolvimento das forças produt.ivas, o t.rabalhador colet.ivo 
nlet.amorfoseia-se em ~rabalhador coletivo aut.ogest.ionário. Com isso, inicia
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15 Dirigente da Mactel, em entrevista concedida aos pesquisadores, em 1999. 
16 Dirigente da Mactel, em entrevista concedida aos pesquisadores, em 1999. 
17 Presidente da Metalcoop, em entrevista concedida aos pesquisadores, em 1999. 
18 Dirigente da Coopersul, em entrevista concedida aos pesquisadores, em 2000. 
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se urn movirnento de n1udanças nas empresas. Esse novo coletivo con1eça 
a buscar a supressão das formas de dOlnínio e exploração de classe. A 
categoria controle, que concretizava na eOlpresa a exploração e donunação, 
tende a ser substituída por outra: a de regulação. Na categoria da regulação, 
o despotisrno de classe começa a ser substituído por nonnas e valores que 
emanaOl da livre deliberação do conjunto de trabalhadores. Esse fenômeno, 
no entanto, ainda está e01 processo, transfixado pela luta de classe presente 
tanto nos segn1entos autogestionários que cOrnpÕelTI a en1presa, quanto 
pelas lutas que ocorrem na sociedade, lnas que inciden1 nas EAs. 
Referências Bibliográficas 
ENGELS, F. Sobre a autoridade. In: MARX, K. ; ENGELS, F. Textos lI. São Paulo: 
Edições Sociais, 1976. 
MARGLlN, E. A. \'Vhat do bosses do? Review of Radical Polilical Ecollornics, 
Cambrigde: Harvard University, v. 6., 1974. CCopyright by Stephen Marglin) 
MARX, Karl. O capital. Crítica da economia política. 7. ed. São Paulo: Difel, 
1982. 
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In
Revista ORG & DEMO
2001, Vol 1, n.2, 2001, p. 17-27
http://www2.marilia.unesp.br/revistas/index.php/orgdemo/article/viewFile/447/346
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